Roteiro de Aula

Como os Tribunais de Contas controlam as contratações públicas?

Retratos de controle de contas em ação.

1. CONHECENDO O BÁSICO

Se você abrir qualquer manual de direito administrativo, constatará que todos eles dão destaque às contratações públicas. Informações sobre o tema provavelmente poderão ser encontradas em tópicos voltados às licitações — procedimento administrativo prévio à celebração de contratos pelo poder público — e aos contratos administrativos — expressão importada do direito francês para designar contratos especiais celebrados pelo poder público.

Além de as contratações públicas mobilizarem autores da área, elas ocupam parte significativa do cotidiano dos profissionais que praticam o direito administrativo. Afinal, é por meio de contratos celebrados com a iniciativa privada — de curto, médio e longo prazo, com graus de sofisticação variados — que o poder público implementa boa parte dos projetos de interesse da coletividade — construção de escolas e hospitais, fornecimento de materiais didáticos a alunos da rede pública de ensino, fornecimento de insumos e vacinas para postos de saúde, construção de infraestrutura pública (a exemplo de rodovias, portos, aeroportos, parques, redes de água e esgoto, redes de gás canalizado e usinas de geração de energia), provimento de serviços em geral (a exemplo do fornecimento de água, luz, telefone e gás), entre outros.

As normas preveem tipos contratuais diferentes adaptados a objetivos variados —contratos de fornecimento, de obra, de concessão (comum, patrocinada e administrativa) etc. Ademais, nem todo procedimento prévio à celebração de contrato é licitação e nem toda licitação é igual.

O universo das contratações públicas é amplíssimo e repleto de nuances. Seria inviável esgotá-lo em uma aula — o assunto é pano para manga e poderia ser objeto de um curso só dele. Mas, calma: com tempo, estudo e prática, você será capaz de identificar as peças desse quebra-cabeças e de montá-lo com relativa facilidade.

Esta aula mergulha nesse ambiente em busca de algo bastante pontual: demonstrar que o universo das contratações públicas, muito em função da sua relevância e do montante de recursos públicos que mobiliza, está sob escrutínio constante de controles estatais, que, ao exercerem suas funções, acabam vetando ou apontando caminhos, direcionando a aplicação de normas, conformando institutos, influindo na ação do poder público. A premissa é a de que, para bem entendê-lo, você não poderá ficar apenas no plano das normas; deverá olhar para a prática administrativa — isto é, para o modo como a administração modela contratos e procedimentos prévios à sua celebração — e, também, para manifestações de controles estatais que de algum modo participam das fases da vida dos contratos públicos.

Se você encontrar por aí um profissional da área mais experimentado, pergunte a ele: antigamente, em qual ambiente costumavam ser discutidos e decididos os principais temas relacionados às contratações públicas? O mais provável é que a resposta seja a seguinte: no Poder Judiciário. O Judiciário, evidentemente, segue sendo um importante intérprete das normas sobre contratações públicas — o Brasil adota o modelo de jurisdição una, de modo que também cabe ao Judiciário decidir questões afetas à administração (em certos países, como a França, assuntos da administração têm de ser discutidos em foro específico, na jurisdição administrativa, que não se confunde com o Judiciário). De alguns anos para cá, no entanto, o principal ambiente para se discutir a fundo e com tecnicidade as grandes questões sobre o tema passou a ser outro: os tribunais de contas.

O Brasil tem 33 tribunais de contas. Há o Tribunal de Contas da União (focado nos assuntos da administração federal), tribunais de contas estaduais (focado em assuntos das administrações de Estados e de seus respectivos municípios), tribunais de contas de municípios (apenas Pará, Bahia e Goiás possuem, para além de tribunais de contas estaduais, tribunais de contas do conjunto de municípios do Estado) e tribunais de contas de municípios específicos (focados nos assuntos de um determinado município — apenas as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro têm seus próprios tribunais de contas).

As competências dos tribunais de contas estão previstas nos arts. 70 a 75 da Constituição (não deixe de ler esses dispositivos), nas leis orgânicas de cada tribunal de contas e em leis que, ao versarem sobre assuntos do estado (a exemplo das contratações públicas), preveem possibilidades e limites para o controle a ser exercido por tribunais de contas (veja, por exemplo, o art. 170 e ss. da Lei nº 14.133, de 2021, a lei geral de licitações e contratos). No esforço de compreender esses órgãos de controle, não despreze seus regimentos internos e outros atos normativos por eles editados. Eles podem conter surpresas interessantes.

Diferentemente do Judiciário, os tribunais de contas não estão amarrados em uma estrutura hierárquica e piramidal. Cada um deles tem jurisprudência própria (não raro, desenvolvem entendimentos bem diferentes entre si sobre um mesmo assunto) e uma organização interna específica. Não há, em âmbito nacional, coordenação no controle de contas — seja do ponto de vista jurisdicional, seja do ponto de vista administrativo.

Sabemos o que você está pensando: confusão à vista. Ok, não vamos mentir. De fato, a ausência de mecanismos de governança no controle de contas realmente traz complexidades práticas. Conhecê-las e levá-las em consideração é crucial para quem quer bem navegar pelas águas das contratações públicas.

Grosso modo, cabe aos tribunais de contas fiscalizar o uso de recursos públicos por agentes públicos. À luz da legislação sobre finanças públicas em sentido amplo, tribunais de contas devem avaliar decisões tomadas por agentes públicos que administram dinheiros públicos e julgar suas contas. Se identificarem irregularidades no seu campo de atuação, podem mandar a administração corrigi-las, aplicar multas a gestores públicos e, se identificaram algum débito, podem obrigar sua quitação. Veja bem: tribunais de contas têm poder constritivo sobre a administração e sobre as pessoas físicas que ocupam funções públicas — um poder e tanto.

