Uma dinâmica
1. CONHECENDO O BÁSICO
Exercer mais controle sobre o administrador público é sempre uma boa ideia? À primeira vista, a resposta para essa pergunta pode parecer óbvia: sim. Afinal, todos aceitamos que há algo de errado com autoridades públicas que usam seus poderes para fins pessoais. O combate à corrupção vem rapidamente à mente como uma razão a favor dessa resposta.
Uma reflexão mais profunda sobre o assunto revela, porém, que mais controle nem sempre é melhor. A existência de mecanismos de controle dificulta a vida tanto de quem quer alcançar fins privados através de poderes públicos, quanto a de quem está sinceramente interessado em concretizar o interesse público. Considere como exemplo as normas relativas às licitações. Elas estabelecem uma série de procedimentos que devem ser observados antes de qualquer contratação. Ao longo do procedimento delineado pela legislação aplicável, vários órgãos de controle (o órgão de assessoramento jurídico relevante, tribunais de contas, o ministério público e o judiciário) podem pedir esclarecimentos ou obstar, de alguma forma, a continuidade do processo licitatório. Essas intervenções certamente são capazes de frustrar àqueles que querem utilizar recursos públicos para fins privados. Mas elas também são capazes de atrasar, dificultar, ou até mesmo inviabilizar contratações necessárias para a consecução do interesse público. Essa realização revela a necessidade de avaliarmos com cautela a intensidade do controle da administração pública. Não basta maximizar o controle, é preciso encontrar o nível de controle que minimiza os casos de desvio sem impor custos excessivamente elevados aos administradores de boa fé.
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
Há hoje no Direito Público brasileiro discussões a respeito do nível ótimo de controle da administração pública, ilustrada pelos trechos abaixo:
Por mais realismo no controle da administração pública
Por Eduardo Ferreira Jordão
Portal Direito do Estado
Na teoria, tudo funciona muito bem. Para evitar ilegalidades, desvios éticos e mesmo “decisões ruins” dos administradores públicos, chama-se (ou cria-se) um controlador: instituição pública que revisará as decisões iniciais e corrigirá todos os seus problemas.
Este raciocínio informa uma série de distorções do direito administrativo brasileiro. De um lado, orienta o otimismo da doutrina, que saúda inebriada toda intervenção do controlador, toda redução da discricionariedade do administrador. De outro, alimenta o discurso legitimador do próprio controlador, estimulando-o a avançar cada vez mais.
O fato é que controle nem é sempre bom, nem é de graça. Implica riscos e custos. Como outras do nosso direito público, a temática do controle da administração precisa ser encarada com maior realismo.
1 – O controle não é gratuito
Na dimensão mais evidente, o controle, em si, depende do dispêndio de valores públicos relevantes, para fazer rodar a máquina institucional respectiva, seus funcionários e o seu tempo. Mas os custos do controle da administração vão muito além disso. Incluem ainda os ônus gerados ou induzidos pelo controle.
Em primeiro lugar, há os valores incorridos pela administração públicapara adequar as suas ações às determinações do controlador. Pense-se nos exemplos de liminares que ordenem o fornecimento de medicamentos específicos ou que determinem melhorias em estabelecimentos públicos. Nesta hipótese, o principal problema é que frequentemente estas imposições se farão sem que o controlador tenha uma visão integral do orçamento público. Esta circunstância é fundamental para a eleição de prioridades a serem atendidas, num mundo (real) em que há escassez de recursos para satisfazer todas as necessidades públicas. No mais, ainda que o controlador tivesse esta visão do todo, é bastante questionável que deva caber a ele, controlador, esta eleição de prioridades para uma alocação ótima dos recursos públicos.
