1. CONHECENDO O BÁSICO
Quando a gigante de tecnologia UBER chegou ao Brasil em 2014, na cidade do Rio de Janeiro e às vésperas da Copa do Mundo de futebol[1], causou uma intensa repercussão em nossa sociedade.
Só que a repercussão não foi tanto na questão urbanística e de mobilidade urbana, mas principalmente no mundo jurídico. O modelo de negócio da empresa foi um verdadeiro choque para a concepção clássica de regulação estatal das atividades econômicas. Estávamos diante de um poderoso exemplo daquilo que Joseph A. Schumpeter, ainda no início do século passado, chamou de destruição criativa (ou criação destrutiva)[2].
A incerteza diante do novo modelo foi de tal ordem que algumas administrações municipais resolveram mesmo proibir que seus habitantes utilizassem a tecnologia para contratar os serviços da UBER, em detrimento do tradicional modelo estatal dos táxis. As cidades de Belo Horizonte e Fortaleza foram as primeiras capitais a tentar criar, sem sucesso, obstáculos à chegada da novidade[3].
O fato é que “o novo sempre vem”, e dessa vez o novo veio para ficar: uma norma ou política pública estatal não poderia, simplesmente, impedir que as pessoas vivessem a realidade que a elas se apresentava, de forma simples, a um clique de seus celulares.
Na presente proposta de aula, o objetivo será discorrer sobre a necessidade (ou não) de o Estado (sempre) regular plataformas digitais, adotando como recorte específico as plataformas de tecnologia da informação voltadas ao uso racional de bens ociosos, a partir de um critério geográfico, o que se convencionou chamar de economia digital do compartilhamento[4].
A economia digital do compartilhamento, da qual UBER e AirBnB são os exemplos mais famosos, se apoia no uso da tecnologia digital presente em smartphones para compartilhar bens móveis ou imóveis, na tentativa de equilibrar escassez e ociosidade. O compartilhamento pode estar associado ou não a algum outro serviço. No modelo UBER, o compartilhamento é associado ao serviço de transporte de passageiros. Já no caso do AirBnB, a praxe é não associar à locação os serviços típicos de hotelaria.
Para iniciar a aula aqui proposta, é importante que se divise a atuação do Estado como ordenador (no exercício do poder de polícia) e como regulador de atividades econômicas, oportunidade em que podem (ou devem) ser explorados conceitos de Direito e Economia e de Análise Econômica do Direito.
No desenvolvimento da aula, se mostrará necessário traçar a distinção entre a novidade representada pela UBER (e seu mecanismo de autorregulação) e a tradicional regulação estatal do serviço de transporte individual de passageiro, o modelo dos táxis. O que ocorre aqui, conforme conclusão de Floriano de Azevedo Marques e Rafael Verás de Freitas em artigo científico, é um exemplo clássico de assimetria regulatória[5].
Feitas estas análises, o leitor/estudante estará em condições de buscar compreender se o papel do Estado a ser desempenhado diante das plataformas digitais de compartilhamento será o de mero ordenador ou se será exigida uma atuação conformadora dos comportamentos de agentes econômicos, quando se estará diante da regulação econômica propriamente dita.
Importante destacar que não se adotará como correta essa ou aquela escola doutrinária sobre regulação econômica, nem se debaterá os meandros de eventual papel redistributivo da regulação econômica (regulação como instrumento de busca de justiça e não de eficiência). Esta é uma revisão que não cabe nesse debate.
Por fim, também não será objeto desta aula a tentativa de se alcançar um regime jurídico adequado para o enquadramento legal de motoristas de aplicativo, eis que esta aula se propõe a explorar temas de direito administrativo e de direito regulatório (ainda que sob a ótica não somente do Estado), e não questões atinentes ao direito do trabalho, ainda que a definição da natureza jurídica dos prestadores de serviços a plataformas como a UBER tenha se tornado o ponto nervoso central da economia do compartilhamento.
Boa aula a todos!
[1] Ver informações sobre o assunto: https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/#:~:text=A%20Uber%20no%20Brasil,v%C3%A9speras%20da%20Copa%20do%20Mundo. Acesso em 28 out. 2024.
[2] SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Unesp, 2017, págs. 119-120.
[3] Vide, em Belo Horizonte, a lei municipal nº 10.900, de 8 de janeiro de 2016, e em Fortaleza, a Lei Municipal nº 10.533, de 23 de dezembro de 2016.
[4] SUNDARARAJAN, Arun. Economia compartilhada. São Paulo: SENAC, 2018, págs. 54-59.
[5] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Veras de. Uber, WhatsApp, Netflix: os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 75-108, out./dez. 2016, p. 76-77.
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
Intervenção estatal na economia: ordenação (poder de polícia) x regulação
O livro intitulado “Poder de polícia, ordenação e regulação”, de Gustavo Binenbojm[1], trata do tema da intervenção estatal nas atividades privadas e na livre iniciativa econômica com a profundidade necessária ao desenvolvimento do tema introdutório desta aula.
Poder de polícia, ordenação e regulação
Por Gustavo Binenbojm
(Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, págs. 90-92).
