Roteiro de Aula

Chame-me pelo seu nome ou mantenha o meu?

Naming rights em bens públicos e em bens protegidos

1. CONHECENDO O BÁSICO

Em 1929, Belo Horizonte era uma jovem capital com menos de cinquenta mil habitantes. O prefeito da época, Cristiano Machado, liderou a iniciativa de reunir diversos feirantes da capital em um único espaço no centro da cidade, centralizando assim o abastecimento de gêneros alimentícios.

E foi assim que, no feriado de 7 de setembro de 1929 (pense, às vésperas do crash da Bolsa de Nova York!), os habitantes da cidade celebraram a inauguração de um dos grandes marcos da cidade, o Mercado Central – à época denominado Mercado Municipal.

A estrutura era modesta, sem a atual cobertura que hoje conhecemos, e era destinado de forma predominante ao comércio de alimentos:

(Fonte: acervo do mercado central com veiculação pelo Diário do Comércio)

O empreendimento nasceu público, mas com o tempo, passou a sofrer com a falta de investimentos. A solução encontrada em meados da década de 60 foi aliená-lo à iniciativa privada. Assim, o Município de Belo Horizonte leiloou a área, tendo vencido a disputa uma cooperativa de comerciantes do local. Há quem diga que esta foi a iniciativa precursora de privatização de mercados e centros de abastecimentos municipais.

A alienação ocorreu com a condição de que os vencedores construíssem um galpão coberto na área total do loteamento do mercado, no prazo de cinco anos. Se não conseguissem, a alienação previa cláusula resolutiva, com a consequente devolução da área ao Município em caso de descumprimento da obrigação em questão.

Aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, os comerciantes conseguiram cumprir as exigências. Foi também nesse contexto que ocorreu mudança de nome do espaço de Mercado Municipal para Mercado Central. Estava selada a inovadora e bem-sucedida administração privada da área em questão[1] e nessa altura você talvez já esteja se perguntando o que este local magnífico tem a ver com o direito administrativo.

O caso do Mercado Central é quase que um artefato arqueológico para compreensão do pêndulo entre iniciativas públicas e privadas na construção de espaços destinados ao abastecimento da população. É preciso dizer que o próprio Mercado Central deixou de ter essa destinação primordial após a criação do CEASA/MG na década de 70, ocasião em que a administração do mercado teve de se reinventar. Da necessidade resultou oportunidade: a partir desse momento nota-se a construção de um novo mix de lojistas, produtos e serviços que formou a identidade do mercado como o conhecemos hoje.

Ainda, recentemente foi divulgada a cessão de naming rights do mercado central para a empresa de apostas KTO. O Mercado Central seria, doravante, Mercado Central KTO

A iniciativa gerou reações polarizadas e ensejou ajuizamento de ação popular[1] na qual se requereu a anulação do contrato, proibindo qualquer alteração na nomenclatura e fachada do imóvel, diante de risco ao patrimônio histórico[2].

São inúmeras as discussões que decorrem da aparente colisão entre a liberdade empresarial da associação que administra o mercado e preservação do patrimônio cultural, em um contexto em que o uso público de tal mercado privado concorre para a preservação de bem de natureza cultural. Mas para nos posicionarmos na matéria é preciso compreender, em primeiro plano, o que é naming rights.

Marçal Justen Filho define naming rights como “o direito de nomear um bem, seja um bem tangível ou um evento, usualmente outorgado em troca de compensação financeira[3] e tal direito pode ser objeto de cessão, onerosa ou não. Embora tal negócio jurídico pareça, à primeira vista, simples, algumas controvérsias sobre seu regime jurídico surgem em circunstâncias específicas.

Veja-se por exemplo a potencial incompatibilidade entre certas cessões e a preservação do patrimônio histórico material e imaterial que revestem certos bens – tema que toca o pequeno “causo” acima relatado.

Outro aspecto relevante diz respeito à operacionalização para nomeação de bens públicos, para os quais se discutem, especialmente, os pressupostos e formalidades necessárias à celebração de tal tipo de negócio jurídico. Aqui é comum que haja ponderação de vários valores juridicamente protegidos com o incentivo à economicidade e eficiência na gestão de bens públicos, bem como discussões sobre a necessidade de prévia licitação.

Para navegar nesse instigante assunto, destacaremos algumas leituras de referência e proporemos alguns questionamentos para reflexão e aprofundamento.


[1] Conforme informações disponibilizadas pela administração do Mercado Central, nos autos n.6044888-52.2024.4.06.3800, em trâmite perante o Juízo Federal da 6ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte. “Em 1964 o espaço físico citado DEIXOU de ser bem público e a “feira de abastecimento/Mercado Municipal de Belo Horizonte” DESAPARECEU, surgindo nesse mesmo local uma entidade particular denominada Cooperativa de Construção Ltda. Seguidamente, essa Cooperativa mudou sua natureza jurídica para melhor atender os anseios de seus cooperados, sofrendo uma transformação jurídica no seu formato, que deixou de ser “cooperativa” para se tornar uma “associação civil sem fins lucrativos” batizada como MERCADO CENTRAL ABASTECIMENTOS E SERVIÇOS C/C (que após o ano de 2002 passou se chamar MERCADO CENTRAL ABASTECIMENTO E SERVIÇOS por força do Código Civil de 2002 – ex vi Estatuto Social averbado sob nº 133 no registro 54.652, Livro A, em 11/12/2003 no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas da comarca de Belo Horizonte/MG”.