Em segundo lugar, há os custos sociais decorrentes da postura cautelosa adotada pelo administrador, para precaver-se de eventuais contestações. Não é incomum o argumento de que exigências excessivas dos controladores frequentemente desestimulam a ação pública. Nos Estados Unidos, a doutrina denuncia a ossificação administrativa resultante das severas condições impostas pelos controladores (em fenômeno ali denominado analysis paralysis). No Brasil, já é frequente a afirmação de um administrador “assombrado pelo controlador” ou da consagração de um “direito administrativo do inimigo”, a prejudicar que o administrador público ouse adotar soluções menos ortodoxas, mas claramente conducentes à realização do interesse público.
Em terceiro lugar e enfim, há os ônus públicos decorrentes das opções determinadas pelo controlador, muitas vezes em substituição àquelas do administrador. Em especial no caso do controle realizado sobre decisões técnicas, como a das autoridades reguladoras, os riscos econômicos de uma intervenção desinformada são significativos. Alguns países registram casos de crises energéticas geradas por intervenções indevidas de tribunais na área de atuação dos reguladores. No Brasil, o mesmo setor sofreu recentemente com interferências desastradas advindas do próprio Poder Executivo.
A atenção ao elemento dos custos exige que se adicione pragmatismo à análise do controle da administração pública. Se esta atividade é em si custosa (para o controlador) e gera custos adicionais (para o controlado e para a sociedade), então não é possível justificar a sua implementação indiscriminada e sem reservas.
Disto resultam duas consequências dolorosas para a nossa romântica tradição jurídica.
A primeira é a de que, de uma perspectiva econômica, o direito não pode e não deve colocar como meta a eliminação de toda hipótese de abuso de poder. Este objetivo não é apenas faticamente irrealizável. Ela é inconveniente mesmo a partir de uma perspectiva teórica, voltada para a maximização do bem-estar social. A partir de um certo patamar, a busca adicional de eliminação do abuso de poder é injustificável num cálculo de custos e benefícios. Dito claramente, o nível ótimo de abuso de poder numa sociedade será sempre maior do que zero e o desenho de diversas instituições parte implicitamente deste pressuposto (Cf. Vermeule, “Optimal abuse of power”).
A segunda é a de que se torna necessário discutir em quais circunstâncias, de fato, o controle da administração pública será socialmente positivo.
2 – Controle não é sempre bom
Na visão tradicional, o controle seria sempre socialmente positivo, na medida em que (i) possibilitaria a correção de erros que o administrador público tenha cometido e (ii) serviria a garantir que ele atue dentro dos limites do direito. Afinal, mesmo quando as “soluções corretas” não estivessem diretamente previstas na lei, (iii) princípios de maior ou menor abstração serviriam a apontar para o administrador (e para o controlador) a solução específica que o direito determinaria – e de que ele, licitamente, não poderia escapar.
A prática é toda uma outra coisa.
Para começar, o óbvio: assim como os controladores podem corrigir erros, eles também podem desfazer acertos. O controlador não é infalível. Enxergar apenas as possíveis consequências positivas da sua intervenção é adotar concepção idealizada e irrealista da sua atuação. É natural que esta visão seja popular no direito, já que transfere poder para os seus profissionais. Mas isto não significa que a solução que ela propõe seja socialmente desejável.
No mais, se a intensificação do controle reduz a possibilidade de abusos de poder perpetrados pelo administrador público, por outro lado ela aumenta a possibilidade de abusos cometidos pelo próprio controlador. E, assim como não há razão para crer que apenas o administrador público erra, tampouco há razão para crer que ele possui o monopólio do abuso de poder.[…]
Outra expressão provocativa e eloquente da reflexão sobre os custos do controle está presente no trecho abaixo:
Chega de axé no direito administrativo
Por Carlos Ari Sundfeld
Texto no site da SBDP
[…]
Há quem fale mal – muito mal – do direito administrativo. Os mais animados e sinceros são os gestores públicos. Gilberto Câmara, ex-diretor de uma importante entidade oficial, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, sintetizou o motivo: para as leis, para os controladores e para os juristas, na gestão pública “quase tudo não pode”. A máquina pública tem de aplicar recursos financeiros, fazer a gestão de pessoas e contratar bens e serviços, mas nosso direito administrativo dificulta ao extremo essas atividades.
