Roteiro de Aula

A aplicação de multas é realmente melhor alternativa?

Responsividade e incentivos na regulação

1. CONHECENDO O BÁSICO

Vamos começar com uma reflexão: será que a simples aplicação de multas é realmente eficaz para garantir o cumprimento das normas em todos os casos? Será que penalidades financeiras sozinhas são suficientes para mudar comportamentos, especialmente em situações mais complexas?

O modelo tradicional de regulação, conhecido como “comando e controle”, baseia-se em uma estrutura rígida de criação de regras e aplicação de sanções, como multas, para garantir o cumprimento das normas. Nesse sistema, o Estado atua de forma centralizadora, definindo padrões de conduta que devem ser seguidos e punindo qualquer desvio com penalidades proporcionais à infração.

Embora essa abordagem seja intuitiva e pareça, à primeira vista, eficiente para manter a ordem, ela muitas vezes simplifica as dinâmicas regulatórias ao tratar os agentes regulados de maneira uniforme, sem considerar suas motivações, limitações e o contexto em que operam.

Essa inflexibilidade torna-se ainda mais evidente em cenários urbanos complexos, onde a diversidade de comportamentos e situações exige uma resposta regulatória mais adaptável. O “comando e controle” não leva em conta a capacidade de diferentes agentes regulados responderem de maneiras variadas às sanções, tampouco considera a possibilidade de incentivar a conformidade por meio de incentivos positivos ou intervenções preventivas.

Pense no impacto de uma multa. Ela pode causar um efeito imediato, como gerar uma preocupação financeira, mas a longo prazo, essa estratégia muitas vezes se revela ineficaz. A sanção aplicada pode parecer desproporcional, ou, por outro lado, insuficiente para deter o comportamento irregular. Mas se as multas por si só não resolvem o problema, fica a pergunta: o que poderia melhorar essa abordagem?

Aqui entra a Regulação Responsiva, como uma alternativa ao modelo de comando e controle puro, uma teoria desenvolvida por Ian Ayres e John Braithwaite que desafia essa dependência do binômio prescrição-sanção. Ela propõe que os reguladores ajustem suas respostas de acordo com o comportamento dos regulados, oferecendo uma abordagem mais flexível e potencialmente eficaz.

Para Ayres e Braithwaite, a regulação responsiva vai além da simples flexibilidade na aplicação de sanções: trata-se de um modelo de interação contínua entre regulador e regulado. Os reguladores devem iniciar com estratégias menos punitivas, como a persuasão, e considerar o histórico e o nível de compliance do regulado ao definir a dosimetria das sanções. Penalidades mais severas são reservadas para casos de descumprimento reiterado ou incapacidade de ajuste. Esse modelo incentiva os regulados a atuarem como parceiros na regulação, promovendo maior eficiência e conformidade sustentável.

Ou seja, em vez de aplicar de imediato penalidades severas, os reguladores adotam uma abordagem escalonada, iniciando com métodos mais colaborativos e conciliatórios e avançando gradativamente para sanções mais rigorosas apenas quando a não conformidade persiste. O objetivo aqui é incentivar a cooperação, em vez de focar exclusivamente na punição. Isso nos leva a uma questão importante: seria a aplicação de advertências ou negociações uma forma mais eficiente de evitar multas excessivas em certos contextos?

No entanto, podemos ir além. E se, em vez de simplesmente escalar sanções, os reguladores pudessem estruturar respostas mais eficazes antes mesmo de uma infração se consolidar? A Regulação Responsiva não se limita à gradação de penalidades, mas também envolve estratégias preventivas que permitem aos regulados ajustar sua conduta antes que sanções severas sejam aplicadas.

Essa abordagem não apenas fortalece a efetividade da fiscalização, mas também promove a conformidade regulatória de forma mais sustentável. Ao incentivar boas práticas e estabelecer um diálogo contínuo com os regulados, o modelo possibilita a construção de soluções adaptativas que reduzem a necessidade de medidas punitivas.

À medida que avançamos no estudo da Regulação Responsiva, começamos a perceber que a regulação não precisa ser um dilema entre punir ou não punir. Em vez disso, a questão central passa a ser como estruturar um modelo regulatório que seja, ao mesmo tempo, eficiente, justo e adaptável às dinâmicas do setor regulado.

Será que as sanções ainda precisam ser o principal instrumento da regulação? Como garantir que a fiscalização seja eficiente sem se tornar excessivamente punitiva? Como equilibrar a necessidade de controle com a criação de incentivos à conformidade? Essas são perguntas fundamentais que orientam a evolução da regulação no Brasil e no mundo.

Nos próximos capítulos, aprofundaremos as limitações do modelo tradicional, as críticas à sua efetividade e as principais inovações que moldam a regulação contemporânea. Ao longo dessa análise, esses questionamentos ganharão mais clareza, permitindo uma visão mais abrangente sobre os caminhos possíveis para tornar a regulação mais estratégica, responsiva e eficiente no cenário atual.

2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA

Agora que compreendemos os aspectos iniciais, vamos examinar dados que corroboram com a insuficiência do modelo de regulação baseado estritamente em mecanismos de comando e controle. No âmbito do relatório que embasou o Acórdão 651/2016-Plenário, o Tribunal de Contas da União analisou a qualidade e eficiência da metodológica da fiscalização da Aneel e identificou achados significativos relacionados à dificuldade de a Aneel realizar as fiscalizações sobre qualidade das atividades reguladas com a periodicidade ideal.

Relatório de Auditoria – TC 013.046/2014-4

SUMÁRIO: RELATÓRIO DE AUDITORIA OPERACIONAL. QUALIDADE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. PROCEDIMENTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA PARA ESTIMULAR A MELHORIA DA QUALIDADE. DETERMINAÇÕES. RECOMENDAÇÕES. ARQUIVAMENTO.

16. Analisando o processo de trabalho da Aneel sobre o tema de fiscalização da qualidade de prestação do serviço de distribuição de energia elétrica, a unidade técnica mencionou as seguintes melhorias nos últimos anos: formalização dos processos de planejamento das ações a partir de 2012; avaliações mais estruturadas sobre o grau de realização das ações planejadas a partir de 2013; aproveitamento de informações de outras superintendências da Aneel e das reclamações de consumidores à ouvidoria da agência para o planejamento; adoção de critérios d e priorização mais precisos; e elaboração de manuais com procedimentos de fiscalização.

17. Por outro lado, foram constatados sete achados de auditoria que indicam oportunidades de melhorias na atuação da entidade auditada, quais sejam: i) fiscalização periódica insuficiente; ii) fragilidade do resultado de alguns tipos de fiscalização; iii) demora na tomada de decisão de primeira instância; iv) intempestividade crescente dos planejamentos de fiscalizações; v) ausência de consulta às agências conveniadas; vi) uso exclusivo de reclamações da Ouvidoria da Aneel como subsídio à priorização de fiscalizações; e vii) deficiência na avaliação da qualificação dos profissionais das agências estaduais.

18. Os três primeiros achados estão relacionados à execução das fiscalizações e às instruções processuais delas decorrentes, os três seguintes concernentes ao planejamento das fiscalizações e o último relativo à gestão associada de serviço público (descentralização da fiscalização).

19. No achado de fiscalização periódica insuficiente, a equipe de auditoria detectou que a Aneel, por meio da Superintendência de Fiscalização de Serviços de Eletricidade (SFE), não realiza as fiscalizações na periodicidade que a própria SFE estabelece como ideal. No caso da fiscalização técnica da qualidade, um dos nove tipos de fiscalização feitas pela Aneel em relação à qualidade, várias empresas distribuidoras ficaram sem ser fiscalizadas durante mais de três anos, período superior ao considerado desejável por essa agência. Tal situação foi verificada em todos os planejamentos de fiscalizações analisados e afetou a totalidade dos tipos de fiscalizações periódicas previstas para ocorrer nos anos de 2012 a 2015.