[2] Autos n. 6044888-52.2024.4.06.3800, em trâmite perante o Juízo Federal da 6ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte.

[3] O grau de proteção do mercado enquanto patrimônio histórico é objeto de controvérsia. A inicial da ação popular acima referida afirma que o Mercado Central é bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico (IPHAN), mas o próprio IPHAN nega a existência de tombamento em nível federal, conforme manifestações dessa autarquia nos autos referidsos. A Diretoria de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, por outro lado, indica que há proteção provisória do bem em virtude da abertura do processo de tombamento nº 01.174542.07.91, em 2007,  bem como pelo Processo em andamento de Inscrição no Livro de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação. Rio de Janeiro: Revista de Direito da Procuradoria Geral, 2012. pp. 219 e 220

2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA

Você provavelmente já conhece um ou alguns precedentes de cessão de naming rights no Brasil. Provavelmente já deve ter percebido que o assunto pode ensejar reações polarizadas, sobretudo quando se trata da denominação de (i) bem público (com uso concedido à iniciativa privada ou não) ou de (ii) bem sobre o qual incide algum tipo de limitação decorrente da legislação de proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.

Antes de adentrar aos detalhes e controvérsias do direito à denominação, no entanto, nossa proposta é abordar as origens desse instituto e como ele foi, lentamente, sendo absorvido pela prática administrativista brasileira.

A cessão de naming rights se popularizou a partir da década de 1970, nos Estados Unidos. Com o intuito de divulgar suas marcas e, ao mesmo tempo, melhorar sua imagem junto ao público consumidor, empresas privadas passaram a contratar o direito de expor marcas de sua titularidade em nomes de estruturas com ampla visibilidade aos cidadãos de determinados locais, sobretudo de praças esportivas. 

A respeito das origens do instituto, vale ler o trecho abaixo:

A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DE BENS PÚBLICOS: CESSÃO DO DIREITO À DENOMINAÇÃO

Por Marçal Justen Filho
Revista de Direito da Procuradoria Geral, 2012

4.1 O surgimento e a difusão da prática 

Deve-se ter em mente que as origens da figura dos naming rights se encontram numa tradição da vida prática norte-americana. 

4.1.1 A tradição norte-americana 

Desde há muito, era usual que os grandes milionários destinassem uma parcela significativa de recursos para obras e atividades filantrópicas. Como decorrência, e numa espécie de manifestação de agradecimento, os resultados dessas doações eram referidos ao nome do doador ou de seus descendentes. 

Ressalte-se que, na origem, essas soluções não refletiam avenças onerosas. Não se tratava de adquirir o direito à denominação, mas de uma manifestação de reconhecimento pelos atos do homenageado. 

4.1.2 A alteração do cenário 

Com o passar do tempo, a situação se alterou. A relevância das atividades, a visibilidade social dos resultados dos recursos transferidos e o respeito manifestado pela sociedade a essas práticas conduziram a que o direito à denominação começasse a adquirir uma certa autonomia. 

Assim, as transferências patrimoniais começaram a ser vinculadas a algum tipo de benefício ou vantagem para o doador, traduzido na atribuição formal de seu nome ou de sua empresa a edifícios ou setores de prédios. Tais práticas começaram a ser verificadas no tocante a universidades, bibliotecas, teatros e outros locais relacionados a atividades de cultura, entretenimento ou atividades científicas.

4.1.3 A difusão da prática 

Até então, no entanto, o tema não despertava maior atenção. A situação começou a se alterar especificamente em virtude de fenômeno que se iniciou a partir dos anos 1970, relacionados com a comercialização do direito de denominar praças esportivas. 

Comentando o tema, um autor formula a seguinte exposição: 

A prática não apenas fornece recursos para os estádios e arenas a ela concernentes, mas também fornece às empresas, titulares dos direitos à denominação, benefícios de publicidade, promoção e relações públicas muito valiosos. De fato, sem as receitas decorrentes da venda dos direitos à denominação empresarial, muitos estádios e arenas, desprovidos de financiamento do setor público, nunca seriam construídos e as comunidades locais seriam privadas de instalações esportivas modernas. A comercialização dos direitos à denominação empresariais também beneficia instalações esportivas públicas, fornecendo a elas receitas adicionais que podem ser utilizadas para o seu aperfeiçoamento.[1]A obtenção de receitas relevantes propiciada pela solução e a carência de recursos por parte das instituições conduziu à generalização da prática da cessão dos direitos à denominação.

Como bem aponta o texto de Marçal, notamos que a cessão dos naming rights não apenas se prestava à publicidade de empresas privadas, mas também à viabilização de aperfeiçoamentos em instalações esportivas públicas – haja vista as receitas adicionais que seriam percebidas em decorrência dessa cessão.

Ficou claro assim que a Administração Pública também pode se beneficiar da cessão dos naming rights dos bens públicos. Isso porque essa prática possibilita a geração de receitas adicionais, que podem ser direcionadas a suas atividades, sendo possível modelar contratos que não prejudiquem o uso ou a prestação de serviços públicos no local onde o direito de nomeação foi cedido. Abaixo, podem-se ler breves passagens de dissertação de mestrado que bem elucidam esses benefícios.