“A disciplina normativa da atividade de polícia pode demandar diferentes tipos de atuação por parte da Administração Pública, em distintos graus de concretude. Há casos em que a lei produz efeitos desde logo sobre a vida privada, remetendo os agentes administrativos à fiscalização de seu cumprimento. Há casos em que a lei determinou que a Administração ratifique as conformações da liberdade e da propriedade por meio de uma notificação ao particular, de efeito meramente declaratório, mas essencial à sua exigibilidade. Há ainda casos em que a lei apenas autorizou a imposição de condicionamentos, consoante decisão administrativa a ser proferida.
(…)A ordem de polícia, ao contrário, tem caráter constitutivo da obrigação (de fazer, não fazer ou suportar) imposto a sujeitos ou bens determinados (ordem de polícia singular), ou a uma pluralidade indeterminada de destinatários (ordem de polícia plúrima).
(…)Como esclarece Carlos Ari Sundfeld, o ato ordenador constitutivo de conformações da liberdade e da propriedade não se confunde com o ato repressivo praticado pela Administração para o fim de corrigir ou eliminar a situação de irregularidade em que se encontra o particular.”
Impossível tentar compreender o alcance do poder de polícia sem tratar de seu ciclo de formação. A atuação ordenadora ou polícia administrativa se constitui em um processo formado por 4 (quatro) etapas – o ciclo de polícia[2]:
- uma norma abstrata e genérica impõe certa limitação ao exercício de um bem, direito ou atividade, em busca da manutenção da ordem pública em geral, e de um interesse em particular (segurança, meio ambiente, proteção sanitária, mobilidade, tranquilidade, organização urbana etc.);
- uma ordem estatal autoriza ou ratifica a possibilidade ou a legitimidade do exercício de tal bem, direito ou atividade, o que pode ser materializado por uma autorização (ato discricionário) ou licença (ato vinculado);
- o adequado respeito aos limites da ordem e à norma geral limitadora são objeto, então, de uma ação fiscalizadora;
- os destinatários da norma geral que não se adequem ao dever imposto são objeto de aplicação de sanção.
A conclusão que se extrai destas primeira linhas é que a atuação do poder de polícia, em busca da ordem pública, não se faz em vista de destinatário específico, mas voltada a uma coletividade indefinida (ainda que identificável) de destinatários, que devem fazer, não fazer ou tolerar uma limitação em norma da sociedade, sem que uns sofrem sacrifícios desproporcionais em relação aos outros.
Poder de polícia, ordenação e regulação
Por Gustavo Binenbojm
(Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, págs. 226-228).
“Como demonstrado até aqui, a regulação tem sido utilizada pela ciência econômica com o intuito de corrigir falhas e mercado, entendidas como situações em que a livre atuação dos agentes do econômicos pode acarretar resultados ineficientes ou indesejáveis, à luz de algum critério normativo. A economia da regulação, direcionada à correção de falhas de mercado, representa uma ruptura com o axioma clássico da infalibilidade do mercado, sem, contudo, importar abandono do paradigma da racionalidade individual. Em outras palavras, subsiste a premissa da escolha racional, caracterizada, em princípio, pela busca da maximização da utilidade ou do bem-estar do agente. A correção de falhas de mercado, assim como alguns de seus efeitos indesejáveis, atua sobre fatores externos e alheios à formação de vontade individual, restringindo-se a sanear problemas estruturais do próprio mercado.”
Por outro lado, a regulação econômica tem destinatário específico, eis que a atuação estatal nesse caso se dirige a corrigir uma “falha de mercado” [3], o que, a toda evidência, exige que já se tenha identificado a respectiva falha e quem teria sido seu executor (ou seus executores). Assim, a regulação de informação, por exemplo, atua porque determinado agente econômico não informou todos os dados necessários para que um tomador contrate empréstimo com segurança; ou ainda, não foram repassadas todas as informações sobre o risco do consumo de um remédio ou do uso de um pesticida.
Um “rol” mais amplo de hipóteses em que o Estado deve (ou pode ou se compromete a) intervir na Economia parece ter sido bem representado por Cass Sunstein, em seu artigo denominado “As funções das normas reguladoras”, no qual buscou categorizar as origens das normas reguladoras, apresentando os seguintes exemplos de intervenção: a) falhas de mercado (monopólio, ação coletiva, assimetria de informações e externalidades); b) políticas redistributivas em razão de interesse público; c) aspirações coletivas; d) formação de preferências; e) subordinação social; f) preferências endógenas; g) irreversibilidade e gerações futuras; h) transferência de interesse de grupos.[4]
Ainda que se trate da hipótese de uma agência reguladora expedir uma Resolução sobre certo tema, e não haver destinatário explícito, a norma é dirigida a todos os seus regulados que se amoldam ao controle estabelecido, sendo de identificação possível e precisa[5].
Poder de polícia, ordenação e regulação
Por Gustavo Binenbojm
(Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, págs. 221-222).