Como então o estado vai cumprir seus fins? Como vai prover de modo adequado os serviços de segurança, saúde, educação, cultura etc.? Como o gestor, que é o encarregado de fazer a coisa acontecer, vai fazer tudo sem poder nada?
É verdade que, em abstrato, ninguém no mundo jurídico contesta que a ação administrativa tenha de ser eficiente e eficaz. Até a Constituição cobra “eficiência” da administração pública (art. 37). Mas vamos falar a verdade: a boa gestão pública não é a prioridade da legislação brasileira, muito menos de seus intérpretes. A prioridade tem sido outra: limitar e controlar ao máximo, até ameaçar os gestores, em princípio suspeitos de alguma coisa.
[…]
Nossos problemas na máquina pública não vêm de simples imperfeições técnicas nas leis ou nas pessoas. Vêm de algo mais profundo: da preferência jurídica pelo máximo de rigidez e controle, mesmo comprometendo a gestão pública. Boa gestão pode e deve conviver com limites e controles, mas não com esse maximalismo. Sem inverter a prioridade, não há reforma administrativa capaz de destravar a máquina. O novo lema tem de ser: mais sim, menos não; mais ação, menos pressão. Aqui vão quatro ideias interessantes a respeito.
A primeira é que muita burocracia e dirigismo legal inibem mais a gestão que a corrupção, como provam os 20 anos da lei 8.666/93, a famosa lei de licitações, que burocratizou muito e não teve tanto efeito sobre os corruptos. A lei impôs licitação aberta para quase tudo e exigiu que os julgamentos fossem hiper objetivos (pelo menor preço). Mas esse sistema não faz sentido, por exemplo, na contratação de serviços de consultoria, em que a apreciação subjetiva do gestor público (quanto à confiabilidade do consultor, entre outros elementos) é decisiva para uma boa contratação. Só que a lei e as interpretações dos órgãos de controle, sempre limitadoras, não aceitam esse tipo de apreviação. O resultado da rigidez é que o estado sofre com serviços de consultoria muito ruins ou precários ou recorre a alguma manobra, fugindo das regras.
Apesar dos debates acima, a Lei 14.133/21 manteve a previsão de análise das licitações por vários órgãos de controle, como evidenciado pelos artigos colacionados abaixo:
Arts. 53 e 171 da Lei 14.133/21
Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
§ 3º Encerrada a instrução do processo sob os aspectos técnico e jurídico, a autoridade determinará a divulgação do edital de licitação conforme disposto no art. 54.
§ 4º Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos.
§ 5º É dispensável a análise jurídica nas hipóteses previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico.
[…]
Art. 171. Na fiscalização de controle será observado o seguinte:
[…]
§ 1º Ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o tribunal de contas deverá pronunciar-se definitivamente sobre o mérito da irregularidade que tenha dado causa à suspensão no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis, contado da data do recebimento das informações a que se refere o § 2º deste artigo, prorrogável por igual período uma única vez, e definirá objetivamente:
I – as causas da ordem de suspensão;
II – o modo como será garantido o atendimento do interesse público obstado pela suspensão da licitação, no caso de objetos essenciais ou de contratação por emergência.
§ 2º Ao ser intimado da ordem de suspensão do processo licitatório, o órgão ou entidade deverá, no prazo de 10 (dez) dias úteis, admitida a prorrogação:
I – informar as medidas adotadas para cumprimento da decisão;
II – prestar todas as informações cabíveis;
III – proceder à apuração de responsabilidade, se for o caso.
§ 3º A decisão que examinar o mérito da medida cautelar a que se refere o § 1º deste artigo deverá definir as medidas necessárias e adequadas, em face das alternativas possíveis, para o saneamento do processo licitatório, ou determinar a sua anulação.