A exploração econômica de naming rights de bens públicos: a prática contratual das maiores metrópoles brasileiras

Por Gabriella Saiki
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2023

[…] Por seu turno, a Administração Pública também se beneficia sobremaneira de acordos que negociam o direito à denominação de bens sob sua gestão. O principal aspecto positivo é a geração de receitas para o Poder Público, que deve ser empregada para concretizar objetivos constitucionais. 

Para Sampaio, a concessão de naming rights permite concretizar metas constitucionais de forma indireta, na medida em que assegura recursos para ações administrativas. Da mesma forma, Ikenaga aduz que a utilização do instituto pode ser instrumento para atender as necessidades sociais, uma vez que os valores obtidos passam a configurar recursos públicos. 

Parentoni e Moreira também ressaltam que o acordo é positivo para a Administração cedente pois o negócio permite converter um nome, um bem intangível, até então inexplorado, em um ativo, capaz de gerar receitas. Ademais, os recursos obtidos podem possibilitar o financiamento de infraestrutura para o Estado. 

Além da arrecadação de valores, a cessão dos naming rights não impede o uso normal do bem público. Como pontuam Fernandes e Nascimento, o ajuste não traz “[…] nenhum prejuízo ou limitação ao serviço público eventualmente prestado no prédio público cujo direito de denominação foi cedido”.

No Brasil, um dos precedentes pioneiros da cessão do direito à denominação ocorreu em 2005, com a cessão dos naming rights do estádio do Atlético Paranaense para a Kyocera Corporation, fabricante de componentes eletrônicos. A prática brasileira, portanto, se iniciou com a cessão do direito à denominação de um bem privado.

No caso dos bens públicos, como veremos, a disciplina aplicável é mais recente a atrai algumas constrições típicas da incidência do direito público.

Uma das primeiras questões a serem colocadas é sobre a compatibilidade da cessão com a afetação do bem público em questão (se houver) e ainda, como se dá o processo de escolha dos interessados em adquirir o direito à nomeação dos bens. A outra diz respeito ao dever de uso racional do patrimônio público, “extraindo dele as receitas possíveis[1]”.

Marçal Justen Filho adverte que as considerações sobre a cessão de naming rights ressaltam a “necessidade de atualização do Direito Administrativo e a impossibilidade de obtenção de uma solução uniforme e abrangente para os bens públicos”, sendo certo que “certas soluções podem ser adotadas relativamente a algumas espécies de bens públicos, enquanto outras são incompatíveis com a função e a destinação de determinados bens[2]”.

Que tipos de bens públicos comportariam cessão ao direito de denominação? Para Justen Filho, “são, então,aqueles que (a) não são o substrato material de valores coletivos transcendentes e (b) comportam utilização para satisfação de interesses delimitados e identificáveis, vinculáveisa valores materiais e econômicos[3]”.

Tais circunstâncias são frequentemente encontradas em bens concedidos, para os quais é possível que a cessão do direito à denominação faça parte da modelagem contratual. Rafael Véras defende que “exemplo relevante de receitas acessórias são as exploradas no bojo de contratos de concessão de uso de bem público, por meio da celebração de contratos de naming rights. Trata-se de contrato de cessão de direitos do nome de determinado bem público (muito usual em arenas desportivas), o qual se encontra afetado à utilização privativa por particular. A possibilidade de exploração de receitas acessórias em contratos de concessão de uso tem lugar, considerando a aplicação subsidiária da Lei nº 8.987/1995 a esses ajustes[4]” e que tais tipos de contrato são regidos por ditames de direito privado.

A cessão de naming rights em bens concedidos pode, à primeira vista, transmitir a impressão de que o benefício financeiro gerado favorece apenas a concessionária que administra o bem. O caráter comercial da iniciativa poderia levantar questionamentos sobre seu alinhamento com o interesse público que fundamentou a concessão, especialmente se a aplicação dos recursos não for direcionada ao aprimoramento dos serviços oferecidos ao público.

Por essa razão, é importante mencionar que alguns mecanismos podem ser previstos contratualmente para garantir a compatibilidade entre os objetivos de política pública e a exploração comercial visada, bem como para que a os benefícios da cessão onerosa sejam socializados, prevendo-se, por exemplo, o compartilhamento de tais receitas entre a concessionária e o Poder Público. 

É o caso, por exemplo, da previsão de compartilhamento de receitas mediante pagamento de outorga variável, diretamente ligado à percepção de receitas que o parceiro privado obtém da concessão. Veja um exemplo desse tipo de mecanismo:

Concessão para exploração, por particulares, do serviço de estacionamento rotativo em vias e logradouros públicos do Município de São Paulo

Anexo V do Contrato

4. DO PROCEDIMENTO PARA AFERIÇÃO DA OUTORGA VARIÁVEL

4.1. A OUTORGA VARIÁVEL é o montante que incide mensalmente resultante da aplicação de alíquotas sobre a RECEITA BRUTA da CONCESSIONÁRIA, observada a seguinte fórmula:

Em que:

DO_t é a DEDUÇÃO DA OUTORGA para o mês apurado, calculado de acordo com a cláusula 27ª do CONTRATO.