Com o passar dos anos, os tribunais de contas passaram a se dedicar mais e mais às contratações públicas. É compreensível. Contratos são importantes fontes de receitas e despesas públicas. Mas no afã de conferir efetividade a seu papel institucional, tomaram para si novos papeis e, como se verá, passaram a estar presentes em praticamente todo o ciclo das contratações públicas — em certos casos, até mesmo no nascedouro de contratos e mesmo depois de ser extinto.

A seguir, apresentaremos a você exemplos práticos da atuação de tribunais de contas — da União, de Estados e de Municípios — em diferentes fases de uma contratação pública — antes da publicação do edital de licitação; após a publicação do edital de licitação, mas antes da celebração do contrato; após a celebração do contrato; e antes da celebração de um termo aditivo ao contrato em execução. Cada exemplo — que poderá envolver um simples contrato para a reforma de edifícios ou um complexo contrato de concessão — será acompanhado da apresentação das normas jurídicas que ajudam a contextualizar a ação do controle e de textos acadêmicos voltados a estimular sua reflexão.

Depois, propomos a você um roteiro de perguntas cabeludas. Dedicar-se a elas é uma boa maneira de estudar o assunto e de ganhar autonomia para alçar novos voos no ambiente das contratações públicas e seu controle. Vamos lá?

2. CONCETANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA

Essa parte da aula tem três objetivos distintos. O primeiro, ilustrar as diferentes fases que podem compor o processo de contratação pública. O segundo, demonstrar, por meio de exemplos concretos, que os tribunais de contas, a depender da esfera federativa a que pertençam e do tipo de contrato administrativo sob enfoque (contrato simples de fornecimento, contrato de obra, contrato de parceria etc.), poderão se fazer presente em cada uma delas. O terceiro, provocar reflexões sobre possibilidades, limites e riscos da participação do controle de contas em cada etapa de uma contratação pública.

Vamos começar refletindo sobre a possível presença dos tribunais de contas na fase inicial da contratação pública: a formulação do edital de licitação (instrumento elaborado pela administração pública que orienta todo o processo de contratação). Na experiência brasileira, você poderá fazer esse flagra em âmbito federal. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem longa tradição na análise das premissas de editais dos complexos contratos de concessões.

No exemplo abaixo, colhido do próprio site do TCU, você verá a notícia do exame do edital de uma das mais importantes contratações públicas realizadas nos últimos tempos.

Leilão da tecnologia 5G deverá garantir internet de qualidade para todas as escolas públicas

O TCU determinou ainda que os contratos de telefonia móvel de 5ª geração deverão garantir a construção de infovias para aumentar a conectividade da Amazônia

Portal TCU, 26 de agosto de 2021.
Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/leilao-da-tecnologia-5g-devera-garantir-internet-de-qualidade-para-todas-as-escolas-publicas.htm.

O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou, nesta quarta-feira (25/8), análise da minuta do edital da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a licitação, por meio de leilão, de 16 lotes nacionais de autorizações de uso das radiofrequências nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz. (…)

O TCU recomendou à Anatel e ao Ministério das Comunicações que incluam compromissos no edital do leilão do 5G que estabeleçam a obrigação da conectividade das escolas públicas de educação básica, com a qualidade e velocidade necessárias para o uso pedagógico das tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas atividades educacionais regulamentadas pela Política de Inovação Educação Conectada. (…) O TCU determinou ainda que os contratos de telefonia móvel de 5ª geração deverão garantir a construção de infovias para aumentar a conectividade da Amazônia.

Cedraz defendeu que o edital da licitação precisaria de ajustes no que diz respeito às taxas de depreciação dos equipamentos, que estariam muito altas, a ponto de estarem “desconectadas da realidade”. O ministro-revisor apontou também haver excesso de estações rádio base, que geraria redução no preço mínimo da outorga.

O interessante, aqui, é notar o tipo de análise que o tribunal faz e o tipo de contribuição que procura dar à administração pública contratante. Para ajudá-la a celebrar bons contratos, o TCU desce a minúcias e procura colaborar com a formatação mesma do contrato a ser celebrado.

Na avaliação do TCU, essa modalidade de controle estaria autorizada pela Lei nº 9.491/1997 — o diploma versa sobre as “desestatizações”, sendo a concessão de serviços públicos uma de suas modalidades.

LEI Nº 9.491, DE 9 DE SETEMBRO DE 1997.

Altera procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização, revoga a Lei n° 8.031, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais:

I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

II – contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;

III – permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

IV – contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

Art. 2º Poderão ser objeto de desestatização, nos termos desta Lei:

I – empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo;

II – empresas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União;

III – serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização;

IV – instituições financeiras públicas estaduais que tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-lei n° 2.321, de 25 de fevereiro de 1987.

V – bens móveis e imóveis da União.

Art. 16. As empresas incluídas no Programa Nacional de Desestatização que vierem a integrar o Fundo Nacional de Desestatização terão sua estratégia voltada para atender os objetivos da desestatização.

Art. 17. O Fundo Nacional de Desestatização será administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, designado Gestor do Fundo.

Art. 18. Compete ao Gestor do Fundo:

VIII – preparar a documentação dos processos de desestatização, para apreciação do Tribunal de Contas da União.

Os tribunais de contas costumam regulamentar sua atuação por meio de normativos internos — às vezes com base legal para tanto, às vezes sem. Para disciplinar a participação do controle de contas nos chamados “processos de desestatização”, o TCU resolveu editar Instrução Normativa nº 81/2018.