“Analisadas as circunstâncias do caso UBER, percebe-se claramente o efeito impressionante que o desenvolvimento de aplicativos (apps) contendo sistemas de “economia compartilhada” (sharing economy) causou em uma estrutura regulatória rígida e relativamente estável até aquele momento, provocando um choque que põe em xeque a eficiência da estrutura regulatória até então adotada. Em outras palavras, o advento desse novo modelo de negócios, utilizado para facilitar o relacionamento entre motoristas e usuários do serviço de transporte individual de passageiros, afetou todas as bases regulatórias relacionadas ao modelo tradicional de concessão de outorgas de autorizações a taxistas. Até aquele momento, os taxistas gozavam de exclusividade na prestação do serviço de transporte individual de passageiros e a entrada de novos prestadores no mercado era – e ainda é – muito difícil, tendo em vista obstáculos burocráticos e limites no número de concessões de outorga de autorizações para táxi, arbitrariamente definidos nas legislações locais.”
Quando o professor Gustavo Binenbojm trata do “choque que põe em xeque a eficiência da estrutura regulatória até então adotada”, é preciso notar que ele se refere à regulação da atividade que já existia (incumbente), ou seja, a dos táxis, e não à atividade que chega, a inovação trazida pela UBER (insurgente).
O modelo de transporte individual de passageiros pelos táxis foi objeto de intensa regulamentação (e não propriamente regulação) por parte do Estado porque, em sua origem, os formuladores de políticas públicas entenderam que apenas o Estado poderia lidar com as questões que envolvem o serviço (que também poderia ter sido prestado por associações particulares, com regras próprias):
- uso intensivo das vias urbanas;
- segurança na escolha dos condutores (razão das regras sobre entrada de fornecedores e quantidade ofertada);
- eliminação de assimetrias de informação (razão das regras sobre qualidade, informação e preço do serviço).
Não há razão de natureza econômica para que os táxis sejam prestados da forma que são pelo Estado e não por cooperativas ou associações privadas, com liberdade para fixação de seus preços. A questão é que o Estado “avocou” para si as regras do modelo, bem como o sistema de autorizações, que é absolutamente arbitrário e, independentemente de qualquer razão de eficiência, é pensado de forma discricionária por cada municipalidade.
Então se pode concluir que os táxis poderiam criar suas regras tais com o UBER fez? A resposta é SIM. Mas é o Estado que formula tais regras, que têm premissas e fundamentos muitos diversos do modelo UBER. Seus regimes jurídicos só se tornaram díspares em razão das regras que os disciplinam, mas, em essência, ambos têm a mesma natureza de serviço de caráter privado, prestado por uma particular a outro particular.
A distinção entre suas regras criou uma assimetria regulatória que pode ser apontada como a raiz de toda controvérsia inicial.
UBERs x táxis: uma assimetria regulatória ou um conflito real?
Assimetria regulatória ocorre quando prestadores de uma mesma atividade estão submetidos a regimes jurídicos distintos. UBERs e táxis podem conviver (e convivem) no mesmo espaço e tempo, eis que não são atividades excludentes, e sim complementares.
O Uber e a reinvenção do direito administrativo: os novos horizontes da regulação das atividades econômicas.
Por João Marcelo Rego Magalhães e Uinie Caminha
(In: Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM. v. 14, n. 1 / 2019 e32560)
4 ASSIMETRIA REGULATÓRIA TÁXIS X UBER: TRATAMENTO DAS VARIÁVEIS ENTRADA, PREÇO, INFORMAÇÃO E QUALIDADE – CONVIVÊNCIA E APERFEIÇOAMENTO
Um novo cenário se apresenta consolidado na atividade de transporte individual de passageiros, qual seja, uma assimetria regulatória: enquanto aplicativos de transporte individual como o UBER se organizam por normas internas que espelham os conceitos da economia compartilhada, a utilidade pública representada pelo serviço de táxi é regida por legislações municipais, com certas disposições nitidamente anacrônicas em face dos novos conceitos.
Cabe, portanto, uma comparação entre os modelos, que será realizada entre o padrão que surge das diversas legislações municipais sobre os serviços de táxi e as funcionalidades internas pensadas pelos programadores do UBER, e não com as regras trazidas pela Lei nº 13.640, de 2018 (“Lei do UBER”).
Ocorre que a Lei nº 13.640, de 2018, alterou a Lei nº 12.587, de 2012, apenas para conferir aos Municípios e ao Distrito Federal competência para regular aspectos administrativos e tributários do transporte individual de passageiros por meio de aplicativos, mas não deu ao legislador municipal e distrital autorização para estipular exigências que dificultem ou impossibilitem o uso de serviços como o UBER, muito menos para definir como a atividade econômica será prestada pelas empresas de tecnologia. Portanto, o modelo de regulação a servir de comparação é aquele definido nas funcionalidades do aplicativo, pois a lei nacional não se prestou a delinear os contornos regulatórios da atividade de transporte individual privado, como fazem as legislações municipais com o serviço de táxi.
(…)
A comparação proposta adotará como metodologia o exame sobre como aqueles dois modelos de transporte individual (táxis x aplicativos) delinearam as variáveis regulatórias pertinentes: a entrada, o preço, a informação e a qualidade.