OV é a OUTORGA VARIÁVEL;

RBA é a soma, nos 12 (doze) meses anteriores ao mês da apuração, da RECEITA BRUTA da CONCESSIONÁRIA até o limite de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais);

RBB é o montante da RECEITA BRUTA da CONCESSIONÁRIA que exceder o valor de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais), considerando a soma da RECEITA BRUTA nos 12 (doze) meses anteriores ao mês da apuração; e

DO_t é a DEDUÇÃO DA OUTORGA para o mês apurado, calculado de acordo com a cláusula 27ª do CONTRATO.

4.2. Na hipótese de a CONCESSIONÁRIA não ter auferido RECEITA BRUTA em determinado mês dos 12 (meses) anteriores ao mês de apuração, deve-se substituir o denominador da fórmula constante no item 4.1 pelo número de meses em que a CONCESSIONÁRIA auferiu receita nesse período.

4.3. O valor da OUTORGA VARIÁVEL desconsidera quaisquer variações decorrentes da incidência do FATOR DE DESEMPENHO.

4.4. A OUTORGA VARIÁVEL deve ser apurada e paga mensalmente, sendo o início da aferição no primeiro mês posterior ao final do período de TRANSFERÊNCIA OPERACIONAL, devendo o pagamento ser realizado no mês posterior à aferição.

Por fim, passamos ao exame do processo de escolha dos interessados em adquirir o direito à nomeação dos bens públicos – concedidos ou não. Confira um trecho da dissertação de Ikenaga a respeito do tema:

A atribuição do nome como modo de exploração de bens públicos

Por Ana Lúcia Ikenaga
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012

 IV.3.2.3 A questão da licitação

[…] a licitação presta-se para conferir igualdade de acesso de particulares à contratação pública envolvendo a cessão da atribuição de nome, já que a todos será dada a mesma oportunidade e a todos serão impostos os mesmos deveres. Mas também a licitação destina-se a selecionar qual dentre todos os interessados deve ser contratado, especialmente tomando em vista a necessidade de preenchimento de requisitos objetivos de seleção.

O ato convocatório deverá estabelecer prévia e detalhadamente os critérios de escolha do particular.

Seria interessante estabelecer que lei regulamentadora estabelecesse um modo específico de habilitação do licitante, para que apenas aqueles que tivessem aptidão para realizar eticamente a atribuição de nome pudessem participar da licitação.

Essa proposta tem um desafio: o de reduzir a subjetividade do preenchimento dessa condição. No entanto, talvez uma solução fosse estabelecer uma espécie de comprovação de inexistência “maus antecedentes” para a empresa privada no âmbito legislativo. Assim, por exemplo, uma empresa que estivesse respondendo a um processo por prática de crime ambiental ou por fraude poderia ter afastada a possibilidade de assumir a atribuição de nome de bem público.

Nesse caso, não haveria nenhuma espécie de presunção de inocência em prol da empresa, já que não se está diante de um processo criminal, mas afastando do certame um licitante, cujo nome poderia ser envolvido em um escândalo, vindo a macular a contratação com o risco de vir a se tornar inadequada a atribuição de nome.

Uma dificuldade em relação a isso seria estabelecer os limites materiais dessa comprovação, que mesmo numa licitação municipal poderia ser exigida a comprovação em âmbito maior, especialmente tomando em vista a globalização das empresas e marcas. Todavia, se não existir uma espécie de cadastro compartilhado dessas ocorrências, será inviável exigir comprovação em cada um dos municípios brasileiros, por exemplo.

Semelhantemente a esse controle prévio da idoneidade do particular, outra possibilidade seria realizar um controle a posteriori. Desse modo, o objetivo é reprimir a manutenção do contrato se vier a surgir algum evento que venha fazer com que o particular perca essa qualificação para continuar mantendo o nome atribuído ao bem público. É claro que em uma situação como essa deverão ser assegurados ao particular o devido processo legal e o contraditório com os recursos a eles inerentes.

A responsabilidade pela realização da licitação no caso da cessão da atribuição de nome compete àquele que detiver a titularidade do bem público a que se pretende destacar essa funcionalidade. Assim, tanto entes políticos poderão realizar a licitação, quanto as entidades da Administração indireta, dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

Há, portanto, tendência de que, regra geral, portanto, seja realizada prévia licitação para cessão dos naming rights

Mas e no caso do direito à denominação em bens já anteriormente concedidos? Bem, o tema é bastante controverso. Temos exemplos de bens públicos concedidos, em que houve cessão de naming rights sem licitação, tendo a exploração ocorrido como parte das receitas acessórias do empreendimento, com fundamento no art. 11 da Lei nº 8.987/1995 

Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas,complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas […].

Embora o tema mereça aprofundamentos doutrinários, nos parece desde já que alguns cuidados podem ser tomados: por exemplo, é recomendável que os contratos de concessão prevejam de forma clara os comandos e limitações para a cessão de naming rights, definindo expressamente em que condições essa exploração comercial é permitida ao concessionário. 