20. As principais causas identificadas foram: i) a insuficiência de recursos humanos; ii) a existência de outras fiscalizações prioritárias não relacionadas diretamente à qualidade, como a fiscalização da base de ativos, da universalização, do programa Luz para Todos, da sub-rogação da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e do tema baixa renda; iii) o passivo de fiscalizações pendentes de anos anteriores; iv) as demandas externas imprevistas, como ordens judiciais e solicitações do Ministério Público; e v) as alterações regulares na sistemática de avaliação de alguns indicadores de qualidade.

21. Em relação à insuficiência de recursos humanos, a unidade técnica relatou que a SFE possuía, em julho de 2014, apenas quatorze agentes fiscais para tratar de todos os assuntos que estivessem relacionados à distribuição de energia elétrica, sendo que um dos assuntos é o da qualidade da prestação desse serviço. Na época, esse grupo de servidores estava responsável por fiscalizar dezesseis estados e o Distrito Federal, bem como analisar a manifestação das empresas nos processos administrativos e subsidiar o planejamento de fiscalizações da SFE.

22. No caso das dez agências estaduais, a força de trabalho totalizava 65 servidores, dentre fiscais, assessores e gestores. As agências estaduais com menor força de trabalho possuíam três servidores e a maior delas, encarregada do Estado de São Paulo, possuía dezenove.

23. Considero que a questão da insuficiência de recursos humanos na Aneel também está atrelada à enorme quantidade de funções que lhe são atribuídas. Além de regular e fiscalizar um setor de alta complexidade, com ampla extensão territorial e pluralidade de agentes, dedica parte de seus recursos humanos para realizar atividades que, em tese, são atípicas de uma agência reguladora, uma vez que atua como poder concedente das concessões dos serviços públicos de energia elétrica, sendo responsável por promover os respectivos leilões de concessão, em decorrência da delegação de competência estabelecida no Decreto 4.932/2003, alterado pelo Decreto 4.970/2004.

24. Dessa forma, convém ressaltar que algumas dessas causas são decorrentes de fatores externos, difíceis de serem gerenciados exclusivamente pela Aneel. Mesmo assim, a unidade técnica vislumbrou a possibilidade de a agência reguladora minimizar o efeito indesejável de ao menos um desses fatores, por meio da adoção de novo método de definição da base de remuneração regulatória das distribuidoras, utilizada nos ciclos de revisão tarifária periódica dessas empresas.

Os achados da auditoria do TCU (TC 013.046/2014-4) revelam que o modelo de comando e controle apresenta sérias limitações na eficiência da fiscalização regulatória, especialmente no setor elétrico. A insuficiência de recursos humanos, a sobrecarga de funções da Aneel e a defasagem na periodicidade das fiscalizações comprometem a capacidade do regulador de garantir o cumprimento das normas de forma eficaz e tempestiva. Além disso, a dependência excessiva de reclamações da Ouvidoria para priorização das fiscalizações evidencia uma abordagem reativa, que não previne falhas, mas apenas responde a problemas já consolidados.

A estrutura rígida do modelo tradicional dificulta a adaptação às necessidades do setor, resultando em demora na tomada de decisões, baixa efetividade das sanções e dificuldade de gestão do passivo regulatório. Esses fatores indicam que a fiscalização baseada apenas em penalidades não tem sido suficiente para assegurar a qualidade dos serviços e que abordagens mais flexíveis e estratégicas, como a Regulação Responsiva, poderiam otimizar recursos, direcionar a fiscalização com mais precisão e incentivar a conformidade regulatória de forma mais eficiente.

Assim, em observância aos achados do TCU, a partir de 2019, a Aneel promoveu uma mudança metodológica significativa em seu modelo de fiscalização. A agência reformulou o modelo tradicional, que se baseava na presença ostensiva de servidores junto às empresas reguladas, e adotou um modelo de fiscalização alinhado às novas práticas regulatórias expostas na presente aula. Essa nova abordagem se fundamenta em princípios como fiscalização baseada em evidências, seletividade, foco em riscos e proporcionalidade, regulação responsiva e incentivo à conformidade, entre outros elementos que visam otimizar a eficiência regulatória.

Esse novo modelo foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no Acórdão nº 4.547/2020, que avaliou as medidas adotadas pela Aneel para corrigir as fragilidades identificadas no Acórdão 651/2016-Plenário. A principal inovação identificada foi a incorporação de elementos da Regulação Responsiva, que permitiram à agência superar limitações do modelo tradicional de fiscalização, tornando o monitoramento mais estratégico, seletivo e baseado no comportamento do agente regulado.


Relatório de Auditoria – TC 015.981/2020-7

SUMÁRIO: MONITORAMENTO. AUDITORIA OPERACIONAL. AVALIAÇÃO DAS FISCALIZAÇÕES SOBRE A QUALIDADE DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. IDENTIFICAÇÃO DE OPORTUNIDADES DE MELHORIAS. DETERMINAÇÕES E RECOMENDAÇÕES EM GRANDE PARTE ATENDIDAS. APENSAMENTO. CIÊNCIA.

99. Nesse sentido, em 18/6/2019, foi publicada a Resolução Normativa (REN) Aneel 846/2019 (peça 178), que aprova procedimentos, parâmetros e critérios para a imposição de penalidades aos agentes do setor de energia elétrica. Dentre outros regramentos, em seu art. 4º, a REN regulamenta a aplicação de planos de resultados a serem firmados entre a Agência e os agentes setoriais para melhoria de desempenho, com base em evidências que apontem degradação ou sinalizem deterioração da prestação do serviço ou do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Esses planos devem conter objeto, prazos, ações previstas para reversão da situação identificada, critérios de acompanhamento e trajetória de alcance dos resultados esperados.

100. No caso de recusa do agente de distribuição em apresentar o plano de ação ou este for inconsistente, a distribuidora será submetida a próxima etapa, que consistirá em uma ação fiscalizatória, motivada pela perda das condições econômicas para manter a adequada prestação do serviço (peça 182, p. 15).

101. Já no caso de a concessionária apresentar o plano de ação, mas descumpri-lo durante a execução, a SFF avaliará o caso, podendo sujeitar a empresa à condição de apenas monitorada ou poderá classificá-la como passível da etapa de ação fiscalizatória (peça 182, p. 15).

102. Em nota técnica de março de 2019 (peça 182), a SFF informa que as ações de fiscalização da Superintendência serão fundamentadas nos princípios da regulação responsiva, alinhando-se às melhores práticas de fiscalização divulgadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou seja, serão moduladas conforme o perfil e comportamento do agente.

Segundo Juliana Bonacorsi de Palma, a essa mudança trouxe significativos benefícios administrativos. Antes da Resolução 846/2019, a ANEEL operava com um modelo de fiscalização amplo e indiscriminado, o que demandava um grande volume de recursos humanos e operacionais. Com a adoção da regulação responsiva, a agência pôde focar suas ações em casos mais críticos, otimizando seus esforços e aumentando a efetividade da fiscalização.

Regulação responsiva: a visão do TCU

Por Juliana Bonacorsi de Palma

A tradicional forma de fiscalização pautada no comando e controle é simples. A fiscalização verifica se as normas são, de fato, cumpridas; caso não sejam, o regulado é sancionado. Esta técnica regulatória se apoia no efeito simbólico da sanção para prevenir novas condutas infracionais.

Ocorre que a ameaça da punição pode ser insuficiente. Novas técnicas regulatórias foram criadas para atuar em paralelo ao comando e controle, com um novo arranjo de competências, dinâmicas, incentivos e finalidades. Desde a formulação original de John Braithwaite e Ian Ayres na década de 1990, a regulação responsiva foi desenvolvida e adotada em diversos países. Hoje, a OCDE aponta a regulação responsiva como um dos princípios da fiscalização.