§ 4º O descumprimento do disposto no § 2º deste artigo ensejará a apuração de responsabilidade e a obrigação de reparação do prejuízo causado ao erário.
Finalmente, o Poder Judiciário também exerce controle sobre os atos da administração pública, inclusive com relação a processos licitatórios. O texto abaixo, que também deve ser lido na íntegra, faz um breve resumo da história do controle judicial da administração pública no Brasil:
Passado, presente e futuro: ensaio sobre a história do controle judicial da administração pública no Brasil
Por Eduardo Ferreira Jordão
(O Direito Administrativo na Atualidade: Estudos em homenagem ao centenário de Hely Lopes Meirelles, defensor do Estado de Direito. Arnoldo Wald, Marçal Justen Filho, Cesar Augusto Guimarães Pereira (organizadores). São Paulo: Malheiros, 2017)
[…]
Por razões didáticas, optei por divisar três momentos históricos distintos, que rotulo como passado, presente e futuro do controle judicial da Administração Pública no Brasil. Há, naturalmente, alguma arbitrariedade e subjetividade nos marcos temporais que escolhi, assim como nos traços que identifiquei como relevantes para caracterizar cada um destes períodos e diferenciá-los dos demais. Isso, no entanto, é esperado num estudo ensaístico deste tipo, cujos méritos eventuais não estarão no relato fidedigno e objetivo da realidade de cada um destes períodos, nas na utilidade extraída das revelações produzidas por estas escolhas subjetivas. Caberá ao leitor julgar.
O primeiro período reportado abaixo, “passado”, abrange os desenvolvimentos ocorridos entre o início do século passado e a promulgação da Constituição/1988. Trata-se de uma fase de progressiva dilatação da amplitude do controle judicial, que atinge gradativamente cada um dos elementos do ato administrativo, numa emulação de avanços realizados alguns anos antes no Direito Francês. Na doutrina, é perceptível o otimismo relativamente generalizado com esta ampliação do controle, que se entende reforçar a proteção dos cidadãos contra os abusos (frequentes) das autoridades administrativas.
A promulgação de uma Constituição ambiciosa, prolixa e fortemente principiológica termina por produzir o fenômeno da constitucionalização do direito administrativo, que vai marcar sensivelmente o segundo período do meu relato histórico, que rotulo de “presente”. Aqui, não me pareceu adequado focar na continuação do avanço do controle judicial. É certo que a utilização crescente de princípios constitucionais pelos tribunais lhes dá as ferramentas de que necessitavam para intervir ainda mais nas decisões das autoridades administrativas. Mas o fato é que estes mesmos princípios também são utilizados pelas próprias autoridades administrativas para justificar seus atos e escapar do controle. Eis por que o que parece ser de fato marcante neste segundo período não é o avanço ou o recuo do controle judicial, mas as incertezas flagrantes deste contexto – e as consequências institucionais que elas geram.O terceiro período reportado abaixo – o “futuro” do controle judicial da Administração Pública no Brasil – deverá ter como traço marcante uma reação aos idealismos exacerbados que se verificam no presente. As primeiras manifestações doutrinárias neste sentido já podem ser identificadas, mas elas deverão ganhar ainda maior relevância e volume. A tendência é que se dê uma virada pragmática em todo o direito administrativo, com consequências importantes também para o âmbito do controle judicial. Na doutrina isso implicaria foco maior em estudos empíricos e em análises multidisciplinares. Na prática jurisprudencial a consequência esperada é um maior ceticismo quanto à capacidade dos tribunais (e dos juristas) de solucionar boa parte dos problemas sociais.