INSTRUÇÃO NORMATIVA TCU N° 81/2018.

Dispõe sobre a fiscalização dos processos de desestatização.

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, no exercício da competência prevista no art. 71, inciso IV, da Constituição Federal de 1988;

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Ao Tribunal de Contas da União compete fiscalizar os processos de desestatização realizados pela Administração Pública Federal, compreendendo as privatizações de empresas, as concessões e permissões de serviço público, a contratação das Parcerias Público-Privadas (PPP) e as outorgas de atividades econômicas reservadas ou monopolizadas pelo Estado.

Art. 2º O controle das desestatizações será realizado por meio da sistemática prevista nesta Instrução Normativa e dos instrumentos de fiscalização definidos no Regimento Interno do Tribunal de Contas da União.

Art. 3º O Poder Concedente deverá disponibilizar, para a realização do acompanhamento dos processos de desestatização, pelo Tribunal de Contas da União, os estudos de viabilidade e as minutas do instrumento convocatório e respectivos anexos, incluindo minuta contratual e caderno de encargos, já consolidados com os resultados decorrentes de eventuais consultas e audiências públicas realizadas, materializados nos seguintes documentos, quando pertinentes ao caso concreto: (…)

CAPÍTULO II

ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO

Art. 9º A unidade responsável pela instrução do processo de acompanhamento da desestatização deverá autuá-lo, analisar os documentos e informações de que trata o art. 8º, e remeter a proposta de mérito ao Relator em prazo de até setenta e cinco dias a contar da data de seu recebimento, a fim de que o Tribunal emita pronunciamento quanto à legalidade, legitimidade e economicidade dos atos fiscalizados.ão dos processos de desestatização, para apreciação do Tribunal de Contas da União.

Observe que, conforme o art. 3º da IN-TCU nº 81/2018, o poder concedente deve disponibilizar ao tribunal, para o devido acompanhamento do processo de desestatização, a minuta do edital de licitação e documentos anexos.

Artigo publicado no portal JOTA analisou a participação do TCU na licitação do 5G. O texto provoca a pensar: será que o Direito brasileiro realmente teria autorizado o controle de contas a fiscalizar edital não publicado? Ao condicionar a publicação do edital do 5G ao cumprimento de determinações, teria o TCU exorbitado de suas competências? Seria adequada a presença do controle de contas na fase de modelagem de contratações públicas?

Licitação do 5G: crise de identidade na administração e no controle

Interação entre TCU e ANATEL ilustra governança pública disfuncional e inconstitucional

Por André Rosilho
JOTA, 08 setembro 2021.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/licitacao-do-5g-crise-de-identidade-na-administracao-e-no-controle.

A licitação do 5G será a maior oferta de espectro de radiofrequência da história da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Em 25 de agosto, o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou sobre o edital do 5G. Pelo acórdão 2032/2021-Plenário, emitiu um conjunto de recomendações ao regulador e condicionou a publicação do edital ao cumprimento de uma série de determinações.

A aprovação prévia de desestatizações pelo TCU não tem base em lei. Foi inventada pelo Tribunal por ato normativo interno (instrução normativa 27/1998, substituída pela instrução normativa 81/2018).

No caso do 5G, uma das considerações de técnicos e ministros, dentre outras, foi a relacionada a seu uso para aumentar a conectividade de escolas públicas de educação básica, uma demanda de parlamentares.

A SeinfraCom, ao constatar a “ausência de compromissos no edital do 5G relacionados à conectividade de escolas públicas”, propôs que se recomendasse à ANATEL “a conveniência e oportunidade de incluir compromissos no edital do leilão do 5G que estabele[cessem] a obrigação de conectividade das escolas públicas de educação básica, com qualidade e velocidade necessárias para o uso pedagógico das TIC [Tecnologia da Informação e Comunicação] nas atividades educacionais regulamentadas pela Política de Inovação Educação Conectada”.

Mesmo ciente de que “não cabe ao TCU definir as políticas públicas”, o ministro relator propôs converter a sugestão em determinação.

Por conta de ressalvas de outros ministros e do “compromisso público assumido pelo Ministro das Comunicações (…) de que dará a este assunto tratamento idêntico ao que daria se constasse do acórdão do TCU como determinação, e não como recomendação”, o relator cedeu. Sua decisão foi seguida pela maioria.

Em nota, o Ministro das Comunicações, que não é o regulador, revelou entusiasmo: “nós do Ministério das Comunicações acataremos [essa recomendação] como DETERMINAÇÃO e implantaremos essa política pública!”.

O acórdão ilustra o já documentado fenômeno da assunção do papel de corregulador pelo TCU, à margem da Constituição e das leis. No caso, ele funcionou como esfera de pressão política. Usou seu poder de veto para levar o Executivo a tomar medida que ao ver de certos grupos seria boa à luz do interesse público.

A defesa da participação do controle na tomada de decisões normalmente recorre a argumento pragmático: o consenso ex-ante com o controle seria útil para aprimorar decisões e trazer segurança jurídica.

Mas não faz sentido, em um Estado de Direito, ler as competências de instituições estatais com desprezo ao Direito e de modo utilitarista, a partir de resultados que se espera alcançar com seu exercício.

Afora isso, a se levar o argumento a sério, por que limitar o consenso prévio ao TCU? Outros controles teriam algo a agregar? Certamente sim.