A dinâmica da regulação responsiva é guiada pelo constante diálogo entre regulador e regulado. A sanção é a ultima ratio e as sanções administrativas mais graves, como a caducidade e a cassação, reservadas à incapacidade de o regulado seguir as regras. Compromissos para o regulado fazer mais e melhor no futuro são bem-vindos. Há, portanto, todo um contexto de cenário e comportamento de compliance do regulado que será considerado na dosimetria. No Brasil, diversas agências reguladoras já acolheram a regulação responsiva, como Aneel, Antaq, Anac e Anatel.

Ao menos em relação à Aneel, o TCU parece ver com bons olhos iniciativas de regulação responsiva.

O modelo de regulação responsiva adotado na Resolução Aneel 846/2019 foi aceito pelo TCU (Ac. 1946/2019 e Ac. 2525/2021). A norma prevê a celebração de “plano de resultado” com os regulados para melhoria de desempenho: haverá fiscalização apenas se o plano não for apresentado, for inconsistente ou descumprido. Para o TCU, a regulação responsiva é efetiva para a Aneel acompanhar os casos de descumprimentos contratuais sobre a qualidade da prestação de serviços.

Nos Acs. 4547/2020 e 651/2016, o TCU entendeu ser a regulação responsiva uma técnica regulatória mais moderna, cuja adoção superou o problema de fiscalização limitada, que não seguia a periodicidade esperada por insuficiência de recursos humanos. Até a edição da Resolução 846/2019, a Aneel seguia o modelo de fiscalização de qualidade com abrangência geral e indiscriminada. Com a adoção da regulação responsiva, o foco da fiscalização seria direcionado a um grupo específico de regulados, reduzindo, portanto, a necessidade de agentes públicos envolvidos.

Diante do grave caso de apagão da Subestação de Macapá, ocorrido no final de 2020, o TCU indicou a importância de uma maior eficiência no tratamento das informações do sistema (Ac. 1224/2023). Neste caso, o tribunal reputou a fiscalização insuficiente e intempestiva, mas não colocou em questionamento o pressuposto da adoção do modelo de regulação responsiva no setor elétrico.

O reconhecimento da juridicidade e da eficiência da regulação responsiva pelo TCU é um estímulo importante à ampla adoção da técnica, não apenas pelas agências reguladoras, mas por todos os órgãos ordenadores. O método tem o potencial de transformar regulados em efetivos colaboradores na regulação.

Vale ressaltar que a problemática referente à ineficiência do emprego dos instrumentos não se limita apenas à Aneel ao impacto sobre a atividade fiscalizatória. De acordo com um levantamento realizado junto às agências reguladoras federais, durante o ano de 2024, os valores pendentes de multas aplicadas superam o montante de R$ 23 bilhões, abrangendo débitos vencidos tanto na esfera administrativa quanto judicial​.

O montante evidencia um desafio recorrente entre os órgãos reguladores: a baixa efetividade na arrecadação de sanções impostas. Apenas a ANS, reguladora da saúde privada, acumula R$ 7,6 bilhões em multas a receber, seguida pela ANP (R$ 5,5 bilhões), ANEEL, ANTT e Anatel​.

Observe-se a consolidação dos dados da pesquisa:

RELATÓRIO DE PESQUISA CONSOLIDADO – PODER360

Esses dados trazem à tona uma das questões críticas do modelo tradicional de regulação. Embora a aplicação de multas pelas agências reguladoras seja um instrumento tradicional de fiscalização, estas não têm se traduzido em uma arrecadação efetiva e tampouco em um mecanismo eficaz para garantir a conformidade regulatória. A expressiva soma de mais de R$ 23 bilhões em multas pendentes de pagamento revela não apenas dificuldades na execução e cobrança desses valores, mas também as limitações do modelo punitivo baseado exclusivamente em sanções financeiras, que, sem mecanismos eficazes de enforcement e conformidade, perde sua efetividade como instrumento de regulação.

Diante desse cenário, torna-se essencial a adoção de abordagens mais estratégicas e preventivas, como a regulação responsiva, que busca incentivar o cumprimento das normas por meio de incentivos, monitoramento contínuo e mecanismos de indução à conformidade, reduzindo a dependência exclusiva da punição pecuniária e tornando a fiscalização mais eficiente e adaptável à realidade dos setores regulados.

Sendo assim, para melhor compreensão dos fundamentos teóricos e conceitos essenciais relacionados à regulação responsiva serão apresentadas na sequência partes da produção acadêmica de autoria de Ian Ayres e John Braithwaite, renomados estudiosos da teoria da Regulação Responsiva. Ayres e Braithwaite são conhecidos por suas abordagens inovadoras e provocativas, que desafiam as concepções tradicionais sobre a regulação e o papel do Estado.

No texto que apresentamos, eles defendem que a regulação deve ser vista como um processo dinâmico, onde a interação entre o regulador e a indústria é fundamental para alcançar resultados eficientes e sustentáveis. Segundo os autores, a existência de um “piramidal” de estratégias regulatórias é essencial, pois permite que a regulação evolua conforme as necessidades e comportamentos do setor regulado.

Responsive Regulation: transcending the deregulation debate

 Por Ian Ayres e John Braithwaite

A Pirâmide de Estratégias Regulatórias

 A pirâmide de avaliações apresentada na Figura 2.1 é externa para a empresa individualmente regulada. No entanto, há uma pirâmide de aplicação mais fundamental externa para toda a indústria. Trata-se de uma pirâmide de estratégias regulatórias.

O livro Punir ou Persuadir argumenta que os governos têm maior probabilidade de alcançar seus objetivos ao comunicar à indústria que, em qualquer arena regulatória, a estratégia preferida é a autorregulação. Quando uma autorregulação funciona bem, ela é uma abordagem menos onerosa tanto do ponto de vista dos contribuintes quanto da indústria regulada. Quando o Estado negocia o objetivo regulatório com a indústria, deixando para ela a discricionariedade e a responsabilidade de como atingir esse objetivo, há maior chance de uma estratégia ótima que equilibre a máxima conquista de metas com o menor custo para a eficiência produtiva.

No entanto, dado que a indústria pode ser tentada a explorar o privilégio da autorregulação com um cumprimento subótimo dos objetivos regulatórios, o Estado também deve comunicar a sua disposição em escalar a sua estratégia regulatória por meio de outra pirâmide de intervenção. A pirâmide sugerida começa com a autorregulação, passando para a autorregulação imposta (ver Capítulo 4), até a regulação com regulação discricionária, e chegando à regulação com proteção não discricionária (Fig. 2.3).

A regulação com resiliência não discricionária tem sua analogia militar no conceito de “queimar pontes”. Se as pontes são específicas para a única rota de retirada de um exército queimado, o inimigo sabe que terá que travar uma batalha sangrenta se avançar além de certo ponto. Queimar pontes e adotar uma política de proteção não discricionária têm o efeito de demonstrar compromisso — comunicando ao oponente a intenção de nunca ceder.

Novamente, este é apenas um exemplo das estratégias específicas que podem ser instaladas em diferentes camadas da pirâmide de estratégias. Pode-se conceber outra pirâmide que possa escalar da autorregulação para o licenciamento negativo (ver Grabosky e Braithwaite, 1986: 188), depois para o licenciamento positivo, e finalmente para impostos sobre danos (Anderson et al., 1977). Outra pirâmide, que será considerada no Capítulo 5, pode ir de um mercado totalmente livre para várias formas de regulação parcial da indústria, até chegar à regulação de toda a indústria.