4.1 Entrada
A regulação de entrada para os profissionais taxistas é definida por cada legislação municipal, não sendo possível afirmar que há um padrão na discricionariedade normativa dos Municípios, ao menos quanto o número de profissionais autorizados a atuar no mercado, definição que se constitui na regulação de entrada propriamente dita.
(…)
questão a se examinar é se a regulação de entrada do serviço de táxi tem atendido a critérios técnicos suficientes para evitar a tragédia dos comuns e ainda assim atender a população, ou se o que está acontecendo é uma reserva de mercado que, aliada ao favorecimento de agentes econômicos determinados, pode levar a um mercado paralelo predatório.
Em relação ao UBER, o acesso à condição de motorista segue um rito bem mais simplificado. No aplicativo existe a opção “Dirija com a Uber”, que remete a uma tela em que se escolhe entre as opções disponíveis na sua cidade para o transporte de pessoas (modalidades X, Select ou Black) ou simplesmente para fazer entregas com o veículo. Em seguida, o candidato deve enviar documentos, atestar a veracidade das informações e concordar em se submeter a uma checagem de antecedentes. Em paralelo, mensagens são enviadas ao endereço eletrônico do interessado com informações sobre o curso do procedimento.
Diante dessa facilidade, pode-se imaginar a possibilidade de um grande número de motoristas adotando o UBER em cada cidade e o esgotamento do mercado. Acontece que o aplicativo contém um algoritmo de formação de preços orientado pelo conceito de “tarifa dinâmica”; quando são poucos motoristas oferecendo o serviço a tarifa está mais alta, o que atrai a atenção de novos motoristas, que ao começaram a aceitar chamadas equilibram o mercado e fazem as tarifas reduzirem de valor; em casos de demanda extraordinária, os preços mais elevados também irão atrair novos motoristas e a tendência também será de redução e equilíbrio. Portanto, a tarifa dinâmica – que é também um instrumento de regulação de entrada em tempo real – é a solução do UBER para a tragédia dos comuns.
Em qualquer atividade privada a livre concorrência – da qual é corolário o amplo acesso ao mercado – há de ser a regra. Independente do regime a que esteja submetido o prestador de transporte individual, a regulação de entrada deve ser excepcional e fundada em razões de caráter estritamente técnico (evitar o esgotamento do proveito econômico ou a ineficiência da utilidade pública) ou razões de natureza objetiva que sejam impeditivas do cadastro de novos motoristas (antecedentes criminais, inabilitação para o desempenho da atividade ou imprestabilidade do veículo empregado).
4.2 Preço
Para o serviço dos profissionais taxistas, as legislações municipais adotam um sistema de formação de preços que leva em conta basicamente três elementos: uma tarifa inicial pela utilização do veículo – a bandeirada –, um acréscimo em face da distância percorrida (variável de acordo o horário da prestação do serviço) e outro acréscimo em razão do tempo dispendido no trajeto ou pelo qual o motorista fica à disposição do passageiro. Uma ou outra tarifa por serviço adicional pode ser aplicada, mas a regra é que o preço seja formado pela conjunção daqueles três fatores.
(…)
Em se tratando de UBER, a tarifa é sempre pré-paga. Uma vez que o aplicativo identifique a localização do usuário e este confirme o destino pretendido, um valor de tarifa é calculado e exibido, sendo necessária a concordância com o preço. Ainda que os usuários não tenham as informações sobre como atua o conceito de tarifa dinâmica, o valor informado já considerou o número de demandantes e de motoristas da região, as condições do trânsito, fatores climáticos e a existência de alguma externalidade (greve no transporte coletivo, por exemplo).
(…)
4.3 Informação
Em termos de fracasso regulatório, o tratamento da variável “informação” na atividade dos taxistas é um exemplo notório. Quando as legislações municipais tratam da matéria, se resumem basicamente à caracterização do veículo como táxi e a obrigação de exibir a tabela de preços.
Diversas legislações municipais não contêm sequer uma única obrigação de prestação de informações aos usuários dos táxis, como se observa, por exemplo, da Lei nº 9.430, de 15 de outubro de 2008, do Município de Fortaleza, da Lei nº 5.492, de 19 de julho de 2002, do Município do Rio de Janeiro, e da Lei nº 9.445, de 16 de setembro de 2014, do Município de Goiânia.
(…)
Quando se utiliza um aplicativo como o UBER, todas as informações necessárias a fim de que o usuário possa ter a certeza de estar fazendo uma contratação justa e adequada estão disponíveis. Os elementos que permitem contratar de forma racional estão presentes e claramente apresentados.
Em primeiro lugar se apresenta o preço do serviço, calculado a partir da oferta de motoristas, demanda de passageiros, distância percorrida e possíveis externalidades. Uma vez confirmada a contratação, são exibidos os dados do motorista (inclusive a identificação por meio de fotografia), sua avaliação média pelos usuários, as características identificadoras do veículo e o tempo previsto para a chegada.
Se ocorrer alguma alteração das condições de trânsito, os dados são atualizados e o usuário é atualizado em tempo real. Caso precise desistir do serviço deverá pagar uma multa em valor fixo. Se o motorista precisar desistir, a multa é cobrada da mesma forma, mas se transformará em crédito para o usuário quando utilizar o aplicativo em outra oportunidade. As regras sobre multas e cancelamentos não são perfeitamente claras como as demais regras do aplicativo.