Consensos amplos e prévios podem melhorar a decisão a ser tomada. Mas há custos inerentes à multiplicação de vetos. Aumentam-se os riscos de paralisia decisória, de pressões obscuras, de sabotagens políticas, de apropriação de projetos por grupos de interesses etc. Talvez por isso a legislação tenha optado por priorizar controles a posteriori. Não é possível naturalizar a assunção de administração ativa por órgãos de controle. O Brasil vive inúmeras crises. Mas a principal delas, em linha com Lara Resende, talvez seja a de governança pública. Para superá-la será preciso retomar a Constituição para, assim, ressignificar a relação entre controle e administração.

Avancemos para a fase da disputa licitatória, que se inicia com a publicação do edital de licitação e termina com a celebração do contrato. É nesse intervalo que você encontrará o grosso do trabalho dos tribunais de contas de todo o Brasil em matéria de contratações públicas.

Os exemplos abaixo, colhidos do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), ajudam a ilustrar algo muito comum no controle de editais publicados: a identificação de elementos (supostas irregularidades) que levam o controle de contas a interromper o andamento da licitação — uma tentativa de evitar a consumação de contratações potencialmente ilegais.

Ao ler as notícias, identifique as decisões que foram tomadas, o que as motivou e as condicionantes que os tribunais de contas estabeleceram para a suspensão/revogação de suas decisões.

TCMSP suspende edital de reforma e conservação de 90 escolas municipaiS

Portal TCMSP, 23 novembro 2022.
Disponível em: https://portal.tcm.sp.gov.br/Pagina/53306

A imprensa repercutiu decisão do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), por meio do conselheiro Roberto Braguim, que suspendeu um edital de concorrência da Secretaria Municipal de Educação prevendo a reforma e conservação de 90 escolas municipais da Zona Leste, em um contrato de R$ 4,7 bilhões. Os auditores do Tribunal apontaram 35 irregularidades no edital, que poderá ser liberado tão logo a Prefeitura faça os ajustes necessários. (…)

Abaixo, a resposta da Corte de Contas:

Em anexo, documentos sobre a fiscalização dos técnicos da Subsecretaria de Controle Externo (SCE), órgão técnico do Tribunal:

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) esclarece que a decisão de suspensão do edital de concorrência relacionado à reforma e conservação de 90 escolas municipais na Zona Leste, no valor de R$ 4,7 bilhões, foi baseada nas manifestações dos órgãos técnicos do Tribunal, que já acompanhavam o certame desde a sua divulgação. Os auditores e demais técnicos apontaram 35 irregularidades no edital e a determinação não teve nenhuma relação com representação protocolada no Tribunal por um vereador. A decisão, esclarece o conselheiro Roberto Braguim, que é relator do tema, é estritamente técnica. Portanto, se o edital for ajustado com as correções solicitadas pelo Tribunal, será liberado normalmente e a concorrência poderá seguir seu curso tão logo a Prefeitura faça os ajustes necessários.

TCE suspende edital de concessão de serviços de loterias no Estado

Portal TCESP, 01 dezembro 2022. Disponível em: https://tinyurl.com/2z6khr7u.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) suspendeu, na quarta-feira (30/11), edital de licitação lançado pela Secretaria de Estado de Orçamento e Gestão, que objetivava a concessão de serviços públicos lotéricos pelo prazo de 20 anos, com valor estimado de contrato de R$ 906 milhões, o leilão da Loteria Social.

Na decisão, publicada na edição no Diário Oficial do Estado de 30 de novembro, a Conselheira-Relatora apontou, dentre outros, a falta de clareza no estudo de viabilidade econômico-financeira da concessão, bem como a existência de cláusulas que restringem competitividade e participação de interessadas. A íntegra da decisão está disponível no link https://bit.ly/3iq13v4. (…)

O despacho determina o prazo de 48 horas para que a Secretaria de Orçamento e Gestão de SP encaminhe os apontamentos questionados na decisão. As justificativas do órgão serão analisadas por órgãos técnicos internos da Corte. A suspensão do edital valerá até o julgamento definitivo do caso.

Histórico. Em julho deste ano, o TCESP julgou parcialmente procedente as representações formuladas contra edital anterior (concorrência Internacional nº 01/2022). Na oportunidade, a Conselheira Cristiana de Castro Morais, determinou a anulação do certame em razão da necessidade de ampla revisão do estudo de viabilidade econômico-financeira da concessão e potenciais riscos à competitividade.

A Lei nº 14.133/2021 (lei geral de licitações e contratos) disciplina as possibilidades de atuação dos tribunais de contas nessa fase das contratações públicas.

LEI N.º 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021

Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO III

DO CONTROLE DAS CONTRATAÇÕES

Art. 170. Os órgãos de controle adotarão, na fiscalização dos atos previstos nesta Lei, critérios de oportunidade, materialidade, relevância e risco e considerarão as razões apresentadas pelos órgãos e entidades responsáveis e os resultados obtidos com a contratação, observado o disposto no § 3º do art. 169 desta Lei.

§ 4º Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar aos órgãos de controle interno ou ao tribunal de contas competente contra irregularidades na aplicação desta Lei.

Art. 171. (…) § 1º Ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o tribunal de contas deverá pronunciar-se definitivamente sobre o mérito da irregularidade que tenha dado causa à suspensão no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis, contado da data do recebimento das informações a que se refere o § 2º deste artigo, prorrogável por igual período uma única vez, e definirá objetivamente.

De maneira direta, a Lei nº 14.133/2021 permite que qualquer licitante, bem como qualquer pessoa física ou jurídica, denuncie irregularidades encontradas em um processo licitatório ao tribunal de contas competente, possibilitando a suspensão cautelar do certame. Essa possibilidade de denúncia de irregularidades em licitações em andamento é, inclusive, incorporada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em seu regimento interno, o qual também estabelece um rito para o seu julgamento.

REGULAMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO

CAPÍTULO VIII

DA REPRESENTAÇÃO, DA DENÚNCIA E DO EXAME PRÉVIO DE EDITAL

SEÇÃO I

DA REPRESENTAÇÃO

Art. 214. Excetuados os casos referidos nos artigos 215 e 220, as petições que versem sobre irregularidades em licitações, em contratos e em atos administrativos poderão ser recebidas como representação pela Presidência.

§ 1ºEm sede de representações versando sobre procedimentos licitatórios, após a distribuição, poderá haver a determinação de suspensão do certame até a decisão de homologação, aplicando-se, no que couber, as previsões constantes dos artigos 221 a 225.objetivamente.

O controle de contas, contudo, não se restringe apenas ao procedimento licitatório; ele pode ir além, estendendo-se também à execução contratual, após a celebração do contrato com o poder público.

Como será que essas fiscalizações acontecem na prática? Quais são os principais aspectos que os tribunais de contas costumam avaliar durante esses processos? E, quando encontram irregularidades, quais são as medidas que geralmente tomam? Os exemplos abaixo vão te ajudar a entender o tipo de atuação que tribunais de contas podem ter nesses casos.

MALHA PAULISTA TEM BAIXA EXECUÇÃO DE INVESTIMENTOS OBRIGATÓRIOS[1]

Auditoria do TCU na Agência Nacional de Transportes Terrestres constata que, de R$ 568,4 milhões previstos para 21 investimentos, apenas R$ 99,2 milhões em 12 investimentos foram concluídos

Portal TCU, 27 maio 2024.
Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/malha-paulista-tem-baixa-execucao-de-investimentos-obrigatorios.htm.

O Tribunal de Contas da União (TCU) fez auditoria operacional na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para avaliar a fiscalização da execução dos investimentos obrigatórios constantes do termo aditivo de prorrogação antecipada da Malha Paulista. (…)

A primeira constatação evidenciou que os investimentos previstos para o início da vigência da prorrogação antecipada foram cumpridos apenas parcialmente. No primeiro ano, foram previstos 21 investimentos, no valor total de R$ 568,4 milhões, dos quais apenas 17 foram concluídos, no valor de R$ 222,6 milhões. No entanto, a ANTT, após suas análises, considerou que foram devidamente concluídos apenas 12 investimentos, no valor total de R$ 99,2 milhões.

O TCU apontou a necessidade de análise mais aprofundada, pela ANTT, em futuras prorrogações de concessões ferroviárias, quanto aos fatores que interferiram na execução contratual. Por esse motivo, o Tribunal recomendou que a agência efetue avaliação das circunstâncias em seus planejamentos acerca de aditivos que se destinem à inclusão de novas obras em contratos de concessão ferroviária. (…)

A auditoria apontou, ainda, a morosidade na estruturação e na formalização de procedimentos de fiscalização dos investimentos obrigatórios. O ministro-relator Jhonatan de Jesus comentou que “a atuação da ANTT se mostrou significativamente lenta na definição desses procedimentos”. Para ele, se tais atrasos persistirem, “acabarão por comprometer a finalidade da prorrogação antecipada e colocar em risco as vantagens esperadas para a infraestrutura ferroviária e, consequentemente, para a economia do país”.

Além de recomendações, o TCU determinou à ANTT que elabore, em 60 dias, plano de ação com vistas ao atendimento integral do disposto no § 2º do art. 65 da Lei 14.273/2021, que tratou de prorrogações por doze meses, em virtude da pandemia de Covid-19.

TCESP aponta atraso, abandono e paralisação em obras públicas

Portal TCESP, 03 outubro 2017.
Disponível em: https://www.tce.sp.gov.br/6524-tcesp-aponta-atraso-abandono-e-paralisacao-obras-publicas.

Obras paralisadas, problemas de execução contratual, atrasos no cronograma de atividades, falta de planejamento e projetos mal elaborados. Esses são alguns problemas detectados pelo Tribunal de Contas de São Paulo (TCESP) durante fiscalização-surpresa em 212 (duzentos e doze) cidades para averiguar o andamento e condições de obras públicas conduzidas pelas administrações municipais. (…)

Segundo relatório preliminar da Corte, do total de 234 locais fiscalizados – a maioria – um percentual de 47,0% (110 obras) estava em fase de andamento e 20,09% (47 obras) paralisadas por problemas contratuais. Em sua maioria – 72,34% das situações de paralisação – não estão devidamente justificadas. Somente 77 edificações (32,91%) estavam concluídas. (…)

Os relatórios individuais de cada município fiscalizado serão encaminhados aos Conselheiros relatores das contas anuais. Todas as prefeituras serão notificadas pelo TCE – por meio dos relatores – a corrigir e prestar esclarecimentos detalhados sobre cada caso. Fiscalizações-surpresa. Essa foi a sexta fiscalização-surpresa realizada pelo TCESP em 2017. Já foram realizadas ações de fiscalização sobre as condições dos hospitais e unidades de saúde, frota municipal, Programa Saúde da Família (PSF), almoxarifados e merenda escolar. Outras vistorias em áreas consideradas prioritárias serão executadas até o final do ano. Com essas iniciativas, o Tribunal passa a verificar não só a legalidade, mas também a qualidade do gasto dos recursos públicos.

As chamadas auditorias ou inspeções — instrumentos que tribunais de contas utilizam para investigar desvios ou irregularidades, inclusive na execução de contratos — tem previsão constitucional.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

SEÇÃO IX

DA FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II.

A já mencionada Lei nº 14.133/2021, em complemento à Constituição, estabelece regras sobre o acompanhamento das contratações públicas pelos tribunais de contas. O diploma define o controle externo — e, portanto, os tribunais de contas — como uma “terceira linha de defesa”, atribuindo-lhe o papel fiscalizar as contratações públicas.