Esse tipo de previsão ajuda a reduzir a litigiosidade, além de garantir maior segurança jurídica – seja para o Poder Concedente, seja para o particular, que pode planejar e executar suas estratégias comerciais com maior previsibilidade. Além disso, ao estabelecer limites e condições, o contrato também assegura que o uso de naming rightsrespeite o interesse público e a imagem do bem, evitando conflitos éticos ou de percepção que possam surgir com o público usuário.

Feitas nossas breves considerações sobre as peculiaridades dos naming rights em bens públicos, fica o questionamento: em quais tipos de bens públicos esse tipo de cessão acontece atualmente? O que podemos aprender a partir de um benchmarking das experiências já realizadas?

Embora amplamente conhecida no esporte, no Brasil, a renomeação de espaços públicos não se limita a esse setor. Por exemplo, também é prática bastante difundida em estações de metrô, como a Paulista-Pernambucanas. Para sua curiosidade, segue tabela com algumas das experiências brasileiras:

Bem públicoNome atual
Arena Fonte NovaCasa de Apostas Arena Fonte Nova
Estação de Metrô SaúdeEstação de Metrô Saúde-Ultrafarma
Arena PernambucoItaipava Arena de Pernambuco 
Estação de Metrô PaulistaPaulista-Pernambucanas
Estação de Metrô CarrãoCarrão-Assaí
Estação MorumbiMorumbi-Claro
Estação de Metrô PenhaPenha-Lojas Besni

Depois de mencionarmos algumas experiências, assim como os pontos positivos da cessão de naming rights à Administração, você deve estar pensando que é bom demais para ser verdade e que sempre dá para problematizar.

Para pensar nesses questionamentos, primeiro, devemos lembrar que a gestão dos bens públicos deve compatibilizar interesses econômicos, sociais e políticos, de modo que estes bens cumpram sua função social. É dizer: embora seja possível a exploração econômica dos bens públicos – incluindo-se, nessa possibilidade, a cessão dos naming rights –, “ocorre que referida exploração possui limites, especialmente o respeito à afetação e destinação primária dos bens, assim como a proteção de sua natureza e de características físicas e simbólicas.”[5]

Vale, então, a reflexão: poderiam ser cedidos os naming rights de qualquer bem público, a empresas atuantes em quaisquer ramos? Para começarmos essa provocação, apresentamos trecho da dissertação de Luis Felipe Sampaio a respeito do tema: 

Naming rights de bens públicos

Por Luis Felipe Sampaio de Almeida
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015

[…] O descuido na exploração econômica de um bem público pode gerar diminuição do valor moral que lhe é atribuído, substituindo-se na percepção coletiva a sensação de que o bem integra o espaço público pela sensação de que se trata de mais um bem privatizado.

Tome-se como exemplo o morro Pão de Açúcar, monumento natural situado na cidade do Rio de Janeiro mundialmente conhecido, e que é objeto de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Certamente, o potencial econômico de sua exploração publicitária seria enorme. Provavelmente, muitos interessados em celebrar um contrato de naming rights desejariam associar seu nome àquele bem. Entretanto, na percepção de grande parte dos indivíduos, o morro Pão de Açúcar representa muito mais que uma oportunidade econômica, por integrar a essência da identidade popular, não apenas da cidade, mas também do Estado e de todo o país, e explorá-lo dessa forma provavelmente contribuiria para a corrosão dos valores que lhe são intrínsecos.

Seria possível pensar da mesma forma em relação ao Estádio do Maracanã, situado na mesma cidade, palco de inúmeros eventos importantes (inclusive duas finais de Copa do Mundo), e que possui imenso valor cultural para toda a sociedade brasileira. Talvez por esse motivo o edital de licitação da parceria público-privada (PPP) referente ao citado estádio tenha vedado a exploração de naming rights daquele bem, embora tal negócio tenha sido admitido para o Maracanãzinho (arena anexa de menor porte) e para as demais instalações do complexo esportivo.

É indispensável que se encontre, então, o equilíbrio entre os benefícios econômicos obtidos pela concessão de direitos de denominação de um bem público e a proteção aos demais valores que este bem representa para a comunidade. Entretanto, é impossível definir, abstrata e exaustivamente, uma lista de quais bens estão ou não sujeitos à exploração de naming rights, pois tal relação variará de acordo com circunstâncias da comunidade em que estiverem inseridos. Assim, a solução é traçar critérios que permitam, com algum grau de segurança, identificar quais bens públicos estão sujeitos a esse tipo de negócio, e quais não estão.

Desse modo, entende-se que alguns critérios, objetivos e subjetivos, podem auxiliar nessa missão. São eles: (i) a existência de vedações gerais a respeito do tipo de bem objeto do negócio, (ii) a existência de legislação anterior que atribua nome ao bem especificamente, (iii) a averiguação da natureza do uso do bem pela comunidade, (iv) a análise da natureza intrínseca do bem e sua relação com o patrimônio público constitucionalmente protegido, e (v) a aferição do tempo de existência do bem.

Ponderar todos os aspectos envolvidos na cessão do direito à denominação não parece tarefa fácil, certo? Também por essa razão é que a prática tem sido amplamente questionada, inclusive na esfera judicial. 

Em linhas gerais, os principais argumentos levantados apontam que a cessão do direito à denominação privilegia o interesse particular em detrimento do interesse público: nesse sentido, afirma-se que há “venda” do nome do bem público como meio de publicidade de empresa privada, em procedimento que não gera quaisquer benefícios à coletividade. 