Ao final do serviço, o motorista encerra a corrida na sua versão do aplicativo, enquanto ao usuário é informado o débito em seu cartão de crédito já cadastrado e permitida a avaliação da qualidade do serviço prestado pelo motorista.
Enquanto no serviço de táxi, a ausência de informações tende a causar surpresas desagradáveis aos passageiros, o usuário de aplicativos como o UBER tem a possibilidade de usar a tecnologia a fim de evitar a assimetria de informação em relação ao preço e ao modo de prestação do serviço. Chega mesmo a ser revolucionário verificar que aplicativos como o UBER podem prover com facilidade praticamente toda a informação necessária ao usuário de transporte individual de passageiros.
É preciso deixar ressaltado que o modelo regulatório da UBER é o que se chama de autorregulação, ou seja, nenhuma das variáveis regulatórias da plataforma foi criada pelo Estado, mas desenvolvidas pela própria empresa, tendo como ponto de partida, ainda que apenas um ponto de partida de outra modelagem, o tratamento jurídico estatal conferido desde longa data aos táxis.
Essa conclusão obriga a enfrentar, finalmente, o tema desta aula: o Estado precisa (sempre) regular plataformas digitais, em especial as plataformas digitais da economia compartilhada?
O Estado deve (sempre) regular as plataformas digitais de compartilhamento?
Como visto, a regulação exige a ocorrência e a identificação de uma falha de mercado. As principais falhas de mercado ligadas a uma atividade de uso compartilhado de bens privados são as externalidade negativas, o problema de coordenação e a assimetria de informação.
Doravante é preciso manter o foco no modelo das plataformas digitais de compartilhamento, especialmente aquele estabelecido pelas dominantes em suas áreas, UBER e AirBnB.
Em linhas gerais, externalidades negativas são efeitos de uma atividade econômica que acaba por prejudicar terceiros não envolvidos; o problema de coordenação surge quando múltiplos interesses distintos e independentes podem levar ao caos para todas as partes; assimetria de informação ocorre quando uma das partes de uma relação negocial não conhece todos os elementos necessários para a tomada de decisão.
Diante de alguma destas falhas de mercado, o Estado pode ou deve atuar cono regulador, normalmente uma regulação do tipo “comando e controle”, quando são impostas condutas corretivas ou reparatórias ao agente econômico que desencadeia a falha de mercado.
Direito e economia política na regulação de serviços públicos
Por Diogo R. Coutinho
(São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 135)
“O traço marcante da regulação de comando e controle é o esforço de influenciar de modo determinante o comportamento da empresa regulada com o respaldo de sanções , em alguns países de natureza criminal. Baldwin e Cave (1999:35) chamam a atenção para o fato de que, em geral, mecanismos de comando e controle pressupõem que os reguladores detenham algum poder normativo para a edição de normas, tal como é o caso do EUA. Esses autores explicam ainda que as vantagens da regulação de comando e controle – se comparadas a formas de atuação menos intrusivas, como o uso de incentivos e estímulos econômicos – decorrem da força coercitiva do direito que pode ser utilizada para determinar obrigações e estipular sanções de aplicação imediata. Além disso, o regulador transparece a adoção de uma posição supostamente clara ao estipular que determinados comportamentos são aceitáveis ao passo que outros não serão tolerados.”
Não é possível afirmar que UBER e AirBnB trouxeram externalidades negativas. O UBER não inviabilizou o serviço público do táxi, enquanto o AirBnB não causou a derrocada do setor hoteleiro onde convivem. Bem ao contrário, houve acesso a serviços em um novo modelo, mais dinâmico e acessível
Também não é o caso de problemas de coordenação ou interesses conflitantes, pois os motoristas de UBER e demais aplicativos atuam no trânsito das cidades, que por si só é um problema de coordenação resolvido em larga escala, para todos os motoristas. Também não problemas de coordenação em plataformas como AirBnB, pois é notório que ainda há mais demanda do que oferta.
Por fim, o ponto forte das novas plataformas digitais de compartilhamento é justamente sua clara e intuitiva maneira de prestar informações e o amplo acesso a ratings e avaliações de parte a parte, o que praticamente impossibilita atuação estatal a fim de exercer a regulação de informação. Bem ao contrário disso, a regulação de informação e de qualidade daquelas plataformas é tão impactante e eficiente que deveria mesmo ser copiada pelo regulador estatal (vide tópico 4.3 do quadro transcrito no item 2.2 supra).
Isto posto, sem a ocorrência de uma falha de mercado evidente, não se justifica a imposição de uma regulação de comando e controle, que tem, por essência, ser invasiva ao modo de atuação da empresa regulada, que passa a ter que fazer, não fazer ou tolerar ação que impacta no seu próprio modelo de negócio.