Lei n.° 14.133, de 1°de abril de 2021

Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


 CAPÍTULO III

DO CONTROLE DAS CONTRATAÇÕES

Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa:

I – primeira linha de defesa, integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;

II – segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;

III – terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.

§ 2º Para a realização de suas atividades, os órgãos de controle deverão ter acesso irrestrito aos documentos e às informações necessárias à realização dos trabalhos, inclusive aos documentos classificados pelo órgão ou entidade nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, e o órgão de controle com o qual foi compartilhada eventual informação sigilosa tornar-se-á corresponsável pela manutenção do seu sigilo.

Ao pensar na execução contratual, podemos imaginar que o contrato será cumprido e encerrado exatamente conforme planejado inicialmente. No entanto, a prática revela que a maioria dos contratos administrativos, especialmente os mais complexos e de longa duração, tende a passar por ajustes ao longo de sua vigência. Isto é, tendem a ser repactuados.  E os tribunais de contas, como você pode intuir, também podem se fazer presentes nesse momento. Vamos a um exemplo concreto.

Tribunal acompanha arrendamento do Porto de Angra dos Reis

O TCU decidiu que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários deve corrigir estimativas de demanda e de capacidade de apoio antes de celebrar o termo aditivo do arrendamento do Porto

Portal TCU, 24 junho 2024.
Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tribunal-acompanha-arrendamento-do-porto-de-angra-dos-reis.htm.

O Tribunal de Contas da União (TCU) acompanha, sob a revisão do ministro Walton Alencar Rodrigues, a prorrogação ordinária de contrato entre a empresa Terminal Portuário de Angra dos Reis S/A e a PortosRio (Autoridade Portuária), cujo objeto é o arrendamento do Terminal Portuário de Angra dos Reis (TPAR), localizado em Angra dos Reis (RJ). Após examinar os documentos apresentados pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a auditoria do TCU entendeu pertinente determinar à agência, previamente à celebração do 5º termo aditivo, que corrija as estimativas de demanda e de capacidade de apoio offshore. (…)

O TCU determinou à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que considere, na modelagem econômico-financeira do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental de rodovias (EVTEA), os efeitos dos benefícios fiscais relacionados ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura.

A Antaq terá de reavaliar as premissas de projeção de demanda considerando as fontes de planejamento setoriais oficiais, bem como a capacidade de apoio offshore, analisando a capacidade de atracação simultânea no terminal TPAR. Caso necessário, deverá adotar as medidas necessárias para a alteração dos termos da prorrogação.

A Corte de Contas também determinou que a agência reguladora reavalie, segundo as características e especificações fornecidas pela arrendatária, com relação aos guindastes móveis que serão adquiridos, o preço de referência a fim de verificar sua adequação, em atendimento ao princípio da economicidade.

O vocabulário é um tanto difícil e técnico. O que estava em jogo, no caso, era a celebração de um aditivo para viabilizar a prorrogação de um contrato no setor portuário aditivos para prorrogações contratuais. Trocando em miúdos, o que a administração pública e o particular contratado queriam era levar o contrato adiante por novo período. O TCU, contudo, identificou supostas inconsistências, ou deficiências, na repactuação do contrato que estava vigente. E emitiu uma série de determinações à administração contratante (no caso, a Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ).

Como podemos analisar a atuação do tribunal nesse caso? Ela é uma atuação vinculante, ou seja, suas decisões impõem obrigações ao gestor ou regulador público, ou é meramente opinativa?

No setor portuário, a Lei nº 13.448/2017 tem algo a dizer sobre o processo de prorrogação de contratos de longo prazo (concessões e permissões). Leia atentamente o art. 11, que detalha os termos específicos da atribuição concedida ao TCU pela referida lei.

LEI Nº 13.448, DE 5 DE JUNHO DE 2017

Estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria definidos nos termos da Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, e altera a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, e a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Lei estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria definidos nos termos da Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, e altera a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, e a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

CAPÍTULO II

DA PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE PARCERIA

Art. 10. As prorrogações de que trata o art. 5º desta Lei deverão ser submetidas previamente a consulta pública pelo órgão ou pela entidade competente, em conjunto com o estudo referido no art. 8º desta Lei.

Art. 11. Encerrada a consulta pública, serão encaminhados ao Tribunal de Contas da União o estudo de que trata o art. 8º desta Lei, os documentos que comprovem o cumprimento das exigências de que tratam os incisos I e II do § 2º do art. 6º desta Lei, quando for o caso, e o termo aditivo de prorrogação contratual.

O tema também foi objeto da já mencionada IN-TCU n° 81/2018.

INSTRUÇÃO NORMATIVA TCU N° 81/2018.

Dispõe sobre a fiscalização dos processos de desestatização.

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, no exercício da competência prevista no art. 71, inciso IV, da Constituição Federal de 1988;

CAPÍTULO III

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 10. O Poder Concedente deverá encaminhar ao Tribunal de Contas da União, com no mínimo cento e cinquenta dias da assinatura de contratos ou termos aditivos para a prorrogação ou a renovação de concessões ou permissões, inclusive as de caráter antecipado, descrição sucinta do objeto, condicionantes econômicas, localização, cronograma da prorrogação e normativos autorizativos.

§ 2º Sempre que julgar conveniente e oportuno, a unidade responsável autuará processo de acompanhamento, nos termos do art. 241 do Regimento Interno, em que serão consolidados e analisados os documentos encaminhados

§ 4º A qualquer momento, se verificados indícios ou evidências de irregularidade grave, os autos serão encaminhados, desde logo, ao Ministro Relator com proposta para adoção das medidas cabíveis.