Sobre o conteúdo, o sentido e o alcance das “normas gerais” – notadamente quanto ao tema das licitações e contratações públicas – transcreve-se trecho do voto do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, relator da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 927/DF, no qual alude às lições da doutrina pátria:
3. DEBATENDO
1. Há controle de mais ou de menos sobre o procedimento licitatório no direito administrativo brasileiro?
2. Qual deve ser a atitude do controlador no exercício de seus poderes fiscalizadores?
3. A sobreposição de competência de controles tem vantagens e desvantagens. Identifique-as e discuta seu saldo no caso brasileiro.
4. O controle da administração pública pode se dar a partir de critérios mais estreitos (e.g., o cumprimento ou descumprimento de prazos) ou a partir de critérios mais amplos (e.g., interesse público). Discuta as vantagens e desvantagens de cada uma dessas estratégias.
5. O controle da administração pública pode ocorrer no momento anterior à contratação ou em momento posterior. Discuta as vantagens e desvantagens de cada uma dessas estratégias.
6. As exigências de motivação e as vedações legais impostas pela lei 14.133/21 são suficientes para impossibilitar licitações com desvio de finalidade?
4. APROFUNDANDO
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (org.) Licitações e Contratos Administrativos – Inovações da Lei 14.133. Rio de Janeiro, Forense.
JORDÃO, Eduardo. Estudos Antirromânticos sobre Controle da Administração Pública, Editora Malheiros, 2022.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo: o novo olhar da LINDB. Belo Horizonte: Fórum, 2022.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
NOTA DE AULA
Essa aula se insere nos momentos finais de um curso de direito administrativo e tem como principal objetivo a fixação de conteúdos relativos a licitações e ao controle da administração pública. Neste momento do curso, espera-se que os alunos já tenham tido contato com as regras de procedimentos licitatórios em vigor no país, bem como um panorama dos principais órgãos de controle interno, externo e judicial, a partir de leituras obrigatórias como as mencionadas na seção subsequente. Contudo, o contato com a literatura especializada pode não ser suficiente para convencer alguns alunos e alunas a respeito da existência de custos sociais atrelados ao controle da administração pública. Assim, uma dinâmica na qual os alunos são instados a participar de um jogo cooperativo após sua exposição aos conceitos relevantes fornece uma ilustração concreta que complementa o contato com os argumentos abstratos.
O jogo representa uma série de processos de licitação. Cada processo de licitação é descrito em uma ficha (Anexos I-VI). A ficha inclui informações sobre o contexto e um conjunto de requisitos de contratação que precisam ser incluídos no formulário de contratação pública (Anexo X) a ser preenchido por cada aluna no papel de administradora. A maioria dos requisitos de contratação descritos nas fichas é motivado pelo interesse público. Há, porém, algumas fichas com requisitos de contratação incluídos com outras finalidades. Cada requisito motivado pelo interesse público que sobrevive aos procedimentos de controle simulados ao longo da aula rendem um ponto para a turma. Em contraste, cada um desses requisitos que for barrado pelos órgãos de controle deduz um ponto da turma. Com relação aos requisitos incluídos com desvio de finalidade, cada desvio bloqueado concede três pontos à turma e cada desvio não bloqueado desconta três pontos. O objetivo da turma no jogo é maximizar a quantidade de pontos obtidos.
Para fins lúdicos, pode ser interessante adicionar alguma premiação simbólica, como bombons, com alguma relação entre o número de pontos e o número de bombons. Uma forma de representar a perda coletiva causada por casos de desvio é atribuir os bombons perdidos pelo grupo ao administrador mal-intencionado que tenha escapado aos mecanismos de controle. De todo modo, o importante da dinâmica é que os incentivos da turma estejam alinhados: assim como os controladores, a turma tem como objetivo minimizar o número de desvios sem impor ônus excessivos aos administradores comprometidos com o interesse público.