É o próprio design da inovação – que é acessível por qualquer pessoa com smartphone – que limita o poder de ação do Estado no tocante às plataformas de economia compartilhada. Se esse conceito for associado ao fato de que as regras de tais plataformas são fruto de autorregulação privada e que a inovação tecnológica é valor a ser perseguido em qualquer sociedade, não faz sentido pensar em intromissão estatal nas regras de uma empresa como a UBER e o AirBnB (e seus congêneres, evidentemente).
Ademais, se o Estado fosse regular a atividade econômica que é intermediada por tais plataformas de compartilhamento, haveria também, em última medida, uma intromissão no livre uso dos bens privados que são incluídos na plataforma por seus proprietários, o que tolheria o livro uso e gozo da propriedade privada.
Todavia, é forçoso observar que o uso do viário urbano pelos motoristas de aplicativo pode impor obrigações específicas de ordenação por meio de instrumentos de poder de polícias, tais como o uso (ou a proibição) de vias exclusivas, a identificação dos veículos por meio de sinais distintivos, a revisão veicular periódica em maior frequência etc. Da mesma forma, o uso para fins econômicos de imóveis residenciais por meio de plataforma digital pode gerar impacto na ordem urbanística ou na habitabilidade de certos bairros, o que pode impor medidas de conformação da atividade às políticas urbanísticas. Tanto num caso quanto outro, não se está a regular o modelo de negócio, mas sim ordenando ou limitando certos efeitos sobre bens, atividades e direitos de interesse coletivo.
Dessa forma, parece ter sido coerente o legislador brasileiro quando previu novo modal de transporte individual de passageiros por aplicativo na lei da política nacional de mobilidade urbana, mas ali tão somente elencou obrigações de ordenação de trânsito (poder de polícia) e questões afetas ao direito tributário, conforme arts. 11, 11-A e 11-B da Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012:
Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012
Art. 11. Os serviços de transporte privado coletivo, prestados entre pessoas físicas ou jurídicas, deverão ser autorizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público competente, com base nos princípios e diretrizes desta Lei.
Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço: (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
I – efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
II – exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
III – exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018) (Regulamento)
Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
I – possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
II – conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
III – emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
IV – apresentar certidão negativa de antecedentes criminais. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
Parágrafo único. A exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta Lei e na regulamentação do poder público municipal e do Distrito Federal caracterizará transporte ilegal de passageiros. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)
Quando o Estado tem razão para impedir a atuação de uma plataforma de compartilhamento? (o caso BUSER)
A plataforma digital de fretamento coletivo BUSER tem sua inovação apoiada em ofertar viagens a grupos de pessoas interessadas em certas rotas. A solução tecnológica parece ser inovadora e de baixo custo, mas impacta decisivamente no modelo estatal das concessões de transporte intermunicipal e interestadual.
Ocorre que neste tipo específico de concessão de serviços públicos, linhas mais rentáveis são concedidas em conjunto com linhas menos rentáveis, um mecanismo conhecido como subsídio cruzado.
Direito e economia política na regulação de serviços públicos
Por Diogo R. Coutinho
(São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 106-107)
“O exemplo é o dos subsídios cruzados, utilizados no passado por empresas estatais prestadoras de serviços públicos como forma de, por meio da utilização de receitas de uma atividade lucrativa, subsidiar serviços considerados desejáveis e essenciais desde o ponto de vista social (…). Dessa circunstância de distorção de preços prejudica-se a concorrência e, consequentemente, a eficiência. Isso ocorre porque subsídios cruzados, argumenta Foster, levam ao efeito conhecido como “cream skimming” (ou “cherry picking”): a tendência de novos agentes econômicos passarem a competir precisamente nos mercados em que há produção de rendas excessivas e negligenciarem os mercados subestimados. Tais entidades seriam, assim, contraproducentes, ainda que o subsídio cruzado seja considerado bem-intencionado do ponto de vista dos formuladores de políticas públicas. Em outras palavras, quando um novo concorrente passa a atuar em um mercado de onde se extraem rendas que subsidiam outro mercado, a transferência dessas rendas fica prejudicada, pois o mercado mais rico deixa de permitir a extração de excedente monopolista.”
Ora, como a BUSER tem ofertado notadamente as linhas mais rentáveis, os concessionários destas linhas rentáveis perdem receitas que vão (ou iriam) ajudar a custear as linhas menos rentáveis, o que inviabiliza praticamente todas as linhas operadas pelo concessionário.
É como se a plataforma de tecnologia BUSER ficasse apenas com a “cereja do bolo”.
Além de tudo isso, o serviço público coletivo intermunicipal e/ou interestadual está definido nos incisos XI e XII do art. 4º da Lei nº 12.587, de 2012, e a forma que opera a BUSER não se enquadra em nenhuma das hipóteses, o que poderia configurar o exercício de transporte “pirata”.