Além disso, questiona-se a cessão dos naming rights por potenciais ofensas à identidade e memória coletiva dos locais em que está localizado o bem público, sendo comuns acusações de realização de “mercantilização toponímica”.

A defesa da compatibilidade da cessão onerosa e a preservação da memória, contudo, já foi levantada em contestação do município de São Paulo, que refutou argumentos contrários a cessão onerosa do direito à nomeação de bem municipal concedido:

Contestação do Município de São Paulo no âmbito da Ação Popular contra cessão de naming rights

Processo nº 1007672-43.2024.8.26.0053 – Tribunal de Justiça de São Paulo

[…] É fácil perceber, Excelência que se trata de um jogo ganha-ganha. A prática não apenas fornece recursos para o ente concedente, mas também fornece às empresas, titulares temporariamente do direito à denominação, inúmeros benefícios, tais como promoção e maior visibilidade da marca.

A aplicação do instituto na Administração Pública tem ampla aceitação na doutrina brasileira, havendo diversos trabalhos defendendo a sua utilização como forma arrecadatória e alternativa à elevação de tributos. 

O renomado doutrinar Marçal Justen Filho ressalta que “a disposição da iniciativa privada para aplicar os seus recursos em contratações que lhe assegurem direito à denominação de bens públicos não pode ser ignorada pelo Estado, especialmente tomando em vista que os recursos obtidos propiciarão a satisfação de necessidades coletivas relevantes”.

[…]Trata-se de uma melhor gestão de otimização do patrimônio público, através de fruição anômala e extraordinária do bem público por sujeito privado, refletindo, assim, maior atendimento ao princípio da eficiência e da função social dos bens públicos. 

Não há dúvida, portanto, que a cessão ao direito de denominação de bens e serviços públicos traz inúmeros benefícios à coletividade, representando fonte receita alternativas para as cidades, ou, ainda, diminuição de despesas com a manutenção de espaços públicos, sem que haja necessidade de aumento da carga tributária. O valor arrecadado poderá, assim, ser direcionado para melhoria dos serviços públicos e infraestrutura das cidades, resultando em melhores condições de uso pelos cidadãos.

[…]Ademais, ao contrário do que aduzem os Autores, a lei não autorizou a venda de um bem ou serviço público ao particular. Conforme observa Marçal Justen Filho, “não se cogita da alienação do bem ou da alteração de sua destinação. A eventual cessão onerosa do direito à denominação não envolve nem a transferência do domínio do bem para um particular nem qualquer interferência dele sobre a utilização do bem”. 

Por outro lado, a cessão de direito de denominação pelo Poder Público não viola o princípio da impessoalidade, uma vez que o objetivo da cessão não é de promoção do nome de um particular, mas de ampliação de receitas e/ou economia com custos para a exploração da concessão.

[…] Em particular, no caso em debate, o compartilhamento de receitas entre a Concessionária e o Poder Concedente se dá mediante o pagamento de outorga variável, que se divide em duas parcelas, cuja incidência é anual e trimestral, nos termos do Anexo IV do Contrato – Mecanismos de Pagamento da Outorga.

Os recursos obtidos pelo compartilhamento de receitas são destinados ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Social (FMD), que permite o financiamento e a expansão contínua das ações voltadas ao desenvolvimento do município de São Paulo, através de investimentos nas áreas de saúde, educação, segurança, habitação, transporte, mobilidade urbana e assistência social.Nesse contexto, a Concessionária tem liberdade de explorar outras fontes de receitas, alternativas, complementares, acessórias ou provenientes dos empreendimentos associados, conforme seu exclusivo interesse e por sua conta e risco, desde que promova sinergia e complementariedade ao objeto da concessão. Assim, a negociação de naming rights deve ser incentivada pelo Poder Público, na medida em que se torna fonte de receita relevante, colaborando para o financiamento do serviço público adequado, para a sustentabilidade econômico-financeira do negócio e para a continuidade da prestação dos serviços.

Por fim, nem só de bens públicos vivem as polêmicas dos contratos de naming rights. Para alegria do seu coração administrativista, podemos explorar também o que acontece quando a cessão de naming rights ocorre em bem privado com algum grau de proteção. Pense nos já ventilados institutos de intervenção estatal na propriedade que são voltados à proteção do patrimônio histórico-cultural. 

Seria possível ceder onerosamente o direito à denominação de um bem tombado ou que seja inventariado como patrimônio cultural ou imaterial de dada localidade?

Marçal Justen Filho, em artigo já mencionado acima, que “não se admite que os locais e os espaços que apresentam relevância no processo histórico da Nação tenham a sua denominação alterada para inclusão de expressões destinadas a propiciar vantagens econômicas a entidades privadas[6]”. O ponto, contudo, está longe de ser pacificado.

 No bojo da Ação Popular n. 6044888-52.2024.4.06.3800, referente ao contrato de naming rights do Mercado Central de Belo Horizonte, o órgão de defesa do patrimônio histórico municipal considerou que nesses casos a cessão do direito à denominação é regida exclusivamente pelo direito privado, sendo sua competência limitada a deliberações que impactem:

Ofício DIPC/PGM nº 0644/2024

Belo Horizonte, 10 de setembro de 2024.