No início da aula, os alunos são distribuídos aleatoriamente a um de quatro papéis: a) administradores, b) integrantes de órgão de assessoramento jurídico, c) Tribunal de Contas, d) membros do Ministério Público. O número de estudantes em cada papel depende do tamanho da turma, mas é recomendável que pelo menos 4 ou 5 estudantes sejam designados ao papel de administradores, de modo a termos pelo menos 3 administradores bem-intencionados e pelo menos 1 administrador mal-intencionado. O restante da turma deve ser distribuído uniformemente entre os diferentes órgãos de controle.
Cada estudante recebe uma ficha descrevendo seu papel (Anexos I-IX). Cada administradora deve sentar sozinha para preencher o formulário de contratação pública (Anexo X). Ela não deve entrar em contato com membros dos outros grupos neste momento, já que as fichas de administradores descrevem os casos, incluindo a informação – que deve permanecer em segredo – sobre se os requisitos de contratação são motivados pelo interesse público ou se configuram alguma espécie de desvio.
Cada administradora, ao terminar de preencher o formulário, deve entregá-lo ao grupo de alunas designadas como integrantes de órgão de assessoramento jurídico, de modo análogo ao procedimento previsto no art. 53 da Lei 14.133/21. O órgão de assessoramento jurídico deve, então, fazer as perguntas e apontamentos que entender necessário, em diálogo com a administradora, decidindo, por fim, pelo parecer positivo ou negativo. Caso o parecer seja negativo, a contratação não será realizada e o professor deve revelar a pontuação obtida pela turma quanto àquele formulário.
Alunas designadas aos Tribunais de Contas e ao Ministério Público podem estudar o formulário a qualquer momento após sua entrega ao órgão de assessoramento jurídico, podendo realizar questionamentos a partir dos parâmetros que configuram as suas atribuições. Estudantes de cada um dos dois grupos devem decidir se vão usar seus poderes para obstar a tramitação de um procedimento licitatório ou não.
Quando um formulário obtém uma negativa de qualquer um dos órgãos de controle, ele deve ser encaminhado ao professor ou professora, que revelará a motivação dos requisitos e realizará a atualização da pontuação da turma. Quando um formulário recebe parecer positivo do órgão de assessoramento jurídico e não tem nenhum questionamento formulado por membros dos outros dois grupos, o mesmo procedimento deve ser realizado.
ANEXO I
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – ADMINISTRADOR
NÃO DEIXE QUE SEUS COLEGAS LEIAM ESTA FOLHA!
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Caso hipotético:
Você é um servidor público ocupante de cargo efetivo lotado na secretaria de meio ambiente do Estado. Seu superior hierárquico pede a preparação de documentos para instruir a fase interna de processo licitatório com o objetivo de comprar veículos para a secretaria. O superior hierárquico chama atenção para preocupações ambientais. Assim, carros com baixo consumo energético podem ser priorizados. Além disso, ele chama atenção para o fato de que recentemente foi feita uma licitação específica para veículos off-road, de modo que essa não é uma preocupação para a contratação atual.
Você enxerga a oportunidade para beneficiar seu primo, que é dono de uma concessionária local da fabricante X. Para alcançar seu objetivo, você precisa direcionar os requisitos da licitação de modo a fazer com que os veículos da X tenham alta probabilidade de vencer o certame. Especificamente, você irá ser considerado vencedor(a) se conseguir estabelecer que:
- O carro comprado deve ter Consumo Energético menor que 0,44 na tabela do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular.
- O veículo deve pertencer à categoria “Médio” ou superior na tabela do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular.
ANEXO II
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – ADMINISTRADOR
NÃO DEIXE QUE SEUS COLEGAS LEIAM ESTA FOLHA!
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Caso hipotético:
Você é um servidor público ocupante de cargo efetivo lotado no ministério do meio ambiente e mudança do clima. Seu superior hierárquico pede a preparação de documentos para instruir a fase interna de processo licitatório com o objetivo de comprar veículos para o ministério. O superior hierárquico enfatiza a necessidade de que os veículos comprados tenham alguma capacidade off-road, já que servidores do ministério frequentemente têm que se locomover para locais de difícil acesso. Logo, os carros não podem ser muito baixos. Ele também chama atenção para preocupações ambientais. Assim, carros com baixo consumo de combustível, carros que aceitam combustíveis menos poluentes e carros elétricos e híbridos podem ser priorizados.