Foi justamente com base nesse fundamento, da falta de adequado enquadramento legal, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu a seguinte decisão no âmbito do REsp 2.093.778:
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
REsp 2.093.778
(REsp n. 2.093.778/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 18/6/2024, DJe de 2/7/2024.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA BUSER. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. LEGITIMIDADE ATIVA DA PARTE AUTORA, FEDERAÇÃO DE EMPRESAS DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS. CONFIGURAÇÃO. LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PLATAFORMA DIGITAL DE VENDA DE PASSAGENS. MODELO DE FRETAMENTO EM CIRCUITO ABERTO. IRREGULARIDADE. CONCORRÊNCIA DESLEAL COM AS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS NA MODALIDADE REGULAR. CONFIGURAÇÃO. AGRAVO CONHECIDO PARA CONHECER EM PARTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE. RECURSO ESPECIAL DA ANTT. OBRIGAÇÃO IMPOSTA À AGÊNCIA REGULADORA. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Na origem, a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados do Paraná e Santa Catarina (Fepasc) ajuizou demanda contra a União, a BUSER Brasil Tecnologia Ltda e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), objetivando a procedência dos pedidos para (i) reconhecer e declarar, para todos os efeitos, a ilegalidade e invalidade do modelo do BUSER de oferta de serviço de transporte regular intermunicipal de passageiros, (ii) ordenar à BUSER que se abstenha de realizar a atividade em questão, sob pena de multa e outras medidas coercitivas e sub-rogatórias; e (iii) ordenar à União e à ANTT que exerçam efetivamente a fiscalização adequada do referido serviço público.
2. A sentença de parcial procedência dos pedidos foi reformada pelo Tribunal de origem para: (1) reconhecer e declarar, para todos os efeitos, a ilegalidade e invalidade do modelo da BUSER, ao divulgar, comercializar e realizar as atividades de transporte rodoviário interestadual de passageiro, com ponto de partida ou de chegada no Estado do Paraná, sem a prévia autorização da ANTT para tal atividade, tratando-se de serviço irregular de fretamento; (2) ordenar à BUSER que se abstenha de realizar a atividade ilegal em questão, sob pena de multa e outras medidas coercitivas ora determinadas; (3) ordenar à ANTT que exerça efetivamente a fiscalização adequada do serviço público.
(…)
5. O caso concreto envolve a prestação de serviços de fretamento realizado sob iniciativa da ora recorrente – BUSER Brasil Tecnologia Ltda -, em circuito aberto; ou seja, por meio da utilização de plataforma eletrônica, os passageiros adquirem viagens para destinos de seu interesse, normalmente em rotas consideradas lucrativas pelas empresas de transporte de passageiros em geral.
6. A legislação exige que o serviço de fretamento, para ser autorizado, deve ser praticado somente em “circuito fechado” (viagens de ida e de volta realizadas com os mesmos passageiros), o que não é o caso de pelo menos grande parte dos serviços oferecidos pela ora recorrente.
7. O serviço oferecido pela BUSER de fretamento em circuito aberto implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros. Tanto é assim que, conforme delineado no acórdão recorrido: (i) são disponibilizados diversos trajetos diários, com preço individual e horários fixos, em circuito aberto (só ida e até previsões de paradas), e muitas vezes sem informação quanto à empresa responsável pelo transporte; (ii) a regularidade na oferta dos serviços (viagens diárias, nos mesmos horários), a venda de bilhetes individuais e a compra facultativa da passagem de volta (circuito aberto) revelam que não se trata de serviço de caráter ocasional, mas sim de “estabelecimento de serviços regulares ou permanentes”; e (iii) as empresas cadastradas na plataforma da ré possuem apenas autorização para fretamento no circuito fechado. Configurada, portanto, atuação em situação de concorrência desleal com as empresas que prestam regular serviço de transporte interestadual de passageiros.
8. Quanto ao recurso especial da ANTT, tem razão a recorrente. Ora, a fim de assegurar o cumprimento da decisão judicial de ilegalidade da venda de serviços de fretamento em circuito aberto, basta a multa diária mantida no acórdão recorrido em relação à BUSER, nos termos seguintes: “a) à BUSER, multa diária por descumprimento da decisão judicial, que ora fixo em definitivo R$ 50.000 (cinquenta mil reais), reduzindo, portanto, a majoração pelo dobro anteriormente deferida, visto que objetivou atender circunstância particular e temporal na presente ação; b) aos dirigentes e administradores da empresa BUSER, multa adicional, correspondente a 20% do montante devido pela empresa”. Como a BUSER, por suas características, não é uma empresa que presta diretamente o serviço de fretamento, ou seja, não se enquadra como agente regulado da ANTT.
9. Nos termos da legislação atualmente em vigor, está a agência reguladora limitada a fiscalizar as empresas autorizadas no regime de fretamento, independentemente se os passageiros foram captados pela BUSER; e, constatando a prestação indevida de serviço em circuito aberto, aplicar as medidas previstas nos instrumentos normativos pertinentes.
10. Agravo da BUSER Brasil Tecnologia Ltda conhecido para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. Recurso especial da ANTT provido.
(REsp n. 2.093.778/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 2/7/2024.)
[1] BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação e regulação. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016.
[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, págs. 440-443.
[3] Ao lado das falhas de mercado, a regulação pode incidir ainda sobre as falhas de escolha, objeto de estudo da economia comportamental.
[4] SUNSTEIN, Cass Robert. As funções das normas reguladoras. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1, n. 3, p. 33-65, jul.-set. 2003.