Assunto: Resposta ao Ofício DIAJ – URBANÍSTICO/ SMPU/ SMGO/ DIPC-FMC/ n.º 1308/2024 –

AÇÃO POPULAR – 6044888-52.2024.4.06.3800 – ALTERAÇÃO DO NOME DO MERCADO CENTRAL DE BELO HORIZONTE – KTO – Processo Judicial n°: 6044888-52.2024.4.06.3800

“Essa proteção abrangente (material e imaterial) exige que qualquer intervenção que altere a aparência, configuração ou uso dos espaços do Mercado Central, especialmente a fachada, seja previamente submetida à análise e aprovação da Diretoria de Patrimônio Cultural do Município.

No caso de intervenções mais complexas, que possam comprometer a integridade estética e histórica do imóvel, o processo é encaminhado ao Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural para deliberação.

Em relação à alteração do nome do Mercado Central, é necessário esclarecer que o órgão de proteção ao patrimônio cultural não possui competência para interferir na mudança do nome de uma empresa privada. A decisão sobre a mudança de nome ou “naming rights” do Mercado Central cabe exclusivamente aos sócios-administradores, regida pelo direito privado, e não há intervenção do órgão público nesse aspecto.

Assim, a competência do órgão de patrimônio cultural de Belo Horizonte se limita a deliberar sobre intervenções que afetem a estrutura física, a exemplo da fachada, e o uso do Mercado Central, incluindo a instalação de novos nomes, placas ou engenhos de publicidade. A mudança do nome da empresa, por outro lado, é uma prerrogativa exclusiva dos sócios-administradores, sem intervenção do órgão de proteção ao patrimônio.

Ou seja: pode até mudar de nome, mas não me venha colocar placas ou mobiliários urbanos sem a devida autorização! O diabo do direito administrativo mora nos detalhes.

Curiosamente, a questão parece se resolver, aos poucos, sem intervenção estatal. A KTO anunciou, recentemente, que retiraria seu nome da fachada do mercado, com retorno a suas placas originais, mantidos os demais pontos do acordo comercial de cessão de naming rights, conforme destacado em reportagem do Portal O Fator:

KTO decide retirar logomarca da fachada do Mercado Central, mas parceria continua

“A KTO estabeleceu a parceria com o Mercado Central de Belo Horizonte com objetivo de contribuir para melhorar ainda mais a experiência dos frequentadores do local. Como parceira da comunidade mineira, a empresa está sempre aberta a ouvir e a apoiar as melhores iniciativas para a população e, com esta finalidade, tomou a iniciativa de revitalizar a placa original do Mercado e realizar a sua recolocação. A empresa reforça que também apoia outras melhorias já realizadas no Mercado, como reforma nos banheiros, novos totens para o estacionamento, manutenção do telhado e de climatizadores”, 

A cessão onerosa ao direito à denominação tem, a favor da coletividade, um ponto importantíssimo: se a ação 

Esse caso nos lembra que a cessão onerosa ao direito à denominação tem um ponto importantíssimo que favorece a eficiência de iniciativas autorregulatórias: sendo os naming rights parte estratégica das ações de marketing do adquirente, a existência de repulsa ou sentimento forte de inadequação em relação a cessão onerosa faz com que o tiro saia pela culatra.  Quem diria que xingar no Twitter pode ter seus efeitos!

[1] JUSTEN FILHO. Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação In: GUERRA, Sérgio; FERREIRA JUNIOR, Celso Rodrigues (coords.). Direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Marcos Juruena Villela Souto. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 231.

[2] JUSTEN FILHO. Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação In: GUERRA, Sérgio; FERREIRA JUNIOR, Celso Rodrigues (coords.). Direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Marcos Juruena Villela Souto. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 231.

[3] JUSTEN FILHO. Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação In: GUERRA, Sérgio; FERREIRA JUNIOR, Celso Rodrigues (coords.). Direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Marcos Juruena Villela Souto. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. P. 234.

[4] FREITAS, Rafael Véras de. Algumas propostas para a interpretação das fontes de receitas alternativas nas concessões. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, p. 151-164, set. 2014/fev. 2015.

[5] SAIKI, Gabriella. A exploração econômica dos naming rights de bens públicos: a prática contratual das maiores metrópoles brasileiras. 2023. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2023. p. 210.

[6] JUSTEN FILHO. Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação In: GUERRA, Sérgio; FERREIRA JUNIOR, Celso Rodrigues (coords.). Direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Marcos Juruena Villela Souto. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 233.

3. DEBATENDO

1. É necessária prévia licitação para cessão de naming rights de bens públicos? E se o uso do bem público em questão já tiver sido concedido?

2. A proteção ao patrimônio histórico incidente sobre bens implica a imutabilidade de sua denominação ou é possível conciliar tal proteção com a cessão de naming rights? Há diferença se o tombamento incidente sobre bem público ou privado?

3. Quais limitações o tombamento pode ensejar à celebração de contratos de cessão de naming rights? As limitações incidem apenas a emissão do ato administrativo de tombamento ou já são oponíveis com o início do processo administrativo com vistas ao tombamento?