Para fechar a aula, vamos explorar o que parece ser uma nova possibilidade para a atuação dos tribunais de contas: a homologação de soluções negociadas entre a administração pública, particulares contratados e o próprio controle de contas. O procedimento, criado por norma interna do TCU (a Instrução Normativa-TCU nº 91/2022), recebeu o nome de solicitação de solução consensual.

INSTRUÇÃO NORMATIVA – TCU Nº 91, de 22 de dezembro de 2022

Institui, no âmbito do Tribunal de Contas da União, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

O VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, NO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, em especial as conferidas pelos arts. 29 e 31, inciso I, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União (RI/TCU), e tendo em vista o disposto no art. 3º da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, e nos arts. 2º e 67, inciso I, do RI/TCU,

Considerando que o TCU já executa diversas ações de interlocução com gestores e particulares com vistas a exercer o seu papel pedagógico e orientador, de forma a auxiliá-los no estabelecimento de alternativas para a solução de problemas de interesse da administração pública;

Art. 1º A realização de procedimentos, no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), voltados para a solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal, em matéria sujeita à competência do TCU, observará o disposto nesta Instrução Normativa (IN).

Art. 2º A solicitação de solução consensual de que trata esta IN poderá ser formulada:

I – pelas autoridades elencadas no art. 264 do Regimento Interno do TCU;

II – pelos dirigentes máximos das agências reguladoras definidas no art. 2º da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019; e

III – por relator de processo em tramitação no TCU.

Art. 4º A solicitação a que se refere o art. 2º desta IN será autuada como processo de Solicitação de Solução Consensual (SSC), o qual deverá ser encaminhado à SecexConsenso, para fins de análise prévia de admissibilidade.

Art. 5º Compete ao Presidente do TCU, após a análise prévia da SecexConsenso, decidir sobre a conveniência e a oportunidade da admissibilidade da solicitação de solução consensual nos termos desta IN, levando em consideração: (…)

O TCU buscou organizar um painel que permite o acompanhamento dos pedidos de soluções consensuais recebidos desde 2023. Esses pedidos são monitorados e analisados pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso).

Até o momento, já existem alguns exemplos de solicitações de soluções consensuais examinadas pelo tribunal, com acordos homologados. Esses primeiros casos vêm servindo como leading cases nos setores de infraestrutura, nos quais o tribunal está desenvolvendo e conformando esse novo papel de partícipe de soluções negociadas. Um caso de destaque foi a homologação do acordo entre o Ministério de Portos e Aeroportos e a concessionária GRU Airport S.A., referente ao contrato de concessão do Aeroporto de Guarulhos.

TCU homologa acordo para solucionar controvérsias no contrato de concessão do Aeroporto de Guarulhos

A proposta de solução consensual inclui a criação do Programa de Investimentos Privados em Aeroportos Regionais (Pipar), com previsão de alcançar 100 aeroportos em áreas estratégicas

Portal TCU, 23 outubro 2024.
Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-homologa-acordo-para-solucionar-controversias-no-contrato-de-concessao-do-aeroporto-de-guarulhos.htm.

O Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) homologou, nesta quarta-feira (23/10), acordo entre o Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR), por meio da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e a concessionária GRU Airport S.A. para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

A proposta aprovada pelos ministros do TCU estende o prazo de concessão do local até novembro de 2033, permitindo que a empresa opere 16 meses além do previsto inicialmente. Em contrapartida, entre 2025 e 2029, deverão ser realizados novos investimentos para aumentar a capacidade de operação, ampliar o nível de segurança (operacional e contra atos de interferência ilícita) e melhorar a qualidade dos serviços ofertados. (…)

Os investimentos somarão cerca de R$1,4 bilhão. Para concretizá-los, a comissão constituída no âmbito da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) negociou um modelo de compartilhamento de riscos inovador para contratos de concessão de aviação. Pela proposta, parte das despesas poderão ser divididas entre a concessionária e o poder público, a depender da evolução da demanda de passageiros do aeroporto.  

Para parte da comunidade jurídica, a atuação do TCU por meio de processos de solicitação de solução consensual causou estranheza. No texto abaixo, Mariana Vilella expressa algumas preocupações sobre a atuação do TCU na condução desses acordos.

Quem é o dono do consenso?

Criada em 2022, a Secex-Consenso, do TCU, tornou-se objeto de disputa entre os poderes federais

Por Mariana Vilella
JOTA, 31 julho 2024.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quem-e-o-dono-do-consenso.

As últimas notícias revelam que o consenso está em alta na pauta política de Brasília. Este texto pretende organizar os fatos e reunir preocupações já antecipadas nesta coluna. 

A Secex-Consenso foi criada por iniciativa do ministro Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), e, conforme Instrução Normativa 91/2022, cuida de procedimentos de solução consensual e prevenção de controvérsias envolvendo a administração pública federal. 

Os primeiros acordos ali conduzidos nos fizeram questionar se ela não seria usada para busca de um carimbo prévio de legalidade, fazendo do TCU um cogestor. Isso porque, em alguns casos, sequer havia um conflito a ser mediado, mas apenas insegurança do gestor federal em decidir. Na sequência, uma mudança no procedimento retirou exigência de que o acordo contasse com a anuência de todos os auditores envolvidos, ampliando os poderes do Plenário sobre os termos acordados e tornando as unidades técnicas instâncias opinativas. Isso destacou os riscos de o TCU interferir diretamente no conteúdo do acordo, ao invés de somente mediá-lo. 

O rápido crescimento dessa nova competência do TCU provocou reação do órgão responsável pela defesa dos interesses da União, a Advocacia-Geral da União (AGU). Em julho deste ano, o governo federal publicou o Decreto nº 12.091, criando a Rede Federal de Mediação e Negociação (Resolve), para organizar a autocomposição de conflitos na administração federal.

Os artigos 13 e 14 do decreto determinaram que o ingresso de órgão federal na Secex-Consenso deveria ser autorizado pela AGU, que obrigatoriamente participaria do procedimento de solução consensual. 

Em sequência, o TCU suspendeu temporariamente as atividades da Secex-Consenso, paralisando processos em andamento. Poucos dias depois, o Decreto 12.119, de 27/7/24, foi publicado com um único artigo: “ficam revogados os art. 13 e art. 14 do Decreto 12.091, de 3 de julho de 2024”. 

Sem a AGU como parte obrigatória, o TCU teve reforçado seu protagonismo, e autonomia, na condução dos acordos. É ele, sobretudo o plenário, quem vai zelar pelo interesse público em jogo nas negociações e, posteriormente, fiscalizar a continuidade dos contratos e políticas. Também é o próprio TCU que, por ato normativo interno, define e altera o procedimento que leva ao consenso. Há problemas de transparência e organização dessa governança. 

Contestações à Secex-Consenso começaram a surgir de todos os lados. Em parte, porque todo mundo quer ser dono do consenso. Em parte, porque em casos complexos como os que estão sendo levados à mesa de acordos é esperado que haja mais de um resultado razoável para a mesma controvérsia.

Deixar todo o poder de governança e definição da palavra final ao TCU, escanteando órgãos como AGU ou as agências reguladoras, pode não ser o melhor caminho na nova, e positiva, agenda da consensualidade. O TCU estará disposto a dividir esse poder? 

Agora quem vai entrar em cena é o Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque o Partido Novo questionou a constitucionalidade da Secex-Consenso, alegando extrapolação das competências do TCU. Aguardemos os próximos episódios.

3. DEBATENDO

Bem realizada a leitura do material de aula, especialmente considerando os exemplos concretos apresentados, podemos refletir sobre as possibilidades de atuação dos tribunais de contas nas diferentes etapas da contratação pública.

1 – Pensando primeiro em algumas noções básicas: em quais momentos do processo de contratação você percebeu a presença dos tribunais de contas?

2- Os tribunais de contas da União, estaduais e municipais, participam necessariamente de todas essas fases?

3 – Para quais normativos devemos olhar quando queremos averiguar se o tribunal tem competência para atuar nessas fases?

4 – Além disso, o que você entende sobre o papel que o tribunal de contas exerce em cada uma dessas fases? Por exemplo, em certos momentos, sua atuação se concentra na condução da licitação; em outros, assume um papel contínuo, acompanhando o cumprimento dos contratos; e, às vezes, o tribunal parece se manifestar sobre questões ligadas a contratos já firmados, como no caso da celebração de aditivos.

5 – Vamos avançar nessas questões. Queremos que você observe o teor das decisões dos tribunais de contas nos exemplos destacados: eles costumam emitir mais recomendações ou apresentam uma postura mais vinculante? E, em algum momento, os tribunais chegam a discutir o mérito da contratação, como ao opinar sobre cláusulas de edital ou sobre repactuações contratuais?

6 – Diante de tudo isso, como você enxerga a atuação dos tribunais de contas nesses casos? Ela se mostra positiva, permitindo uma fiscalização e um acompanhamento mais rigorosos da aplicação correta do dinheiro público? Ou, por vezes, acaba trazendo riscos, ao sobrepor-se às competências de outros agentes públicos envolvidos nessas contratações? Observe, por exemplo, que no caso do leilão do 5G, o TCU condicionou a publicação do edital ao cumprimento de várias exigências que o plenário considerou benéficas para os usuários do serviço público, abrangendo aspectos de mérito. Discutir se esses efeitos práticos são adequados ou não é uma questão relevante para ser analisada.

7 – Mais inédito, ainda, é o papel dos tribunais de contas como mediadores de conflitos envolvendo contratos públicos – ressalva-se, função essa assumida, até o momento, apenas pelo TCU. Esse papel traz à tona diversas questões, como por exemplo: como você imagina que o tribunal deva se comportar nessas mediações? — aliás, seriam as solicitações de solução consensual procedimentos de mediação? Em que medida o TCU deve expressar opiniões sem interferir nas vontades das partes envolvidas?

Todas essas questões nos convidam a refletir sobre o papel atual dos tribunais de contas em contratos públicos, ao mesmo tempo em que nos fazem questionar até onde essa atuação pode e deve ir.

4. APROFUNDANDO

A discussão sobre limitação do controle já movimentou muitos autores, dentro e fora do Brasil. Caso haja tempo ou se queira aprofundar o assunto, eis algumas leituras recomendadas, entre eles artigos em meio eletrônicos e artigos e produções acadêmicas:

JORDÃO, Eduardo. A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados – Controlador ou administrador? Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 209-230, out. 2014. Disponível em: https://repositorio.fgv.br/items/e69dd8e5-d27c-45d4-a53d-a96ae153c647.

ROSILHO, André. Tribunal de Contas da União. São Paulo: Quartier Latin, 2019 (fls. 237-284).

SUNDFELD, Carlos Ari e ROSILHO, André (org.). Tribunal de Contas da União no Direito e na Realidade. São Paulo: Almedina, 2020 – Parte 3 – Tribunal de Contas da União e o controle das contratações públicas (fls. 307-427).

ROSILHO, André (org.). Direito Administrativo e Controle de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2023 – Parte 4 – Controle das Contratações Públicas (fls. 185-236)