[5] O objeto desta aula não engloba o exame de distorções do modelo das agência reguladoras, como a doutrina da public choice e a teoria da captura.
3. DEBATENDO
- Qual a diferença entre regulação e poder de polícia?
- No que consiste a economia do compartilhamento?
- O que são falhas de mercado?
- Quais questões primordiais fizeram o Estado regular de forma tão rígida o modelo dos táxis?
- Qual a diferença fundamental ente o modelo UBER e o modelo dos táxis brasileiros?
- Como funciona a regulação da entrada, preço e informação no modelo dos táxis municipais?
- Como funciona a regulação da entrada, preço e informação no modelo UBER?
- Por que se diz que a UBER pratica autorregulação?
- A atuação contínua dos motoristas de aplicativos, com uso intensivo do viário urbano, permite a cobrança de algum preço público?
- Plataformas como a UBER devem indenizar proporcionalmente danos ao viário urbano?
- É adequado exigir vistoria periódica mais frequente para motoristas de aplicativo?
- Quanto à prestação de serviço associado, qual a diferença entre UBER e AirBnB?
- Como conciliar serviços públicos de transporte individual e economia compartilhada?
- Qual a diferença entre os modelos UBER e BUSER?
- Como conciliar serviços públicos de transporte coletivo e economia compartilhada?
- Em que termos foi ordenada a atividade da Uber na lei da política nacional de mobilidade urbana?
- Municipalidades podem impedir que pessoas cadastram suas residências no AirBnB?
- O AirBnB deve compensar danos à política urbanística local?
- O AirBnB deve compensar danos à política habitacional local?
- O que o STJ usou de argumentos para barrar a atuação da BUSER?
Metodologias ativas aplicáveis (sugestão):
UBER | Após exposição dos aspectos essenciais, a turma será dividida em equipes a fim de realizar simulação de “julgamento sobre suposta ilegalidade da plataforma”; alunos desempenharam os papeis de julgadores, advogados da empresa, reguladores/agentes públicos ou representantes dos taxistas (ouvidos como interessados) | MAGALHAES, Joao Marcelo Rego. Aplicativos de transporte individual: preço público e direito de empreender. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 280, n. 3, p. 121-147, set/dez. 2021. MAGALHAES, Joao Marcelo Rego; CAMINHA, Uinie. O Uber e a reinvenção do Direito Administrativo: os novos horizontes da regulação das atividades econômicas. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, RS, v. 14, n. 1, e32560, jan./abr. 2019. |
BUSER | Após esclarecimentos sobre o modelo de negócios que rege o fretamento colaborativos, os alunos serão convidados e realizar uma de três atividades possíveis: a) relatar as diferenças em relação ao modelo “UBER”; b) criticar ou ratificar as razões pelas quais o Superior Tribunal de Justiça considerou a plataforma ilegal; c) propor as linhas gerais de um projeto de lei de adequação do sistema. | Queiroz, Renata Capriolli Zocatelli; Silva , Felipe Gomes. Livre iniciativa e atividades inovadoras : uma análise do caso BUSER. In: Revista Semestral de Direito Empresarial. Rio de Janeiro. ISSN 1983-5264. N.º 32 (2023), p. 141-173. |
AirBnB | Após exposição dos elementos essenciais do modelo de compartilhamento de imóveis, os alunos serão desafiados e elaborar uma tese de defesa de uma plataforma de compartilhamento que foi impedida de operar em determinada cidade; os princípios da livre iniciativa e da inovação serão confrontados com os argumentos da proteção à política de ocupação urbana. | Davidson, M. N., & Infranca, J. J. (2016). The Sharing Economy as an Urban Phenomenon. Yale Law and Policy Review, 34, 214-279. Eckhardt, G. M., & Bardhi, F. (2015). The Sharing Economy Isn’t About Sharing at All. Harvard Business Review. Retrieved from https://hbr.org/2015/01/the-sharing-economy-isnt-about-sharing-at-all. |
4. APROFUNDANDO
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. O que é meu é (cada vez mais) seu: a ascensão da economia colaborativa. Trad. Rodrigo Sardenberg. Porto Alegre: Bookman, 2011.
CHASE, Robin. Economia compartilhada: como pessoas e plataformas da Peers Inc. estão reinventando o capitalismo. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: HSM do Brasil, 2015.
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.
MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O novo estado regulador no Brasil – eficiência e legitimidade. São Paulo: Singular, 2006.
PELTZMAN, Sam. A teoria econômica da regulação depois de uma década de desregulação. In: MATTOS, Paulo Todescan Lessa (coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Coleção Capitalismo e Democracia. p. 85-126.
ROMAN, Flávio José. Discricionariedade técnica na regulação econômica. São Paulo: Saraiva, 2013.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.
SUNSTEIN, Cass Robert. As funções das normas reguladoras. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1, n. 3, p. 33-65, jul.-set. 2003.
SUNSTEIN, Cass Robert. After the rights revolution: reconceiving the regulatory state. Harvard University Press, 1993.
SUNSTEIN, Cass Robert. O constitucionalismo após o new deal. In: MATTOS, Paulo Todescan Lessa (coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Coleção Capitalismo e Democracia. p. 129-229.