A escalada por essa pirâmide dá ao Estado maior capacidade de garantir o cumprimento, mas ao custo de uma regulação cada vez mais inflexível e contraditória. Uma comunicação clara antecipada da disposição do Estado em escalar na pirâmide criação de incentivos tanto para a indústria quanto para os agentes reguladores, a fim de fazer a regulação funcionar em níveis mais baixos de intervencionismo. A principal afirmação dessa teoria regulatória é que a existência dos gradientes e picos das duas pirâmides de aplicação direciona a maior parte da ação regulatória para a base da pirâmide — nos âmbitos da persuasão e da autorregulação.

A ironia da proposta era que a existência e a sinalização da capacidade de ser tão rigorosa quanto necessário pudessem criar um clima regulatório que fosse mais voluntário e não litigioso do que é possível quando o Estado descartasse a adversidade e a punitividade como uma opção. Se cortarmos os topos das pirâmides de aplicação, haverá menos perspectiva de autorregulação e menos perspectiva de persuasão como alternativa de proteção.

A modelagem da dissuasão regulatória tende a cair na armadilha de considerar apenas a opção de dissuasão passiva — uma adição dissuasória moldada pelo poder das avaliações que analisam para serem aplicadas. No entanto, a modelagem da dissuasão na guerra envolve muito o reconhecimento da importância da escalada ativa — uma modelagem mais dinâmica da dissuasão como um processo em desenvolvimento. A sutileza com que a escalada é realizada pode ser tão crucial para a eficácia da dissuasão quanto ao poder das avaliações passivas.

A ideia da pirâmide de estratégias regulatórias sublinha a importância de transcender modelos de regulação como jogos jogados com empresas isoladas (por exemplo, Scholz, 1984a, b). A importância das subculturas empresariais de resistência à regulação significa que devemos entender o significado das forças em nível industrial além da agência da empresa individual. Em alguns aspectos, as associações industriais podem ser jogadores regulatórios mais importantes de empresas isoladas. Por exemplo, empresas individuais frequentemente seguem o conselho da associação industrial para cooperar em um determinado requisito regulatório, pois, se a indústria não cumprir esse requisito funcionar, enfrentará uma ocorrência política que pode levar a um regime regulatório mais intervencionista. Daí a importância da pirâmide de estratégias regulatórias (Fig. 2.3), assim como da pirâmide de avaliações (Fig. 2.1). As culturas regulatórias podem ser transformadas por sinalizações inteligentes de agências reguladoras, grupos de interesse público e líderes políticos de que uma escalada do intervencionismo da estratégia regulatória pode estar à vista.

Como custos ainda maiores e probabilidades mais insondáveis ​​estão envolvidos em tais ameaças, o potencial para blefe é ainda maior. Tanto que as associações da indústria podem frequentemente ser cooptadas para disciplinar e blefar empresas individuais que se aproveitam do futuro regulatório da indústria.

Outra agência que vem percebendo as limitações do modelo tradicional de comando e controle é a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). A Agência reconheceu a necessidade de mudanças e, desde 2015, iniciou um processo de revisão regulatória para aprimorar sua atuação, implementando mecanismos de regulação responsiva​. Essa mudança foi consolidada na Resolução nº 746/2021, que aprovou o Regulamento de Fiscalização Regulatória. O novo normativo sistematiza a aplicação de medidas preventivas ou reparatórias em virtude de descumprimentos a dispositivos regulamentares, buscando um equilíbrio entre a aplicação de sanções e a indução ao cumprimento voluntário das normas​.

A regulação responsiva adotada pela ANATEL parte do pressuposto de que a abordagem regulatória não deve ser exclusivamente punitiva, mas sim baseada em um modelo dinâmico, onde o comportamento dos regulados determina a resposta do regulador. Em vez de aplicar sanções automáticas, a agência busca avaliar a postura das empresas diante das normas, incentivando ajustes voluntários antes da imposição de penalidades.

Resolução ANATEL n.º 746, de 22 de junho de 2021

Aprova o Regulamento de Fiscalização Regulatória

Art. 5º A Fiscalização Regulatória observa as seguintes premissas:

[…]

IV – atuação de forma responsiva, com a adoção de regimes proporcionais ao risco identificado e à postura dos Administrados;

[…]

              Anexo Regulamento De Fiscalização Regulatória

REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO REGULATÓRIA

TÍTULO I

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Este Regulamento estabelece os princípios, as diretrizes, os procedimentos e os critérios para a Fiscalização Regulatória, incluindo regras relacionadas ao seu planejamento, às obrigações e garantias dos Administrados, aos modos de obtenção de dados e informações, às medidas preventivas, reparatórias e de controle, à análise de desempenho e aos mecanismos de transparência.

Art. 2º Os procedimentos estabelecidos neste Regulamento visam, especialmente, à proteção dos direitos dos usuários, ao acompanhamento do cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais das prestadoras e dos usuários dos serviços de telecomunicações e à fiscalização da exploração dos serviços de telecomunicações e da utilização do espectro de radiofrequência, inclusive dos aspectos técnicos das estações de radiodifusão.

Parágrafo único. A fiscalização regulatória priorizará medidas de educação, orientação, monitoramento, melhoria contínua, prevenção, coordenação e regularização de condutas, reparação voluntária e eficaz, transparência e cooperação.

Art. 3º A Fiscalização Regulatória é regida por este Regulamento e observa o disposto, dentre outros, nos seguintes instrumentos:

I – legislação e regulamentação específica aplicável aos serviços de telecomunicações, inclusive de radiodifusão;

II – contratos, atos e termos relativos a serviços de telecomunicações e direitos de uso de radiofrequências, editais de licitação, despachos e demais atos administrativos de efeito concreto editados pela Anatel;

III – compromissos assumidos pelos Administrados ou a eles impostos, com exceção daqueles decorrentes de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TACs); e,

IV – instrumentos específicos que atribuam ou deleguem competência à Anatel.

CAPÍTULO II

DAS DEFINIÇÕES E DOS PRINCÍPIOS

Art. 4º Para efeito deste Regulamento, além das definições constantes na regulamentação aplicável aos serviços de telecomunicações, são adotadas as seguintes:

I – Acompanhamento: atividade de acesso, obtenção e averiguação de dados e informações, incluindo aquela realizada mediante Inspeção, com as finalidades de reunir evidências para a apuração do cumprimento de obrigações e conformidades e de promover melhorias preventivas na prestação dos serviços;

II – Agente de Fiscalização: servidor da Anatel que executa Inspeção;

III – Apreensão: ato por meio do qual o Agente de Fiscalização apreende bens ou produtos, tomando-os e recolhendo-os à Anatel, com aposição de lacre de identificação;

IV – Auto de Infração: documento lavrado por Agente de Fiscalização que descreve o fato ou ato constitutivo da infração, identifica o infrator e os dispositivos infringidos;

V – Ciclo de Fiscalização Regulatória (CFR): período previamente determinado no planejamento de Fiscalização Regulatória durante o qual serão executadas as medidas definidas a partir do resultado da aplicação da metodologia de priorização;

VI – Controle: atividade destinada à aplicação de medidas corretivas de condutas em desacordo com a legislação e a regulamentação;

VII – Credencial: documento pessoal e intransferível de identificação de Agente de Fiscalização para utilização exclusiva em Inspeção;

VIII – Inspeção: etapa da Ação de Fiscalização Regulatória, no âmbito do processo de Acompanhamento, executada por Agente de Fiscalização;

IX – Fiscalização Regulatória: conjunto de medidas de acompanhamento, análise, verificação, prevenção, persuasão, reação e correção, realizadas no curso dos processos de Acompanhamento e de Controle, com o objetivo de alcançar os resultados regulatórios esperados e promover conformidade e melhoria na prestação dos serviços de telecomunicações, bem como nos aspectos técnicos de radiodifusão;

X – Formulário de Inspeção: laudo de vistoria, termo ou ficha de campo emitido por Agente de Fiscalização para registrar as informações, dados, parâmetros e medidas obtidos na Inspeção, servindo de base para emissão do Relatório de Fiscalização e, quando for o caso, do Auto de Infração;

XI – Instruções de Fiscalização: regras ou maneiras de proceder na verificação do cumprimento de obrigações e conformidades por parte do Administrado, no âmbito de ação de Fiscalização Regulatória;

XII – Interrupção: ato por meio do qual o Agente de Fiscalização faz cessar o funcionamento de estação ou a execução de serviço;

XIII – Lacração: ato por meio do qual o Agente de Fiscalização promove a Interrupção de estação ou impede ou cessa o uso ou a comercialização de bens, produtos e serviços, sem recolhê-los à Anatel, com aposição de lacre de identificação;

XIV – Procedimentos de Fiscalização: técnicas padronizadas de investigação utilizadas para verificar o cumprimento de obrigações e conformidades por parte do Administrado no âmbito de ação de Fiscalização Regulatória;

XV – Relatório de Fiscalização: documento emitido por Agente de Fiscalização no qual são descritos os procedimentos aplicados, as análises efetuadas e os resultados obtidos em Inspeção; e,

XVI – Requisição de Informações: documento por meio do qual são reiterados pedidos de dados e informações não apresentados ou apresentados de forma não satisfatória, em Requerimento de Informações.

Art. 5º A Fiscalização Regulatória observa as seguintes premissas:

I – alinhamento com o planejamento institucional da Anatel;

II – priorização da atuação, baseada em regulação por evidências e gestão de riscos, com foco e orientação por resultado;

III – atuação integrada e coordenada entre os órgãos da Anatel e entre órgãos e entidades da Administração Pública;

IV – atuação de forma responsiva, com a adoção de regimes proporcionais ao risco identificado e à postura dos Administrados;

V – estímulo à melhoria contínua da prestação dos serviços de telecomunicações; e,

VI – previsão de mecanismos de transparência, de retroalimentação e de autorregulação. Art. 6º As medidas de Fiscalização Regulatória aplicam-se, no que couber, às atividades clandestinas de telecomunicações.

O Regulamento de Fiscalização Regulatória reflete essa nova abordagem, enfatizando a cooperação entre regulador e regulado. Ele estabelece um modelo escalonado de aplicação de sanções, indo desde medidas preventivas e reparatórias, como planos de conformidade, até punições mais severas nos casos de reincidência. A imposição de medidas preventivas ou reparatórias torna-se apenas uma fase de um procedimento caracterizado pelo diálogo constante entre a Agência e regulados, o qual passa a incluir também o acompanhamento das ações e dos resultados.

Em termos práticos, esse modelo estabelece um sistema de incentivos que premia a conduta colaborativa dos regulados, ao mesmo tempo em que reforça a responsabilização dos agentes que persistem em descumprir as normas. Empresas que reconhecem falhas e adotam medidas concretas para saná-las podem obter reduções substanciais nas penalidades, com descontos que variam entre 15% e 90%. Por outro lado, aquelas que demonstram resistência ao cumprimento das regras ou reiteram infrações podem enfrentar sanções progressivamente mais severas, incluindo a revogação da autorização para operar. Essa abordagem reforça o princípio central da regulação responsiva, que busca calibrar a fiscalização com base na gravidade da infração e no comprometimento do regulado com a conformidade, privilegiando a solução preventiva e corretiva em detrimento de um modelo puramente punitivo.

Dessa forma, as experiências da ANEEL e da ANATEL na adoção da regulação responsiva demonstram um avanço na modernização da fiscalização, proporcionando maior eficiência e previsibilidade para os regulados.

Antecipando possíveis críticas à regulação responsiva

Apesar das vantagens da Regulação Responsiva, críticos destacam dificuldades na sua implementação, principalmente em razão da necessidade de identificar e qualificar adequadamente o comportamento dos agentes regulados. Diferentemente do modelo tradicional de comando e controle, que parte de um conjunto fixo de regras e sanções preestabelecidas, a regulação responsiva exige uma abordagem mais dinâmica, ajustada ao histórico de conformidade dos regulados e à gravidade das infrações. Isso torna o processo regulatório mais complexo, pois exige respostas personalizadas e calibradas, aumentando a demanda por capacidade técnica e institucional das agências reguladoras.

Assim, a aplicabilidade prática da regulação responsiva enfrenta obstáculos significativos, pois exige um esforço constante para classificar infrações e avaliar o comportamento dos regulados, José Roberto Pimenta Oliveira, Luiz Paulo Ferreira Segundo:

Administrativo sancionador de Agências Reguladoras

Por José Roberto Pimenta Oliveira e Luiz Paulo Ferreira Segundo

A teoria responsiva da regulação foi alvo de elogios e críticas. Por um lado, a teoria evidenciou a necessidade de sistemas regulatórios dinâmicos e que se adaptem ao contexto no qual o regulador está inserido. Porém, seus críticos apontam as inúmeras dificuldades com a aplicabilidade prática do modelo, tendo em vista a necessidade de identificar e qualificar o comportamento individualizados dos agentes e as infrações, bem como responder adequadamente a ambos. Os elogios e as críticas provocaram o avanço da teoria, tanto por meio de novos estudos de seus autores, quanto por meio de seus críticos.

(…).

A adoção da regulação responsiva pelas agências reguladoras federais precisa enfrentar alguns limites. Dentre eles, vale destacar os limites impostos pelo próprio sistema jurídico brasileiro, com suas marcas de civil law. A teoria desenvolvida por Ayres e Braithwaite pressupõe a existência de uma flexibilidade na atuação do regulador. Essa flexibilidade depende das balizas conferidas pelo sistema normativo no qual a agência reguladora está inserida.

O Brasil está inserido na tradição romano-germânica, na qual o Direito é significativamente menos flexível do que nos países de common law. Nesse sentido, a adoção da responsividade pelas agências reguladoras federais está limitada pela própria estrutura jurídica à qual elas pertencem.

É importante lembrar que a regulação responsiva é uma teoria sobre regulação, e não sobre direito público. Os seus criadores visavam estabelecer um método regulatório capaz de atingir determinadas finalidades. Nesse sentido, tiveram a capacidade de estabelecer parâmetros para a atuação do regulador, tendo em vista as diferentes políticas públicas a serem atingidas. Por outro lado, o direito público foi forjado como limite ao absolutismo estatal, definindo sua estrutura e delimitando seus poderes-deveres. Essa distinção evidencia uma das dificuldades para implementar a regulação responsiva no Brasil, onde o princípio da legalidade possui indiscutível relevância.

A legalidade é um princípio estruturante do sistema jurídico brasileiro, o que dificulta a adoção da responsividade pelas agências reguladoras federais. Os autores quase ignoram a legalidade ao desenvolver a teoria da regulação responsiva.

Apesar de afirmarem a importância do rule of law nos sistemas republicamos, o tema é tratado em apenas uma página e contém apenas quatro citações ao longo de toda a obra. Alguns autores já enfrentaram o tema, mas ainda são poucos os trabalhos que se empenharam em analisar a relação entre responsividade e rule of law. Por isso, é importante analisar as dificuldades enfrentadas para a implementação da teoria em um sistema jurídico ancorado no princípio da legalidade.

Outro ponto crítico é a resistência cultural tanto por parte dos regulados quanto dos próprios reguladores. Empresas acostumadas a um modelo mais rígido de comando e controle podem encarar a flexibilização da fiscalização como uma oportunidade para burlar normas, enquanto reguladores podem encontrar dificuldades na adaptação para uma atuação mais estratégica e menos reativa.

Isso evidencia que, sem um arcabouço normativo sólido e amplamente debatido, o modelo pode perder credibilidade e comprometer sua efetividade. Como observa Mariana Carnaes:

Breve reflexão sobre a regulação responsiva

Por Mariana Carnaes

Na prática, algumas agências reguladoras se mostraram inclinadas à implementação da teoria da regulação responsiva, conferindo maior permeabilidade às suas ações e abrindo-se para adoção de soluções consensuais. A adoção da teoria demonstra um amadurecimento regulatório, que não se fia exclusivamente na aplicação de sancionamentos, mas na tentativa de verdadeiramente solucionar o problema a partir da correção acordada da atividade do regulado. Trata-se, ao fim e ao cabo, de um modo mais eficiente de se fazer cumprir o arcabouço regulatório.

Nada obstante, para que haja segurança jurídica a todos, é necessário que se delineiem precisamente as características da teoria da regulação responsiva no âmbito de cada agência reguladora, conferindo-a, de preferência, uma certa uniformidade de tratamento.

Destacam-se alguns pontos que merecem estabelecimento de regras claras quando da implementação da teoria: as soluções consensuais que possam ser adotadas na base da pirâmide; a forma de negociação dessas soluções consensuais; o monitoramento dos compromissos assumidos; a frequência sobre adoção de soluções consensuais em relação a um mesmo tema ou a um mesmo agente regulado (admite infrações reiteradas?); as razões que justificam a escalada na pirâmide em busca de intervenções regulatórias mais onerosas; a gradação dos sancionamentos ao longo da pirâmide regulatória; a possibilidade de impugnar a decisão da agência reguladora de escalar a pirâmide; o grau de publicidade que será conferida às informações do processo; o nível de controle de terceiros; os prazos e competências; e a aplicação de precedentes.

Apesar de louvável a abertura em prol de novos modelos regulatórios, existe um longo caminho a ser percorrido para que a teoria seja colocada em prática. Não é possível agir com base na teoria da regulação responsiva sem que haja respaldo em regras previamente postas, as quais devem, inclusive, ser colocadas a escrutínio público através de consulta pública e sopesadas no âmbito de uma Análise de Impacto Regulatório (em obediência aos artigos 6º e 9º da Lei nº 13.848/2019). A segurança jurídica deve advir da expressão das regras do jogo, as quais devem dispor de previsibilidade, uniformidade, racionalidade e transparência. Só assim é possível se falar em uma verdadeira incorporação da teoria da regulação responsiva

Por fim, há críticas à aplicação da regulação responsiva no Brasil, especialmente no que se refere ao risco de que sua implementação possa legitimar um padrão de flexibilização excessiva, transformando-se em um mecanismo de complacência regulatória. Para alguns críticos, ao permitir que penalidades sejam moduladas de acordo com o comportamento do regulado, o modelo pode abrir margem para subjetividades e tratamentos diferenciados, reduzindo a previsibilidade regulatória e criando brechas para favorecimentos indevidos. No contexto brasileiro, essa abordagem reflete um padrão recorrente de flexibilização na aplicação das normas, caracterizado pela adaptação regulatória por meio de negociações informais, laços pessoais e estratégias de acomodação.

Essa permissividade pode comprometer a rigidez necessária para a segurança jurídica e a estabilidade regulatória e, em vez de promover maior eficiência regulatória, a regulação responsiva poderia, em certos contextos, servir para institucionalizar a flexibilização de obrigações e enfraquecer o poder coercitivo dos órgãos reguladores, gerando insegurança jurídica e afetando a credibilidade do ambiente de negócios. Como afirma Luiz Afonso dos Santos Senna:

iNFRADebate: Regulação responsiva – uma versão erudita do jeitinho brasileiro

Por Luiz Afonso dos Santos Senna

Nos últimos anos a discussão sobre regulação passou a incluir de forma insistente a denominada regulação responsiva, baseada em Braithwaite, supostamente visando a busca de uma atuação mais efetiva e de melhores índices de conformidade regulatória por parte das agências reguladoras. A regulação responsiva é considerada uma alternativa ao modelo regulatório baseado essencialmente em punições, conhecido como “comando e controle”. Segundo os defensores da ideia, o comando e controle, quando utilizado de forma exclusiva, encontraria limitações, já que não existem incentivos para que o regulado cumpra voluntariamente os requisitos postos pelo regulador. Além disso, as multas, as suspensões e as cassações tenderiam a ser excessivamente pesadas, tanto para o regulador quanto para o regulado que demostra um histórico de colaboração e comprometimento com os objetivos regulatórios.  

Ainda sob o ponto de vista dos defensores da regulação responsiva, a adoção exclusiva de ferramentas de comando e controle pode gerar diversos problemas, como normativos demasiadamente prescritivos, elevado volume de processos sancionadores e de custos administrativos, pouca liberdade do regulador frente à diversidade de comportamentos dos regulados e baixa efetividade das sanções aplicadas. Em consequência disso, cada vez mais os reguladores, dos mais diversos setores, estariam migrando para um modelo de regulação responsiva.

Ora, os editais de licitação e os contratos das concessões devem ser absolutamente claros no que tange às metas e indicadores a serem observados ao longo da vigência do contrato, e as penalidades em caso de não cumprimento também são lá colocadas. Se o contrato for plenamente observado e executado, inexistem razões para a aplicação de penalidades; estas somente são acionadas em caso de descumprimento por parte do concessionário. 

Não há razões para alegar desconhecimento que levam ao não cumprimento das metas e indicadores. Ao chamar a iniciativa privada para participar do provimento de infraestrutura, o estado busca preencher duas características principais: capacidade financeira para prover capex e opex, que pode incluir equityproject finance, debêntures, stock options, enfim composições e arranjos financeiros vários; e capacidade de gestão, em que inexiste qualquer dúvida sobre o setor privado ser mais eficiente do que o setor público. 

Por outro lado, ao abrir a possibilidade de que multas e demais penalidades possam ser negociadas, estar-se-á abrindo a possibilidade de discricionariedade por parte das agências. Observe-se que, tanto nos casos de regulação quanto na segurança regulatória, aspectos como governança, accountability e transparência constituem-se em itens fundamentais. Em síntese, o poder discricionário deve ser evitado ou reduzido a níveis mínimos, o que é embasado por uma frase célebre de Rui Barbosa: “Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar contornos definidos e inequívocos à condição que o limita“. Trata-se, de fato, da necessidade de redução da discricionariedade, ou atos em que a autoridade que o pratica possui certa iniciativa pessoal no que se refere à conveniência e oportunidade. Em outras palavras, deve ser minimizada a possibilidade que para casos similares existam sentenças diferentes.

Muito embora sejam bem-vindas propostas supostamente inovadoras, é sempre fundamental que sejam observados os contextos sociais, culturais e econômicos em que as propostas foram concebidas. Mas, se a ideia é que se permita o não cumprimento de metas e indicadores, ou do contrato com um todo, a ação menos custosa é simplesmente evidenciar no edital e nos contratos tal possibilidade; em outras palavras, os contratos não contemplariam a previsão de multas e demais penalidades. Obviamente, estou sendo sarcástico… Em vez de fazer cumprir as regras, a proposta da regulação responsiva é “passar a mão por cima”, “aliviar as penalidades”, “ser soft”. Aliás, iniciativas semelhantes têm sido observadas em outros setores, como reduções de penalidades em infrações de trânsito e multas ambientais, entre outras… As agências precisam ser regidas por regramentos claros, transparentes e inequívocos. A discricionariedade, no nível em que está sendo proposta, não é boa para ninguém (inclusive a quem pretende beneficiar) e fragiliza a previsibilidade, a transparência e a independência, itens fundamentais para uma agência que faça jus a esse nome.

Essa preocupação reforça a necessidade de critérios objetivos e transparência na adoção de medidas alternativas às sanções tradicionais.

Em suma, embora a regulação responsiva represente um avanço ao permitir uma atuação mais diferenciada e adaptativa, sua implementação exige um compromisso institucional significativo para garantir previsibilidade, transparência e coerência na aplicação das sanções e incentivos. Sem esses elementos, há o risco de que o modelo perca credibilidade, seja pela incapacidade de punir efetivamente infrações graves, seja pela percepção de arbitrariedade no tratamento dos regulados.

No entanto, a regulação responsiva continua sendo a solução mais eficaz para aprimorar a fiscalização e garantir maior efetividade no cumprimento das normas. O modelo tradicional de comando e controle, baseado exclusivamente na aplicação automática de sanções, revela limitações significativas, como alta litigiosidade, elevados custos de monitoramento e baixo impacto sobre a mudança de comportamento dos regulados. Além disso, a imposição rígida de penalidades não assegura necessariamente maior conformidade, podendo levar a estratégias de evasão ou mero cumprimento formal das exigências regulatórias sem ganhos reais para a sociedade.

Ao priorizar respostas graduais e proporcionais ao risco e ao histórico dos regulados, a regulação responsiva otimiza o uso dos recursos das agências e permite uma abordagem mais estratégica. Essa flexibilidade possibilita a concentração de esforços em casos críticos, evitando fiscalizações burocráticas que muitas vezes apenas sobrecarregam o sistema regulatório sem gerar benefícios concretos. Além disso, regulações excessivamente rígidas podem ser substituídas por mecanismos que promovam ajustes dinâmicos sem comprometer a segurança jurídica.

Outro diferencial está na capacidade desse modelo de fomentar uma relação mais colaborativa entre reguladores e regulados. Em vez de um ambiente estritamente punitivo, a construção de soluções pactuadas, como planos de conformidade e incentivos graduais, gera maior engajamento e incentiva a internalização das boas práticas, sem abrir mão da possibilidade de sanções rigorosas quando necessário. Dessa maneira, a fiscalização se torna mais eficaz ao induzir mudanças estruturais no comportamento das empresas e instituições submetidas à regulação. Para que a regulação responsiva atinja plenamente seu potencial, sua implementação deve estar respaldada por diretrizes claras, mecanismos de controle eficazes e um sistema de monitoramento contínuo. Com isso, evita-se que a flexibilidade regulatória seja interpretada como permissividade, garantindo que o modelo funcione como um instrumento de aprimoramento institucional, e não como um fator de fragilização do enforcement regulatório. Dessa maneira, longe de comprometer a efetividade da regulação, essa abordagem se firma como um avanço necessário para modernizar a atuação estatal, reforçar a previsibilidade do ambiente normativo e aprimorar a qualidade dos serviços prestados à sociedade.

3. DEBATENDO

  1. Como a aplicação desproporcional de sanções pode impactar o comportamento dos regulados?
  2. Em que situações o comando e controle pode ser mais eficiente que outros modelos de regulação?
  3. Como as agências reguladoras podem evitar a aplicação de sanções desproporcionais?
  4. Quais são as principais críticas ao método de comando e controle no contexto atual de regulação?
  5. Como a repartição de riscos em concessões pode ser impactada por uma regulação excessivamente punitiva?
  6. Como a implementação de sanções mais proporcionais poderia melhorar a eficiência da regulação por comando e controle?
  7. Como a regulação responsiva pode ajudar a corrigir as falhas do modelo de comando e controle?
  8. Quais são os mecanismos centrais da regulação responsiva para promover comportamentos mais colaborativos?
  9. Como a regulação responsiva lida com a aplicação de sanções de forma escalonada?
  10. Qual é o papel do diálogo entre regulador e regulado na regulação responsiva?
  11. Quais são os desafios práticos para implementar um modelo de regulação responsiva em larga escala?
  12. De que forma a responsividade pode gerar maior confiança entre os regulados e as agências reguladoras?
  13. Em que medida a regulação responsiva se adapta melhor a contextos de incerteza e mudanças rápidas de mercado?
  14. Como a análise comportamental pode complementar a regulação responsiva para promover decisões mais eficazes?
  15. Dado o cenário em que muitas multas aplicadas pelas agências reguladoras não são arrecadadas e, quando o são, passam por longos processos administrativos e judiciais, não seria o modelo tradicional de comando e controle disfuncional ao falhar em corrigir os problemas na raiz e efetivamente modificar o comportamento dos agentes regulados?

4. APROFUNDANDO

A reflexão sobre os modelos de regulação tem atraído a atenção de diversos atores, tanto no Brasil quanto no exterior. Se houver interesse em explorar mais o tema, aqui estão algumas sugestões de leituras.

AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate. New York: Oxford University Press, 1992. Disponível em: http://johnbraithwaite.com/wp-content/uploads/2016/06/Responsive-Regulation-Transce.pdf. Acesso em: 24 out. 2024.

BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding Regulation: Theory, Estrategy, and Practice. 2ª ed. Oxford University Press, 2012.

BAR-GILL, Oren; EPSTEIN, Richard A. Consumer Contracts: Behavioral Economics vs. Neoclassical Economics. Research Paper nº 07-17, Minnesota Law Review, Vol. 92, 2007-2008. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=982527. Acesso em: 24 out. 2024.

Better Regulation in Europe. OCDE. Disponível em: http://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/45079126.pdf. Acesso em: 24 out. 2024.

BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, Ordenação e Regulação. 3. ed, 1ª. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

BRASIL. Resolução n. 599, de 14 de dezembro de 2020 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/2020/resolucao-no-599-14-12-2020. Acesso em: 24 out. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 4.547/2020 – Plenário. Relator: Ministro Vital do Rêgo. Processo: TC 015.981/2020-7. Julgado em 02 de dezembro de 2020.

CALLAN, L. Joseph. Risk-Informed, Performance-Based Regulation. Disponível em: https://www.nrc.gov/reading-rm/doc-collections/commission/secys/1998/secy1998-144/1998-144scy.pdf. Acesso em: 24 out. 2024.

CARDOSO, F. R. M. CGU Além do Comando e Controle: Uma Comparação com a Regulação Responsiva. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 7, nº 1, maio-junho 2021, p. 150-193.

CARNAES, M. Breve reflexão sobre a regulação responsiva. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jun-20/artx-publico-pragmatico-breve-reflexao-regulacao-responsiva/>. Acesso em: 1 fev. 2025.

CAVALLINI, Marta. Richard Thaler ganha Nobel de Economia em 2017 por unir economia e psicologia. Globo.com, 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/premio-nobel-de-economia-vai-para-criador-da-teoria-da-contabilidade-mental.ghtml. Acesso em: 24 out. 2024.

KOROBKIN, Russell; ULEN, Thomas. Law and Behavioral Science: Removing the Rationality Assumption from Law and Economics. California Law Review, v. 88, n. 4, p. 1051-1144, 2000. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3481255. Acesso em: 24 out. 2024.

OLIVEIRA, J. R. P.; SEGUNDO, L. P. F. Pimenta e Segundo: Administrativo sancionador de agências reguladoras. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-dez-13/pimenta-oliveira-administrativo-sancionador-agencias-reguladoras/>. Acesso em: 1 fev. 2025.

PALMA, Juliana Bonacorsi de. Regulação Responsiva: a visão do TCU. Jota, v. 1, p. 1, 2023.

PEREIRA, Daniel G. Regulação Responsiva no Brasil: A Experiência da ANAC. Disponível em: https://anac.gov.br/assuntos/pais/daniel-pereira-regulacao-responsiva.pdf. Acesso em: 24 out. 2024.

PODER360. Agências reguladoras somam mais de R$ 23 bi em multas a receber. Poder360, 07 jul. 2024. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/poder-economia/agencias-reguladoras-somam-mais-de-r-23-bi-em-multas-a-receber/>. Acesso em: 31 jan. 2025.

SANTOS, Cristiane Barbieri dos. A Regulação no Brasil e o Paradigma da Regulação Responsiva: O Caso da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. 2017. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12140/tde-15062017-172804/publico/Cristiane_Barbieri_Santos_versao_corrigida.pdf. Acesso em: 24 out. 2024.

SENNA, Luiz Afonso dos Santos. Regulação responsiva – uma versão erudita do jeitinho brasileiro. Agência iNFRA, 25 mar. 2022. Disponível em: <https://agenciainfra.com/blog/infradebate-regulacao-responsiva-uma-versao-erudita-do-jeitinho-brasileiro/> Acesso em: 31 jan. 2025.

SILVA, Alexandre Almeida da. Uma análise breve da atuação da ANATEL sob a perspectiva da regulação responsiva. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2022/9/A2D59070DD906E_Umaanalisebrevedaatuacaodaanat.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2025.

ANEXO – Dinâmicas para o ensino participativo da regulação responsiva

Este roteiro foi desenvolvido para maximizar a qualidade acadêmica e técnica das aulas, integrando diferentes abordagens regulatórias – como o modelo tradicional de comando e controle e a regulação responsiva – a fim de proporcionar uma compreensão ampla e crítica do tema. O objetivo vai além da simples transmissão de conhecimento, buscando oferecer uma experiência acadêmica que estimule a originalidade e a criatividade dos alunos. As atividades foram desenhadas para engajar a turma em discussões aprofundadas, promovendo a reflexão sobre os distintos modelos regulatórios e suas implicações teóricas e práticas.

A estrutura do curso foi planejada para ser replicável em diferentes contextos educacionais, permitindo a adaptação dos conceitos centrais conforme necessário. O modelo de comando e controle é explorado em sua forma tradicional, baseada na imposição de regras e sanções, enquanto a regulação responsiva é abordada como uma alternativa que ajusta a intervenção estatal de acordo com o comportamento dos regulados. Essa flexibilidade permite a aplicação do roteiro em diversas disciplinas e cenários de ensino, garantindo que a análise regulatória esteja sempre conectada à realidade prática.

Cada componente do roteiro foi cuidadosamente selecionado para fornecer uma base teórica sólida, ao mesmo tempo em que estimula a participação ativa e colaborativa dos alunos. A inclusão de exercícios práticos, role-playing e estudos de caso cria um ambiente dinâmico de aprendizado, incentivando os alunos a debater, questionar e propor soluções para desafios regulatórios concretos. Esse enfoque não apenas facilita a absorção dos conteúdos, mas também fortalece habilidades críticas e analíticas essenciais para a atuação profissional.

Através dessa abordagem integrada, o roteiro promove o aprofundamento nos temas regulatórios contemporâneos, permitindo que os debates ultrapassem o ambiente acadêmico e dialoguem com desafios reais. A expectativa é que os alunos não apenas compreendam os diferentes modelos regulatórios, mas saibam aplicá-los de forma crítica e estratégica, ampliando sua capacidade de enfrentar a complexidade dos problemas regulatórios em suas carreiras. Assim, este material se apresenta como uma plataforma para fomentar o pensamento inovador e a prática reflexiva, preparando os alunos para transformar os desafios da regulação atual.

A seguir são apresentadas cinco propostas de dinâmica de aprendizado participativo da regulação responsiva.

1. Simulação de Inspeção Regulatória Responsiva:

  • Objetivo: Explorar o processo de fiscalização e aplicação de sanções no modelo de comando e controle.
  • Cenário: Um grupo de estudantes desempenha o papel de reguladores de uma agência que fiscaliza uma empresa de transporte público. A empresa cometeu infrações ao contrato de concessão e deve ser punida. Um dos participantes desempenha o papel de gerente da empresa, responsável por justificar as ações da empresa.
  • Atividade: Os reguladores devem discutir e determinar a sanção apropriada, enquanto o gerente deve defender a empresa, propondo justificativas para mitigar a penalidade. Os reguladores devem decidir se aplicam uma multa proporcional ou desproporcional e as consequências dessa escolha.
  • Debriefing: Discutir como as decisões tomadas se alinham com os princípios de comando e controle e como sanções desproporcionais podem afetar a relação com o regulado.

2. Negociação de Acordo Regulatório Responsivo:

  • Objetivo: Experimentar o uso de uma abordagem responsiva para resolver disputas regulatórias.
  • Cenário: Um grupo de estudantes é dividido em duas equipes: uma equipe representa a agência reguladora e a outra, uma empresa que cometeu várias infrações contratuais. No entanto, a empresa está disposta a cooperar para corrigir os problemas.
  • Atividade: Ambas as partes devem negociar um acordo regulatório em que as sanções sejam escalonadas de acordo com o nível de cooperação da empresa. A agência pode propor um plano de ação gradual, como medidas corretivas e incentivos, antes de aplicar sanções mais severas.
  • Debriefing: Discutir como a abordagem responsiva difere do comando e controle e se o acordo negociado foi benéfico para ambas as partes.

3. Planejamento de Estratégias Regulatórias Responsivas:

  • Objetivo: Desenvolver um plano de ação para um caso realista, considerando os princípios da regulação responsiva.
  • Cenário: Uma agência reguladora identificou uma série de falhas operacionais em empresas de distribuição de energia elétrica. Há um histórico de reincidência, mas algumas empresas demonstraram interesse em adotar melhorias voluntárias.
  • Atividade: Divididos em grupos, os alunos devem elaborar estratégias regulatórias para diferentes perfis de empresas, variando desde ações preventivas e planos de conformidade até sanções mais severas para casos de descumprimento reiterado.
  • Debriefing: Cada grupo apresenta sua estratégia e discute como diferentes abordagens podem impactar a eficiência regulatória, incentivando o cumprimento voluntário antes da aplicação de penalidades.

4. Resolução de Caso – Sanção versus Incentivo na Regulação Responsiva:

  • Objetivo: Analisar a decisão entre aplicar uma sanção ou utilizar um incentivo para promover o cumprimento regulatório.
  • Cenário: A agência reguladora está lidando com uma empresa que, embora tenha cumprido parcialmente suas obrigações, ainda apresenta problemas em algumas áreas-chave. Um grupo desempenha o papel da agência e outro, o da empresa.
  • Atividade: A agência deve avaliar a melhor abordagem para corrigir as falhas da empresa, decidindo entre sanções graduais, advertências, planos de conformidade e incentivos regulatórios. A empresa pode apresentar justificativas e propor ajustes.
  • Debriefing: Discutir as implicações de cada abordagem, avaliando se o uso de medidas responsivas promove um cumprimento mais eficiente e sustentável das normas.

5. Julgamento Simulado – Regulação Responsiva em Ação:

  • Objetivo: Avaliar um caso concreto sob a ótica da regulação responsiva.
  • Cenário: A agência reguladora identificou falhas operacionais graves em uma concessionária de rodovias. A empresa afirma que as falhas decorrem de dificuldades econômicas e solicita um prazo para adequação antes da aplicação de penalidades.
  • Atividade: Os alunos são divididos em três grupos: reguladores, representantes da concessionária e um painel avaliador. Os reguladores devem decidir entre aplicar sanções, estabelecer um plano de conformidade ou combinar diferentes abordagens. A concessionária apresenta sua defesa e propostas de solução. O painel avaliador analisa os argumentos e dá um parecer final.
  • Debriefing: Comparar as decisões tomadas com princípios da regulação responsiva, discutindo a proporcionalidade das respostas regulatórias e seu impacto no cumprimento das normas.