Após realizar uma pesquisa inicial de preços, você chega à conclusão de que o ideal seria a compra de veículos que cumpram com os seguintes requisitos:
- O veículo deve pertencer a uma das seguintes categorias na tabela do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular: “Fora de Estada Compacto”, “Fora de Estrada Grande”.
- O carro comprado deve ter Consumo Energético menor que 1,5 na tabela do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular.
ANEXO III
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – ADMINISTRADOR
NÃO DEIXE QUE SEUS COLEGAS LEIAM ESTA FOLHA!
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Caso hipotético:
Você é um servidor público ocupante de cargo efetivo lotado no ministério das relações exteriores. Seu superior hierárquico pede a preparação de documentos para instruir a fase interna de processo licitatório com o objetivo de comprar insumos alimentícios para eventos promovidos pelo ministério em território nacional. O superior hierárquico enfatiza a necessidade de que os alimentos sejam de alta qualidade, dada a importância de receber bem convidados internacionais. Além disso, os alimentos devem ter alto valor nutricional e enfatizar produtores nacionais.
Você enxerga uma oportunidade para beneficiar a fábrica de um velho amigo: a fabricante de “Mel X”. Para vencer o jogo, você precisa incluir entre os itens do edital:
- 20 bisnagas de composto de mel, cúrcuma, geleia real e pimenta preta.
ANEXO IV
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – ADMINISTRADOR
NÃO DEIXE QUE SEUS COLEGAS LEIAM ESTA FOLHA!
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Caso hipotético:
Você é um servidor público ocupante de cargo efetivo lotado na secretaria municipal de educação. Seu superior hierárquico pede a preparação de documentos para instruir contratação direta de alimentos para merenda escolar via dispensa de licitação em virtude do valor. O superior hierárquico enfatiza a necessidade de que os alimentos tenham alto valor nutricional.
Após consultar especialistas em nutrição e fazer uma breve pesquisa de preços, você chega à conclusão de que é extremamente importante incluir o seguinte item:
- 100Kg de mirtilo orgânico congelado.
ANEXO V
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – ADMINISTRADOR
NÃO DEIXE QUE SEUS COLEGAS LEIAM ESTA FOLHA!
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Caso hipotético:
Você é um servidor público ocupante de cargo efetivo lotado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu superior hierárquico pede a preparação de documentos para instruir licitação para compra de 32 lousas interativas para utilização em cursos de Ciência da Computação. O orçamento estimado da contratação é de R$ 75.000,00. Deste modo, a orientação de seu superior hierárquico é que, em observância ao art. 48, I, da Lei Complementar 123/2011, só poderão participar do certame microempresas e empresas de pequeno porte. Uma pesquisa inicial evidenciou que existem empresas com esse enquadramento atuando no comércio de lousas interativas.
Para vencer, você precisa que as duas especificações abaixo sejam aprovadas:
- Licitação para compra de 32 lousas interativas.
- Com participação restrita a microempresas e empresas de pequeno porte.
ANEXO VI
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – ADMINISTRADOR
NÃO DEIXE QUE SEUS COLEGAS LEIAM ESTA FOLHA!
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Caso hipotético:
Você é um empregado público da CODEVASF. Seu superior hierárquico pede a preparação de documentos para instruir licitação para compra de 2 drones para realização de levantamentos topográficos na região de atuação da companhia, necessários para o planejamento de novos empreendimentos de infraestrutura.
Para vencer, você precisa que as duas especificações abaixo sejam aprovadas:
- Aeronave remotamente pilotada com tempo de voo (sem vento) de pelo menos 45 minutos.