4. Podem ser cedidos os naming rights a empresas atuantes em quaisquer ramos (por exemplo, a casas de apostas ou empresas que comercializam bebidas alcoólicas)?

5. Como você decidiria a ação popular que visa obstar a cessão de naming rights do mercado central de Belo Horizonte?

4. APROFUNDANDO

Para aprofundar ainda os debates, propomos a resolução da seguinte questão proposta pela IV Onda das quartas de final das Olímpiadas de Direito Administrativo promovida pelo UERJ-Reg em 2024, aqui reproduzida:

CASO PRÁTICO – Olímpiadas de Direito Administrativo promovida pelo UERJ-Reg em 2024

Em 2020, o Governo Federal instituiu o Parque Nacional do Vale Verde. Tanto parque quanto a concessionária são fictícios. , destinada à conservação da biodiversidade e ao fomento de atividades de turismo sustentável. Com o objetivo de promover a conservação do parque e melhorar sua infraestrutura, foi lançado em 2022 um edital de concessão pública para a exploração de serviços de turismo ecológico no parque, incluindo trilhas, áreas de camping, e atividades de educação ambiental. 

A empresa EcoTur S.A. venceu a licitação e assinou um contrato de concessão por 25 anos, durante os quais se compromete a realizar investimentos significativos em infraestrutura, além de promover a marca e atrair turistas nacionais e internacionais. A fim de ampliar a arrecadação e financiar parte dos investimentos, a EcoTur S.A. propôs a comercialização de naming rights para certas áreas e serviços dentro do parque, como trilhas, mirantes e centros de visitantes. Em uma sondagem de mercado realizada de forma prévia, a concessionária recebeu algumas sinalizações de interesse. Uma das propostas, por exemplo, sugere que a trilha mais famosa do parque, a Trilha do Mirante Verde, seja renomeada para “Trilha do Mirante Verde – Banco Roxinho S.A.”, em troca de uma contribuição financeira substancial ao parque. Outra proposta recebida foi de uma grande marca de bebidas, que renomearia o complexo de cachoeiras do parque para “Complexo de Cachoeiras Poço Lindo – Aquabev S.A”. 

A discussão gerou polêmica na mídia. Ambientalistas e defensores da conservação do patrimônio natural argumentam que a prática de naming rights em áreas de conservação desvirtua a função pública e ambiental dos parques nacionais, além de comprometer a imagem e o valor intrínseco dos espaços naturais. Eles também afirmam que a concessão de serviços deve ser limitada à prestação de serviços sustentáveis e que o parque, como um bem de uso comum do povo, não deve ser “comercializado”. 

A EcoTur S.A. argumenta que a comercialização dos naming rights não afeta a proteção ambiental ou a qualidade dos serviços oferecidos e que os recursos obtidos com a prática serão revertidos para a preservação do parque e melhoria da experiência dos visitantes. O governo, por sua vez, considera a proposta como uma forma inovadora de captação de recursos, desde que respeite os limites estabelecidos no contrato de concessão e a legislação ambiental. 

Diante da controvérsia, a Diretora Jurídica da EcoTur decidiu contratar um escritório de advocacia especializado para entender melhor a questão. Analise a situação jurídica apresentada, abordando: 

  1. Os limites que podem ser impostos ao concessionário na comercialização de naming rights, considerando o equilíbrio entre a preservação ambiental e a necessidade de captação de recursos para a manutenção do parque, considerando as propostas recebidas. 
  2. A possibilidade jurídica de naming rights em áreas de preservação ambiental, considerando o regime jurídico dos parques nacionais e os limites impostos ao uso econômico desses espaços. 
  3. A compatibilidade da exploração de naming rights com os princípios da administração pública e com a função social dos parques nacionais como bens públicos. 

Caso haja tempo ou se queira aprofundar o assunto, eis algumas leituras recomendadas sobre o tema dos naming rights:

SAMPAIO, Luís Felipe. Financiamento de infraestrutura através da exploração de naming rights. In: RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno, FREITAS, Rafael Véras de (Coord.). A nova regulação da infraestrutura e da mineração: portos, aeroportos, ferrovias, rodovias. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 71-79

BARTOW, Ann. Trademarks of privilege: Naming Rights and the Physical Public Domain. UC Davis Law Review, v. 40, n. 3, p. 919-970, mar. 2007.

FERNANDES, André Dias; NASCIMENTO, Letícia Queiroz. A exploração econômica de bens públicos por meio da cessão onerosa de Naming Rights. Revista Jurídica FA7, Fortaleza, v. 17, n. 2, p. 125-141, maio/ago. 2020.

FREITAS, Rafael Véras de. Algumas propostas para a interpretação das fontes de receitas alternativas nas concessões. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, p. 151-164, set. 2014/fev. 2015.

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As receitas alternativas nas concessões de serviços públicos no direito brasileiro. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 21, p. 121-148, jan./mar. 2008.

MOREIRA, Vitor Gomes. Naming rights de bens reversíveis em concessões públicas. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 97. P. 34-48, jan./jun. 2023

SAIKI, Gabriella; KÖHLER, André Fontan. Concessão, adoção e naming rights: novos modelos de financiamento para o patrimônio histórico e artístico nacional. Boletim de Políticas Públicas, n. 22, p. 24-29, 2022.