- Equipada com câmera de alta resolução compatível com software de mapeamento automático.
ANEXO VII
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – Controle interno
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Descrição da sua função:
Nessa dinâmica, você deve assumir a posição de controlador interno da administração pública. Mais especificamente, você atuará como órgão de assessoramento jurídico em processo licitatório, entrando em ação ao fim da fase preparatória, conforme o art. 53 e parágrafos da Lei 14.133/21:
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
[…]
§ 3º Encerrada a instrução do processo sob os aspectos técnico e jurídico, a autoridade determinará a divulgação do edital de licitação conforme disposto no art. 54.
§ 4º Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos.
ANEXO VIII
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – Controle externo
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Descrição da sua função:
Nessa dinâmica, você deve assumir a posição de controlador externo da administração pública. Mais especificamente, você atuará em nome do Tribunal de Contas competente, podendo exercer seus poderes em qualquer momento do procedimento licitatório, observado o art. 171 e parágrafos da Lei 14.133/21:
Art. 171. Na fiscalização de controle será observado o seguinte:
[…]
§ 1º Ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o tribunal de contas deverá pronunciar-se definitivamente sobre o mérito da irregularidade que tenha dado causa à suspensão no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis, contado da data do recebimento das informações a que se refere o § 2º deste artigo, prorrogável por igual período uma única vez, e definirá objetivamente:
I – as causas da ordem de suspensão;
II – o modo como será garantido o atendimento do interesse público obstado pela suspensão da licitação, no caso de objetos essenciais ou de contratação por emergência.
§ 2º Ao ser intimado da ordem de suspensão do processo licitatório, o órgão ou entidade deverá, no prazo de 10 (dez) dias úteis, admitida a prorrogação:
I – informar as medidas adotadas para cumprimento da decisão;
II – prestar todas as informações cabíveis;
III – proceder à apuração de responsabilidade, se for o caso.
§ 3º A decisão que examinar o mérito da medida cautelar a que se refere o § 1º deste artigo deverá definir as medidas necessárias e adequadas, em face das alternativas possíveis, para o saneamento do processo licitatório, ou determinar a sua anulação.
§ 4º O descumprimento do disposto no § 2º deste artigo ensejará a apuração de responsabilidade e a obrigação de reparação do prejuízo causado ao erário.
Para mais informações a respeito dos parâmetros utilizados para o controle do Tribunal de Contas, ver artigos 70 e 71 da CRFB/88.
ANEXO IX
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Ficha de personagem – Ministério Público
Período Letivo: _____ E-mail: ___
Descrição da sua função:
Nessa dinâmica, você deve assumir a posição de membro do Ministério Público. Como legitimado para impetrar várias ações aptas a motivar o controle da legalidade dos atos administrativos (como a ação civil pública, as ações por improbidade administrativa e a ação penal para responsabilizar quem comete crimes contra a administração pública), o Ministério Público exerce importante papel no controle judicial da Administração Pública.
Após a publicação do edital de licitação, você pode (se assim entender) provocar o judiciário por intermédio de uma ou mais das ações para qual tem legitimidade ativa com o fim de responsabilizar gestores que de alguma forma violam as regras e princípios do direito administrativo. Para fins desta dinâmica, isso será considerado suficiente para interromper o processo licitatório.
ANEXO X
Disciplina:
Docente:
DINÂMICA DE FIXAÇÃO
Formulário de contratação pública
Período Letivo: _____ E-mail: ___
JUSTIFICATIVA DA CONTRATAÇÃO:
Trata-se de licitação ou contratação direta? Se for contratação direta, é dispensa ou inexigibilidade? Se for dispensa, se fundamenta em qual dispositivo legal?
Critério de julgamento (se pertinente):
Requisitos da contratação:
PARECER DO ÓRGÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO:
ANOTAÇÕES DO CONTROLE EXTERNO:
ANOTAÇÕES DO MP: