Roteiro de Aula

Dá pra prorrogar contrato antes do fim de seu prazo original?

O setor ferroviário como pano de fundo

1. CONHECENDO O BÁSICO

Esta aula tem por objeto compreender o regime de prorrogação antecipada nos contratos de concessão e, para tanto, utilizaremos como pano de fundo as discussões no setor ferroviário. O caso das ferrovias é, provavelmente, um dos mais emblemáticos, diante da prorrogação antecipada da Malha Paulista, da Malha Regional Sudeste, da Estrada de Ferro Carajás e da Estrada de Ferro Vitória a Minas, além dos estudos destinados à prorrogação da Ferrovia Centro-Atlântica. Mais adiante, iremos analisar, com um nível maior de profundidade, o caso da Malha Paulista.

Ainda que o tema central da aula possa aparentar, ao menos à primeira vista, ser muito específico, esse não é o caso. É claro que estamos realizando um recorte temático ao selecionar “prorrogação antecipada” como objeto de estudo, mas os conceitos aqui tratados dialogam com a análise do contrato de concessão como um todo. 

A discussão, na essência, diz respeito à estrutura econômica da concessão e aos limites do manejo do prazo enquanto elemento variável na economia contratual das concessões.

A matriz clássica do direito administrativo qualifica os contratos de concessão como contratos jurídico-subordinativos, em que o parceiro privado se encontra em uma posição subalterna à Administração. O contrato de concessão exerce um papel limitado de um instrumento de regulação, ainda que necessário à Administração Pública. No entanto, essa visão ainda está muito atrelada a uma ideia mecanicista de equilíbrio contratual, que se pauta nos inatingíveis preceitos do homo economicus: racionalidade absoluta, simetria informacional e completude contratual. 

A realidade das relações concessórias – e, porque não dizer, de toda e qualquer relação contratual – não poderia ser mais diferente. A racionalidade dos agentes é limitada, os contratos são firmados em um ambiente de assimetria informacional e, por mais estranho que isso possa parecer, os contratos de concessão são dotados de uma incompletude deliberada. 

É realisticamente impossível prever e regular todos os elementos da relação contratual. Assim, os contratos de concessão são, por natureza, inacabados ou incompletos. E essas lacunas serão resolvidas no curso da relação contratual. Até mesmo por isso, o ilustre professor Egon Bockmann Moreira entende que “em tempos pós-modernos, nada mais adequado do que afirmar que a segurança advém da certeza da mudança”.  

É por conta desse contexto que o prazo contratual deve ser adequado para manter, durante a relação concessória, a taxa de rentabilidade do projeto esperada pelo concessionário. E, se a mutabilidade é inerente não só aos contratos de concessão, como também ao interesse público em relações de longo prazo, por que seria diferente com o prazo contratual?

Assim, diante de um interesse público superveniente, é possível que seja mais vantajoso para a Administração Pública manejar o prazo contratual, inclusive de forma antecipada. Ou seja, caso se verifique a necessidade de realização de novos investimentos imediatos em infraestrutura pública, pode ser mais vantajoso prorrogar o contrato antes do termo final originalmente pactuado.

Essa não é a única justificativa para prorrogação do contrato de concessão. Há outros dois tipos de prorrogação, quais sejam: (i) prorrogação contratual premial; e (ii) prorrogação para fins de reequilíbrio. A prorrogação contratual premial, ou ordinária, é aquela previamente estabelecida. Ela se dá com o preenchimento de requisitos previstos em contrato. A extensão do prazo contratual para fins de reequilíbrio, por sua vez, terá lugar para recompor os efeitos decorrentes de algum evento que desequilibre o contrato, à luz de sua matriz de riscos. Como elemento comum a todas as três prorrogações contratuais, porém, está a modulação do prazo.

É possível dizer que parte da doutrina tradicionalmente compreende o prazo como elemento estanque e imutável. Não apenas isso, mas à luz do caput do art. 175, da Constituição Federal, entendeu-se existir vedação à prorrogação, em especial à prorrogação antecipada, porque o dispositivo dispõe que a delegação de serviço público deve sempre ser precedida de procedimento licitatório.

Por razões similares a essa, o instituto da prorrogação antecipada foi objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal (“STF”). O tema também foi objeto de estudo no Tribunal de Contas da União (“TCU”) e no âmbito das agências reguladoras. Ao mesmo tempo, tem-se disciplinado a prorrogação antecipada na esfera da legislação federal, da legislação estadual e, até mesmo, da legislação setorial específica. 

O propósito desta aula não é esgotar o tema da prorrogação antecipada. No entanto, o objetivo é trazer luz sobre esse assunto cada vez mais recorrente no âmbito do direito regulatório e que tem o potencial de determinar o futuro das relações concessórias, em especial àquelas celebradas nos idos da década de 1990 e cujo prazo originalmente pactuado, do primeiro bloco de vigência contratual, está se aproximando.

Assim, analisaremos as vantagens de utilização da prorrogação antecipada, bem como as razões pelas quais a sua utilização foi questionada. Além disso, traremos um estudo de caso do setor ferroviário, para facilitar o entendimento, na prática, do que é a prorrogação antecipada de um contrato de concessão. 

2. COMPREENDENDO A PRORROGAÇÃO ANTECIPADA

Antes de aprofundar as discussões acerca da prorrogação antecipada e estudar os casos práticos é necessário nivelar a discussão.

Com esse objetivo, sugerimos a leitura de excerto do livro “Regulação das Ferrovias”, escrito em coautoria com Armando Castelar Pinheiro. No livro, desenvolvemos o conceito base de prorrogação antecipada a partir da noção de prazo como elemento da economia contratual.

‘Regulação das Ferrovias’

Por Armando Castelar Pinheiro e Leonardo Coelho Ribeiro
Editora FGV, 2017

A antecipação do prazo contratual mediante contrapartida, ou prorrogação antecipada, por sua vez, terá lugar nas hipóteses que, por razões econômicas, o poder concedente, ao invés de esperar o termo do contrato de concessão, incentiva que o concessionário realize investimentos não previstos nas suas obrigações contratuais originárias, mediante a contrapartida de ampliação da vigência do prazo da concessão. A referida modalidade encontra ao menos dois exemplos recentes em outros setores da infraestrutura nacional: no artigo 1º, §1º, inciso III, da Lei nº 12.783/2013 (Lei de renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica) e no artigo 57, da Lei nº 12.815/2013 (novo marco regulatório do setor portuário). 

A prorrogação antecipada do contrato, nesse sentido, é ferramenta à disposição do gestor público para que, avaliando a qualidade e os resultados entregues pelo concessionário no âmbito do projeto em específico, possa optar pela renovação do contrato por um bloco de prazo juridicamente previsto, mas que ainda não integra o patrimônio jurídico do parceiro privado, em troca da assunção de novos investimentos que não componham sua cesta original de obrigações. Ganha com a manutenção de um serviço a contento, e a incorporação imediata de novos investimentos, em infraestrutura pública, que teriam de ser adiados até o final da vigência contratual, sem o aporte de recursos públicos (subsídios), ou tampouco aumento tarifário. Tudo isso, em troca da transformação de expectativa de prazo, em prazo. Ou seja: da monetização de expectativa em certeza. 

Por sua vez, o parceiro privado pode investir em um ativo que já opera e conhece, estendendo sua estratégia de atuação, ao invés de buscar novos projetos para investir, quanto aos quais teria de enfrentar as incertezas que o desconhecido naturalmente traz. Ganha em segurança jurídica, redução de risco em seu investimento, agilidade de negócio e incremento de sua operação.

De todo modo, a propósito da prorrogação antecipada, poder-se-ia perguntar: e a licitação? Não seria devida? Nunca é demais lembrar: a licitação não é um fim em si. Tem o propósito de, instrumentalmente, justamente alcançar, depois de todo o procedimento administrativo, sujeito a inúmeras intempéries, o que já pode estar sendo efetivado pelo concessionário da vez (um bom padrão de serviço), a quem a previsão contratual de um novo bloco contratual ainda pode socorrer, à luz de uma decisão administrativa mais, ou menos discricionária, segundo a conformação legal conferida.

Mais uma vez, também nesta hipótese a prorrogação está ligada à estrutura econômica da concessão, mediante o manejo na variável prazo, em contrapartida às novas obrigações regulamentares de investimentos assumidas pelo concessionário em decorrência de um interesse público superveniente. Diante desta sistemática, tal modalidade de extensão do prazo dos contratos de concessão: (i) predica de autorização legislativa, que materialize o interesse público subjacente à antecipação dos investimentos, em razão do princípio da legalidade administrativa; (ii) dispensa previsão anterior no edital, posto que se trata de faculdade atribuída, por lei, ao Poder Concedente ante ao novo cenário de fato que se apresenta; e (iii) deve ser compatível ao período necessário para que o concessionário venha a amortizar os novos investimentos realizados.  

No caso do setor ferroviário, a prorrogação antecipada foi positivada a partir da Lei nº 13.448/2017, decorrente da conversão da Medida Provisória nº 752/2016. A legislação surge após uma primeira tentativa de normatizar o tema no arcabouço jurídico infralegal, pelas lentes da Portaria MT nº 399/2015 e da Resolução ANTT nº 4.975/2015. Apesar de reconhecermos a importância dessas iniciativas, os atos normativos vieram a ser alvo de uma proposta de sustação, por meio do  Projeto de Decreto Legislativo nº 332/16, devido aos argumentos de: (i) quebra da legalidade; (ii) concessão de autonomia excessiva à ANTT; (iii) violação à Lei nº 8.987/1995 e à Lei nº 9.074/1995, que tiveram o setor ferroviário excluído, por veto, do art. 1º; (iv) desconsideração do atendimento de metas nos contratos vigentes; (v) existência de mais de 10 anos até o término do primeiro bloco contratual; e (v) tentativa de utilizar a prorrogação para realizar uma repactuação dos contratos de concessão, violando o pactuado e a necessidade de precedência licitatória.

Por isso a importância da Lei nº 13.448/2017, cuja sistemática, quanto à prorrogação antecipada, é a seguinte:

Lei n.º 13.448, de 05 de junho de 2017

Art. 1º Esta Lei estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria definidos nos termos da Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016 , nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, e altera a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 , e a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 .

Art. 2º A prorrogação e a relicitação de que trata esta Lei aplicam-se apenas a empreendimento público prévia e especificamente qualificado para esse fim no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Art. 3º O ministério ou a agência reguladora, na condição de órgão ou de entidade competente, adotará no contrato prorrogado ou relicitado as melhores práticas regulatórias, incorporando novas tecnologias e serviços e, conforme o caso, novos investimentos.

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:

I – prorrogação contratual: alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, expressamente admitida no respectivo edital ou no instrumento contratual original, realizada a critério do órgão ou da entidade competente e de comum acordo com o contratado, em razão do término da vigência do ajuste;

II – prorrogação antecipada: alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, quando expressamente admitida a prorrogação contratual no respectivo edital ou no instrumento contratual original, realizada a critério do órgão ou da entidade competente e de comum acordo com o contratado, produzindo efeitos antes do término da vigência do ajuste;

Art. 5º A prorrogação contratual e a prorrogação antecipada do contrato de parceria nos setores rodoviário e ferroviário observarão as disposições dos respectivos instrumentos contratuais, balizando-se, adicionalmente, pelo disposto nesta Lei.

§ 1º As prorrogações previstas no caput deste artigo poderão ocorrer por provocação de qualquer uma das partes do contrato de parceria e estarão sujeitas à discricionariedade do órgão ou da entidade competente.

§ 2º Exceto quando houver disposição contratual em contrário, o pedido de prorrogação contratual deverá ser manifestado formalmente ao órgão ou à entidade competente com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) meses, contados do término do contrato originalmente firmado.

§ 3º Para fins do disposto nesta Lei, e desde que já não tenha sido prorrogado anteriormente, o contrato de parceria poderá ser prorrogado uma única vez, por período igual ou inferior ao prazo de prorrogação originalmente fixado ou admitido no contrato.

Art. 6º A prorrogação antecipada ocorrerá por meio da inclusão de investimentos não previstos no instrumento contratual vigente, observado o disposto no art. 3º desta Lei.

§ 1º A prorrogação antecipada ocorrerá apenas no contrato de parceria cujo prazo de vigência, à época da manifestação da parte interessada, encontrar-se entre 50% (cinquenta por cento) e 90% (noventa por cento) do prazo originalmente estipulado.

§ 2º A prorrogação antecipada estará, ainda, condicionada ao atendimento das seguintes exigências por parte do contratado:

I – quanto à concessão rodoviária, a execução de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) das obras obrigatórias exigíveis entre o início da concessão e o encaminhamento da proposta de prorrogação antecipada, desconsideradas as hipóteses de inadimplemento contratual para as quais o contratado não tenha dado causa, conforme relatório elaborado pelo órgão ou pela entidade competente;

II – quanto à concessão ferroviária, a prestação de serviço adequado, entendendo-se como tal o cumprimento, no período antecedente de 5 (cinco) anos, contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por 3 (três) anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por 4 (quatro) anos.

Art. 7º O termo aditivo de prorrogação do contrato de parceria deverá conter o respectivo cronograma dos investimentos obrigatórios previstos e incorporar mecanismos que desestimulem eventuais inexecuções ou atrasos de obrigações, como o desconto anual de reequilíbrio e o pagamento de adicional de outorga.

Art. 8º Caberá ao órgão ou à entidade competente, após a qualificação referida no art. 2º desta Lei, realizar estudo técnico prévio que fundamente a vantagem da prorrogação do contrato de parceria em relação à realização de nova licitação para o empreendimento.

Art. 9º Sem prejuízo das demais disposições desta Lei, as prorrogações dos contratos de parceria no setor ferroviário também serão orientadas:

I – pela adoção, quando couber, de obrigações de realização de investimento para aumento de capacidade instalada, de forma a reduzir o nível de saturação do trecho ferroviário, assegurado o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato;

II – pelos parâmetros de qualidade dos serviços, com os respectivos planos de investimento, a serem pactuados entre as partes;

III – pela garantia contratual de capacidade de transporte a terceiros outorgados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), garantindo-se o direito de passagem, de tráfego mútuo e de exploração por operador ferroviário independente, mediante acesso à infraestrutura ferroviária e aos respectivos recursos operacionais do concessionário, garantida a remuneração pela capacidade contratada.

Ainda que o instituto da prorrogação antecipada per se não tenha sido questionado, a Lei foi objeto da Ação de Inconstitucionalidade nº 5.991/DF, sob a justificativa de flexibilizar os critérios para prorrogação antecipada e comprometer a adequação do serviço público. O Supremo tribunal Federal entendeu, por maioria, vencido o Ministro Edson Fachin, ser improcedente a ação. De todo modo, em seu voto, a Ministra Relatora Cármen Lúcia chamou atenção para os limites na utilização da prorrogação antecipada. Por fim, cita-se também o voto-vogal do Ministro Gilmar Mendes que, em obter dicta, reforça a legitimidade da prorrogação antecipada. Vejamos abaixo os principais contornos do caso:

STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.991/DF

Rel. Min. Cármen Lúcia,
07 de dezembro de 2020

Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SETOR FERROVIÁRIO. PRORROGAÇÃO ANTECIPADA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO INC. II DO ART. 6º, DOS §§ 1º, 3º, 4º E 5º DO ART. 25 E DO § 2º DO ART. 30 DA LEI N. 13.448, DE 5.6.2017. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 

Relatório

1. Ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, ajuizada pela Procuradora-Geral da República, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do inc. II do § 2º do art. 6º, dos §§ 1º, 3º, 4º e 5º do art. 25 e do § 2º do art. 30 da Lei n. 13.448, de 5.6.2017, decorrente da conversão da Medida Provisória n. 752, de 24.11.2016.

2. A autora argumenta que os dispositivos impugnados configurariam contrariedade ao caput e ao inc. XXI do art. 37 e ao parágrafo único e ao inc. IV do art. 175 da Constituição da República. 

Assinala que, “em novembro de 2016, o Governo publicou a Medida Provisória 752, que, segundo a Exposição de Motivos Interministerial 306/2016 MPMTPA, tem por objetivo reparar problemas e desafios históricos em importantes setores de infraestrutura, buscando viabilizar a realização imediata de novos investimentos em projetos de parceria e sanear contratos de concessão vigentes para os quais a continuidade da exploração do serviço pelos respectivos concessionários tem se mostrado inviável. Em breve síntese, a medida provisória disciplina o mecanismo de prorrogação contratual e estabelece os institutos de prorrogação antecipada e de relicitação de contratos de parceria, aplicáveis aos contratos nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da Administração Pública Federal”. 

Assevera a inconstitucionalidade material do inc. II do § 2º do art. 6º da Lei n.13.448/2017 porque “o que se defende é que, embora a Constituição preveja a possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão no art. 175 parágrafo único, I, essa prorrogação não pode ser permitida muito menos realizada em desacordo com os ditames constitucionais que norteiam a Administração Pública e que informam os seus atos, em particular, a eficiência, a moralidade, a impessoalidade e a razoabilidade, previstos no art. 37, caput , bem como com a regra da licitação”.

Argumenta que, “com o advento da Lei de Conversão da Medida Provisória 752/2016 (Lei 13.448/2017), o serviço adequado (contratualmente definido como aquele que atende às condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas) ficou reduzido ao cumprimento das metas de produção e segurança, por apenas três anos nos últimos cinco anos de execução contratual (portanto, em curtíssimo intervalo de tempo); ou, alternativamente, somente da meta de segurança por apenas quatro anos nos últimos cinco anos de vigência do contrato, contados, em ambos os casos, da data da proposta de antecipação da prorrogação para esse fim. Os requisitos objetivos previstos na Lei 13.448/2017 foram mais brandos em relação aos previstos na medida provisória, acentuando ainda mais o desrespeito à obrigação de adequada prestação do serviço”. 

(…)

Anota que “não são compatíveis com os ditames constitucionais que norteiam a Administração Pública os pontos da Lei 13.448/2017 que (i) flexibilizam os critérios para a prorrogação antecipada de contratos de concessão de ferrovias notoriamente ineficazes, alterando substancialmente os ajustamentos originais; (ii) transferem bens operacionais e não operacionais de forma não onerosa às concessionárias, sem qualquer condicionante que preserve o interesse público e sem possibilidade de fiscalização; e (iii) permitem a realização de investimentos pelas concessionárias em malhas de interesse da Administração Pública sem que sejam observadas as regras da licitação”.

(…)

Voto da Ministra Relatora Cármen Lucia

7. De se enfatizar, entretanto, que, na espécie em exame, não há pedido de declaração de inconstitucionalidade da prorrogação antecipada de concessão ferroviária. Tem-se na petição inicial e no pedido formulado: 

“Importante ressaltar que não se argui, aqui, a inconstitucionalidade do instituto da prorrogação antecipada em si. O que se defende é que, embora a Constituição preveja a possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão no art. 175, parágrafo único, I, essa prorrogação não pode ser permitida muito menos realizada em desacordo com os ditames constitucionais que norteiam a Administração Pública e que informam os seus atos, em particular, a eficiência, a moralidade, a impessoalidade e a razoabilidade, previstos no art. 37- caput, bem como com a regra da licitação. 

(…)

29. Embora o instituto da antecipação da prorrogação contratual previsto na Lei n. 13.448/2017 não tenha sido impugnado nesta ação direta de inconstitucionalidade, não se pode deixar de advertir que os princípios da Administração Pública previstos no caput do art. 37 da Constituição da República devem sempre nortear o procedimento de avaliação da conveniência e da oportunidade de prorrogação da concessão pública, assim como a elaboração dos termos aditivos de prorrogação do contrato, sob pena de nulidade dos provimentos administrativos pela mácula de inconstitucionalidade que os acometeria. 

Daí ressai que o aditivo de prorrogação não deve ampliar o objeto do contrato de concessão, ainda que a pretexto de atender ao interesse público, sob pena de se vulnerar o princípio da licitação, previsto no art. 175 da Constituição da República.

(…)

30. A imutabilidade do objeto da concessão não impede alterações no contrato para adequar-se às necessidades econômicas e sociais decorrentes da dinâmica do serviço público concedido e do longo prazo contratual estabelecido, observados o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e os princípios constitucionais pertinentes.

(…)

O investimento cruzado está compreendido na autonomia política do ente federado, ao qual compete avaliar a vantagem ou não da substituição da outorga pelo pagamento em dinheiro sobre novos investimentos na infraestrutura da malha ferroviária brasileira. 

Voto do Ministro Gilmar Mendes

A Lei 13.448, de 5 de junho de 2017, discutida na presente ADI, é resultante da conversão da Medida Provisória 752/2016, que instituiu diretrizes gerais para a adequação e modernização dos contratos de parcerias celebrados pela Administração Federal nos setores ferroviário, rodoviário e aeroportuário. 

A legislação deve ser compreendida dentro de um contexto maior de formulação de políticas públicas do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do Governo Federal, voltadas a conferir maior competitividade e dinamicidade aos setores logísticos. 

Especificamente no setor ferroviário, estudos desenvolvidos a partir de 2015 por ocasião da segunda etapa do Programa de Investimento em Logística apontaram que a prorrogação antecipada de contratos como o da Malha Paulista, firmado pela União com a Ferroban no ano de 1999, teria o condão de atrair investimentos essenciais para a modernização da malha logística. 

Essa opção revelou-se adequada principalmente pelo fato de os contratos de concessão ferroviária firmados na década de 1990 originalmente não preverem obrigações nem gatilhos de investimentos ao longo da concessão. Os deveres de aportes de recursos nesses pactos ainda hoje vigentes, são restritos ao momento inicial da execução do acordo. 

Tal modelagem estática e formal é bastante inadequada para a operacionalização de contratos de longo prazo, já que a natural indeterminação dos contratos de concessão congrega deveres de investimentos contínuos, em especial diante do desenvolvimento de novas tecnologias. 

É nesse contexto que o Governo Federal chegou à conclusão de que as prorrogações antecipadas teriam o potencial de ensejar investimentos mais rapidamente do que a realização de novas licitações após o fim do prazo das concessões atualmente em vigor. 

Do ponto de vista do controle de constitucionalidade da norma, não compete ao Supremo Tribunal Federal perquirir o mérito decisão administrativa de prorrogação dos contratos vis a vis a realização de novos procedimentos licitatórios em situações concretas. As avaliações nesse sentido devem ser desempenhadas pelo próprio Poder Concedente, em alinho com os órgãos de controle da Administração Pública. 

A atuação do Judiciário, ao seu turno, deve estar adstrita ao exame de compatibilidade do quadro legal aos preceitos constitucionais, análise que aqui se desenvolve em um plano abstrato de validação do instituto da prorrogação antecipada qual delineado na Lei 13.448, de 5 de junho de 2017. 

A partir das premissas fixadas neste voto, é possível concluir que a norma impugnada é compatível com os princípios constitucionais da Administração Pública que regem a prorrogação das concessões, sob as seguintes balizas. 

Do ponto de vista da exigência de licitação prévia e da vinculação ao instrumento convocatório, observa-se que o legislador cuidou de restringir a possibilidade de prorrogação antecipada aos casos em que tanto a versão original do contrato quanto o respectivo edital de licitação já autorizavam a prorrogação. 

O próprio conceito de “prorrogação antecipada”, prevista no art. 4º, inciso II, da lei, pressupõe a autorização prévia do instrumento convocatório, ao expressar que o instituto corresponde à “alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, quando expressamente admitida a prorrogação contratual no respectivo edital ou no instrumento contratual original”. 

Ademais, a norma impugnada esclarece que a prorrogação antecipada não pode resultar em um alongamento de prazo superior ao previsto originalmente no pacto, de modo que irá ocorrer apenas “por período igual ou inferior ao prazo de prorrogação originalmente fixado ou admitido no contrato” (art. 5º, § 3º). Isso corrobora a tese de que, da forma como concebido, o instituto equivaleria a uma precipitação de prorrogação já avençada originalmente. 

No que concerne à discricionariedade da prorrogação, o mesmo art. 4º, inciso II, aduz que a prorrogação será feita “a critério do órgão ou da entidade competente”. Já o art. 5º, § 1º, mais uma vez, ressalta que as prorrogações comuns ou antecipadas dos contratos de parceria nos setores rodoviário e ferroviário “estarão sujeitas à discricionariedade do órgão ou da entidade competente”. 

Assim, fica claro que a lei discutida não criou hipótese de prorrogação impositiva, mas apenas abriu margem para o alongamento do prazo no interesse da administração. Esse aspecto do diploma normativo ecoa a jurisprudência do STF no sentido de que não há direito líquido e certo do contratado a qualquer modalidade de prorrogação. 

Por fim, verifica-se que a legislação também instituiu salvaguardas e mecanismos de controle da decisão administrativa voltados a garantir a vantajosidade das prorrogações antecipadas. 

Como discutido acima, ainda que a legislação aplicável contemple autorização genérica da prorrogação, é sempre um ônus do Poder Concedente avaliar, a partir de um processo admirativo hígido, a vantagem de se obterem investimentos imediatos não previstos no contrato original, concedendo o alongamento do prazo do contrato de concessão em vez de se realizar um novo procedimento licitatório.

(…)

Cabe, portanto, aos órgãos e entidades técnicas envolvidas no processo de análise dos pedidos de prorrogação antecipada, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Ministério da Infraestrutura (MInfra) e o PPI, examinar, no curso desse processo, a conveniência e a oportunidade da prorrogação, levando em conta, inclusive, a adequação e a qualidade do serviço prestado. 

Ressalte-se que, além dessa avaliação feita pelo Poder Executivo, o art. 11 da Lei 13.448/2017 previu que, após a realização de consulta pública sobre as prorrogações, o Poder Executivo irá encaminhar ao Tribunal de Contas da União (TCU) os estudos técnicos sobre a prorrogação e os documentos que comprovem o cumprimento das exigências de prestação adequada dos serviços de que trata o art. 6º da lei. 

A lei, portanto, estabeleceu um interessante mecanismo de diálogo institucional que facilita a atuação do órgão de controle externo, inclusive de maneira prévia à assinatura do aditivo contratual. 

Aplicando-se o referido dispositivo, destaca-se que, em novembro de 2019, o TCU chancelou a celebração de termo aditivo da prorrogação antecipada do contrato de concessão da Ferrovia Malha Paulista, concluindo que essa prorrogação seria oportuna do ponto de vista do interesse público.

Durante a efervescência das discussões acerca da prorrogação antecipada, para além da constitucionalidade do instituto, discutiam-se quais os melhores caminhos para a renovação das concessões:

Renovação das ferrovias: qual o caminho?

Agência iNFRA, 08 de agosto de 2018

O maior processo de investimentos na área de infraestrutura de transportes no país, a renovação antecipada das concessões ferroviárias, provocou certa tensão entre governo, empresas e órgãos de controle nas últimas semanas.

Com a promessa de investimentos que podem passar dos R$ 60 bilhões ao longo dos próximos anos, o governo tenta antecipar em quase uma década a prorrogação dos contratos de pelo menos cinco ferrovias. Em troca, quer melhorias na malha própria, um novo modelo de contrato para criar a competição interna nas ferrovias e investimentos em novas ferrovias em outros locais.

Mas o processo tem dividido o setor privado. Parte dele não crê que as regras postas até o momento sejam suficientes para, de fato, fomentar a competição, o que o governo garante que vai ocorrer.

Nesta semana, a ANTT inicia os processos de audiência pública de mais duas concessões, a EFC (Estrada de Ferro de Carajá) e da EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas), ambas da Vale. As sessões presenciais ocorrerão em São Luiz e Belém, na semana entre 14 e 17 de agosto; e em Belo Horizonte, Ipatinga e Vitória na semana entre 21 e 24 de agosto. 

Agência iNFRA entrevistou dois especialistas no tema para tentar ampliar o conhecimento e o debate sobre o processo: 

Bernardo Figueiredo, ex-diretor-geral da ANTT e ex-presidente da EPL

Você declarou em artigo à Agência INFRA ser favorável às renovações. O que está errado com o processo? 


Acho que a antecipação da renovação da concessão é importante. É um ativo. Elas têm valor. Ao antecipar isso, antecipa um valor que pode se aplicar no melhoramento da própria malha ou em outras coisas. Pode ir para o Tesouro ou para o fundo que vai fazer parceria público privada, investimento, fazer mais ferrovias. Há uma crise fiscal e o estado não tem dinheiro. Mas tirar mais valia da ferrovia e não retornar em investimento em novas ferrovias, acho que a gente estaria perdendo uma oportunidade.

E o que não está adequado?


O segredo disso é como se calcula o valor de uma ferrovia. Tem duas alternativas: licitar ou repactuar. Qual o valor mínimo que vai orientar essa repactuação? É o valor que tem no mercado, o que era a outra opção. Você tem uma boa avaliação do valor de outorga dessas ferrovias olhando o que elas valeriam no mercado. Outra coisa é definir o que você quer com a renovação e o que vai gerar com a outorga. Tem que aumentar a capacidade porque vai chegar a Norte-Sul nas ferrovias, ou vai expandir a produção no Mato Grosso e tenho que aumentar a capacidade. Ótimo, faz o investimento para isso. O valor de outorga você calculou bem e ainda tem um valor sobrando, ele vai a um fundo para expandir a ferrovia. Aquela concessão está equacionada, no estado da arte, tem um bom ambiente regulatório definido, sem crise? Vou renovar e com o dinheiro, vou aplicar em mais ferrovias. Tem que fazer a Fico, a Fiol, a Ferrovia do Pará, do Paraná. Há grandes projetos que tem que ser feitos para um país que não tem logística.

Há garantias de que, da maneira como está, a atuação monopolista que se deu após a concessão da década de 90, pode acabar ou ser reduzida?


Não conheço ainda. Mandaram uma proposta em audiência pública [da Malha Paulista]. Teve contribuições e desenharam um novo projeto. Mas o novo eu não conheço. Então, agora, pelo que o TCU decidiu na Norte-Sul, parece que há uma convicção deles de que o direito de passagem tem que estar equacionado e não pode mais ficar em dúvida por 40 anos. O direito é um exemplo. Os trechos abandonados é outro exemplo. Não dá mais para conviver por 40 anos com trechos que não são ferrovia e nem outra coisa. O que não for viável para ferrovia, que seja outra coisa.

(…)

Os investimentos cruzados são a maneira mais racional de se usar o dinheiro das outorgas?


Obviamente há outras formas e até mais multiplicadoras do investimento que essa. Tem dois problemas. Estou contratando uma obra pública com recurso público. Eu poderia usar o dinheiro para dar como contrapartida de uma concessão nova. Quanto o concessionário pediria para construir e explorar a Fico, considerando que tem direito de passagem para a Norte-sul, em Carajás, na Malha Paulista? Eu consigo fazer melhor do que contratar a Vale para construir e jogar depois ao mercado?. Eu tendo a achar que o operador deve construir porque ele sabe qual é o melhor desenho da ferrovia para ele. Tudo tem vantagem e desvantagem. O investimento cruzado tem a vantagem de ser mais rapidamente a obra.

(…) 

Armando Castellar, professor do IBRE/FGV

Por que você acha importante o país fazer a renovação antecipada das concessões ferroviárias?


É uma oportunidade de você fazer investimento na malha ferroviária para aumentar a participação das ferrovias no transporte de carga no Brasil, que é muito baixa dadas nossas condições continentais, o que onera muito nossos custos logísticos. Tanto estudos do Banco Mundial quanto do PNL (Plano Nacional de Logística) mostram que uma redistribuição da carga das rodovias para as ferrovias permitiria você economizar da ordem de 0,7% a 0,8% do PIB. E a prorrogação é a carta que você tem na manga para conseguir viabilizar os investimentos. Há também a redução de CO2, gases do efeito estufa, redução de acidentes, uma série de benefícios. E o que tem na mão para viabilizar é isso.

Há uma crítica a essa prorrogação sobre a manutenção de um sistema que em 20 anos desde a privatização, a rede se mostrou monopolista e pouco eficiente para reduzir o custo geral do transporte. Isso de fato ocorre?


A dimensão da renovação contratual, da modernização regulatória dos contratos, vai nessa direção de mudar o sistema. Ao se colocar o direito de passagem como preferencial, ao se abrir espaço para o operador ferroviário independente e cláusulas de arbitragem, mostra-se essa preocupação. Há também o aumento da capacidade. Os gargalos de capacidade tornam muito difícil você competir, se não tem capacidade para o concorrente passar. Na medida que tiver uma capacidade grande, fica mais interessante você ganhar dinheiro com tarifa de acesso. Além do incentivo ser maior com o aumento da capacidade, isso está contemplado no novo modelo regulatório. A prorrogação não é meramente fazer a renovação por investimento como contrapartida. Isso existiu um pouco nos portos, mas não é o caso das ferrovias.

(…)

A estratégia do governo de usar parte das outorgas para investir em novos trechos, na sua visão é produtiva? Ou pode trazer mais problemas ao processo?


Tendo a achar que é uma boa ideia. É um esforço para colocar o dinheiro onde ele pode dar mais retorno social. No caso onde a malha está congestionada, o investimento é na própria malha. É o caso da Malha Paulista, onde você tem gargalos nos corredores, muito saturados. Onde tem capacidade ociosa, como em Carajás, e você acabou de duplicar, não vai colocar mais capacidade ainda onde já há capacidade ociosa. Não me parece o melhor uso do recurso. Faz sentido colocar num local onde tem uma quantidade grande de carga para levar numa distância grande, para que faça sentido técnico e econômico.

É, também, interessante notar a perspectiva governamental a respeito da prorrogação antecipada. Nesse sentido, os então Secretários do Programa de Parceria de Investimentos (“PPI”), Marco Aurélio Barcelos e Tarcísio Gomes de Freitas, saíram em defesa da Lei nº 13.448/2017 e, em especial, da possibilidade de previsão de investimentos cruzados. Confira-se:

iNFRADebate: A lógica dos investimentos cruzados nas ferrovias

Por Marco Aurélio Barcelos e Tarcísio Gomes de Freitas
Agência iNFRA, 28 de agosto de 2018.

 A necessidade de expandir e de melhorar a malha ferroviária brasileira está hoje no centro das atenções. O assunto ganhou força depois da greve dos caminhoneiros e, mais ainda, com os anúncios recentes do Governo Federal sobre investimentos a serem gerados mediante a prorrogação antecipada de contratos de concessão de ferrovias existentes.

Esses anúncios representam bem mais do que uma resposta à percepção trazida pela paralisação dos caminhoneiros (a de que o transporte de cargas no Brasil seria precário e instável). Eles são, na verdade, o resultado de um esforço que se iniciou há mais de dois anos e os frutos acabaram coincidindo com os acontecimentos dos últimos meses.

Poucas pessoas se dão conta disso, mas está em uma lei, datada de junho de 2017, a mecânica que permite ao Governo Federal negociar com as concessionárias de ferrovias a prorrogação dos seus contratos, antes do seu término. Trata-se da Lei nº 13.448/17, proveniente da Medida Provisória nº 752, de 24 de novembro de 2016. Atualmente, cinco concessões (Rumo, FCA, MRS e duas concessões da Vale) estão em processo de negociação dos prazos de duração, que terminariam em aproximadamente 10 anos.

É muito engenhosa a mecânica que admite trazer para o momento presente a repactuação do prazo de tais contratos. Duas vantagens, pelo menos, decorrem daí. Primeiro, os contratos prorrogados passarão por uma importante melhoria regulatória, com a inclusão, por exemplo, de novas metas de segurança e de qualidade dos serviços. Segundo, será possível obter, como contrapartida à prorrogação, investimentos imediatos nas malhas concedidas ou, até mesmo, em outras malhas do Subsistema Ferroviário Nacional.

Esse último caso traduz o que se chama de “investimentos cruzados”. Por meio deles, concessionárias cujos contratos serão prorrogados assumirão a obrigação de construir novas linhas ferroviárias, mesmo em outras regiões do País. As novas linhas, uma vez construídas, passarão para as mãos do Poder Público que poderá, na sequência, licitá-las para outro concessionário. Assim, o governo poderá auferir valores com a outorga dessas concessões – os quais ainda poderão ser aplicados, novamente, na malha ferroviária. Ao fim, será possível ampliar o volume de recursos para o setor e garantir a oferta de transporte para os produtos brasileiros com mais segurança e estabilidade.

Em que pese, porém, a engenhosidade, alguns questionamentos vêm sendo levantados sobre a lógica dos investimentos cruzados criada pela Lei nº 13.448/17. Há, inclusive, ações judiciais nas quais se apontam eventual prejuízo ao patrimônio público, bem como a inconstitucionalidade das normas legais editadas.

As críticas feitas, em todo caso, não prosperam. Haja vista a escassez orçamentária, a ideia de permitir que recursos dos agentes privados irriguem a construção de novos trechos ferroviários é uma boa sacada. As concessionárias que terão os contratos prorrogados, ao invés de pagarem valores em dinheiro ao governo, assumirão, com a maior flexibilidade e a menor burocracia que enfrentam, a realização das novas obras. E é claro, os montantes a serem empregados nessas obras decorrem de estudos detalhados sobre “quanto valem” as prorrogações, os quais serão, além do mais, avaliados pelo TCU. Não há milagre. Tampouco seria admitido que o investimento fosse menor do que se esperaria que as concessionárias pagassem pelo novo período de exploração dos contratos.

Para as empresas, assim, será uma obrigação adicional às demais que elas têm que observar no contrato. E, se houver falha na construção dos trechos ou atrasos na sua execução, as empresas sofrerão penalidades no contrato de concessão prorrogado e, no extremo, poderão até mesmo perdê-lo. Para o Poder Público, por sua vez, isso significará uma chance de ouro de poder contar com novos trechos ferroviários em um curto espaço de tempo, e sem o risco de interrupção do empreendimento por falta de disponibilidade financeira, contingenciamentos ou mudanças no planejamento orçamentário.

Não existe, por outro lado, a alegada inconstitucionalidade em relação à mecânica criada. Os contratos de concessão ferroviária cujos prazos estão sendo negociados já admitiam a prorrogação. E a prorrogação dos contratos de concessão é um item que também já constava da Constituição (art. 175), assim como das leis setoriais que tratam do assunto (Lei nº 8.987/95 e a própria Lei nº 13.448/17). Ou seja, há uma amarração jurídica forte que dá a segurança necessária para que a melhoria do sistema de transporte de cargas ocorra com base nos investimentos vindos das prorrogações.

Para finalizar, outra discussão que merece reflexões diz respeito à ideia de que alguns Estados da Federação poderiam estar sendo prejudicados com a política dos investimentos cruzados. Argumenta-se que as ferrovias neles localizadas estariam “exportando” recursos para outros entes, situados a quilômetros de distância.

Quanto a isso, não se pode esquecer de que as concessões prorrogadas continuarão gerando impostos, renda e empregos nas regiões em que se situam. Também não se pode ignorar o fato de que o transporte de cargas de longa distância é sistêmico e costuma ultrapassar as fronteiras de influência de um único Estado ou município. Por essa razão é que a Constituição Federal deu à União a competência pelos serviços de transporte ferroviário interestadual, a ela cabendo, então, estabelecer as políticas do setor com base em uma visão do todo, que leve em conta o que é melhor para “o País”. Essa política está hoje sedimentada em um documento formal do Governo – o Plano Nacional de Logística (PNL) – que consumiu três anos de estudos e debates com a sociedade.

De fato, é chegada a hora de se conjugarem todos os esforços necessários para se transformar a infraestrutura ferroviária do Brasil. E os atores relevantes – gestores públicos, controladores, parlamentares, juízes, representantes do ministério público, empresariado e a sociedade civil – precisam se unir, definitivamente, em prol disto: resgatar o processo de crescimento do País e fazer com que ele se mantenha (sem medo de ser piegas) nos trilhos.

De todo modo, como bem observa o STF, o TCU já havia se manifestado sobre a vantajosidade em um caso concreto – concessão da Malha Paulista – da prorrogação antecipada. O órgão de contas, em mais de uma oportunidade, realizou o acompanhamento, enquanto instrumento de fiscalização dos processos de prorrogação de outras relações concessórias. Selecionamos, todavia, o caso da Malha Paulista por ter sido o primeiro caso de prorrogação antecipada no setor ferroviário. Trata-se do Acórdão 2876/2019:

TCU, Acórdão 2876/2019

Plenário do Tribunal de Contas da União,
27 de novembro de 2019 

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos que tratam do Relatório de Acompanhamento autuado com o objetivo de avaliar os atos e procedimentos preparatórios relativos à celebração de termo aditivo para a prorrogação antecipada do contrato de concessão da Ferrovia Malha Paulista, para viger até 31/12/2058;

ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator, em:

9.1. dar ciência à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de que foram encontradas inconsistências e irregularidades nos estudos técnicos prévios de que trata o art. 8º da Lei 13.448/2017, assim como na minuta de termo aditivo para a prorrogação antecipada da Ferrovia Malha Paulista, as quais devem ser saneadas previamente à assinatura do aditivo pretendido;

9.2. determinar à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que envie a este Tribunal, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da data da assinatura do termo aditivo:

9.2.1. o estudo técnico prévio de que trata o art. 8º da Lei 13.448/2017, juntamente com a minuta definitiva do termo aditivo, demonstrando explicitamente a implementação das determinações e a consideração das recomendações que constam nos itens 9.3 e 9.6 a seguir (seção II do Voto);

9.2.2. o estudo decorrente da avaliação prévia e favorável acerca da capacidade da concessionária garantir a continuidade e a adequação da prestação do serviço público concedido, para atendimento ao artigo 8º, § 2º, c/c artigo 11, ambos da Lei 13.448/2017 (seção II do Voto);

9.3. determinar à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que se abstenha de assinar o aditivo para a prorrogação antecipada da Ferrovia Malha Paulista antes de adotar as seguintes providências:

9.3.1. obtenha informações atualizadas de que a Concessionária Rumo Malha Paulista não foi reincidente em condenações administrativas ou judiciais por abuso de poder econômico, em observância ao parágrafo segundo da Cláusula Terceira do Contrato de Concessão Original (seções II e IV do Voto);

(…)

9.3.3. obtenha da Rumo Malha Paulista S/A a quitação das multas e a correspondente reparação dos danos referentes a todos os processos administrativos sancionatórios, aplicados em face de descumprimento do contrato de concessão, de arrendamento de bens e do Regulamento do Transporte Ferroviário (RTF), com base no art. 8º da Lei 13.448/2017 e no § 2º da Cláusula Terceira do Contrato de Concessão (seção IV do Voto);

9.3.4. obtenha manifestação favorável, junto aos órgãos competentes, acerca da proposta de encontro de contas realizada pela concessionária Rumo Malha Paulista para as ações judiciais em andamento contra a União a fim de, posteriormente, ser submetido cada processo judicial à devida homologação, com base no art. 8º da Lei 13.448/2017 e no § 2º da Cláusula Terceira do contrato de concessão (seção IV do Voto);

(…)

9.3.8. inclua no fluxo de caixa e no Caderno de Obrigações somente as intervenções para a solução de conflitos urbanos obtidas junto ao Ministério da Infraestrutura que tenham prazo determinado de conclusão, em respeito ao art. 104, inciso II, do Código Civil e aos princípios da eficiência e da economicidade (seção V do Voto);

9.3.9. defina, por meio de projetos e demais peças técnicas, os elementos necessários à caracterização adequada e suficiente das intervenções que serão previstas no Caderno de Obrigações para minimização dos conflitos urbanos (…)

9.3.10. caso apure ágio após serem promovidos os ajustes que impactam no fluxo de caixa da modelagem econômico financeira, adote mecanismos para cobrá-lo do concessionário, a título de pagamento de outorga, não podendo tais valores serem internalizado pela concessionária para aplicação em investimentos indefinidos, sob o risco de configurar infringência aos princípios constitucionais da legalidade, da universalidade, do interesse público, da eficiência e da economicidade, bem assim ao art. 104, inciso II, da Lei 10.406/2002 e art. 7º da Lei 13.448/2016 (seção V do Voto);

(…)

9.3.12. inclua, na base de cálculo da Garantia de Execução, o valor dos investimentos para solução de conflitos urbanos previstos, de acordo com o cronograma referenciado no item anterior, com base no art. 23, inciso V, c/c parágrafo único, inciso II, do mesmo artigo, da Lei 8.987/1995 (seção V do Voto);

9.3.13. aplique o percentual diferenciado da garantia de execução enquanto não se extinguir o prazo para a consecução dos investimentos para a solução dos conflitos urbanos, conforme cronograma de investimentos a ser estabelecido por força do art. 7º da Lei 13.448/2017 e art. 23, inciso V, c/c parágrafo único, inciso II, do mesmo artigo, da Lei 8.987/1995 (seção V do Voto);

9.3.14. promova a adequação do Termo Aditivo ao Contrato de forma a deixar claro na Cláusula 8 e nos seus subitens que os investimentos adicionais não podem estar relacionados com a ampliação da capacidade da via, previstos na cláusula 12.2.2, ‘iii’ da minuta de Termo Aditivo, bem como à resolução de conflitos urbanos, enquanto houver saldo do excedente econômico-financeiro da prorrogação contratual destinado a essas intervenções, com base nos princípios da eficiência, economicidade e interesse público (seção VI do Voto);

(…)

9.3.17. inclua, na Modelagem Econômico-Financeira da Malha Paulista, os benefícios fiscais decorrentes dos investimentos a serem realizados pela Concessionária na resolução dos conflitos urbanos, por força do art. 8, §1º, da Lei 13.448/2017 (seção VII do Voto);

9.3.18. reavalie a metodologia de projeção dos custos relacionados às operações acessórias, considerando que, devido à assimetria de informações, os valores históricos registrados nos demonstrativos da Rumo Malha Paulista podem estar contaminados por “preços de transferência”, e, independentemente da nova metodologia que vier a ser empregada, adote como balizador a razão custos/receitas acessórias verificada nos contratos das demais concessões ferroviárias, devidamente tratados, salvo se houver justificativas fundamentadas para eventuais distorções, com base nos princípios da eficiência, economicidade e interesse público, assim como artigos 8º da Lei 13.448/2017, e 24, inciso III, da Lei 10.233/2001 (seção VII do Voto);

9.3.19. inclua, no termo aditivo, cláusula prevendo mecanismo de revisão periódica, de preferência anual, lastreado em fórmula paramétrica, aplicável a todas as receitas auferidas pela concessionária ao longo da vigência da concessão, com vistas a mantê-las permanentemente atualizadas e repartir, com o Poder Concedente, aquelas que excederem às inicialmente previstas pela ANTT na modelagem econômico-financeira, mediante ajuste no valor da outorga, a ser pago pelo prazo remanescente do contrato de concessão, mitigando, assim, o risco de subestimação destas na referida MEF e de adoção de cenários futuros para projeção de receitas que posteriormente venham a se revelar irreais, com base nos princípios da eficiência, economicidade e interesse público, assim como artigo 8º da Lei 13.448/2017 (seção VIII do Voto);

(…)

9.3.21. promova adequação da redação da cláusula 35.2.1 da Minuta de Termo Aditivo ao disposto nos §§ 5º e 6º do art. 25 da Lei 13.448/2017, deixando expresso que os bens da concessão a serem revertidos deverão possibilitar o atendimento da capacidade de transporte e a qualidade dos serviços, conforme condições pactuadas no contrato e vigentes ao tempo da extinção da concessão (seção XI do Voto);

9.3.22. suprima a hipótese de exclusão de risco da concessão prevista no item ‘ii’ da cláusula 33.2 da minuta de termo aditivo, por força do disposto no art. 65, inc. II, alínea ‘d’, da Lei 8.666/1993, c/c o art. 2º, inciso II, da Lei 8.987/1995 (seção XI do Voto);

(…)

9.3.25. promova o ajuste da fórmula de cálculo do limite de dispersão tarifária contida no anexo 5 da minuta de Termo Aditivo ao Contrato da Malha Paulista, conforme minuta de contrato da Ferrovia Norte-Sul Tramo Central, nos termos do art. 23, inciso IV, da Lei 8.987/1995 (§ 963 do relatório);

(…)

9.4. determinar, ainda, à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que, no prazo de 120 (cento e vinte) dias:

9.4.1. adote medidas e controles internos necessários e suficientes para mitigar o risco de transmutação patrimonial, ou seja, consideração de bens de outras concessões na base de ativos da Malha Paulista, com base nos princípios da eficiência, economicidade e interesse público, assim como art. 36 da Lei 8.987/1995 (seção III do Voto);

9.4.2. adote medidas para implementar, formalmente, a gestão de riscos de modo a identificar, avaliar e melhor gerenciar, com tempestividade, os potenciais eventos que possam afetar a agência e com isso garantir, com segurança razoável, o alcance de seus objetivos institucionais, com fundamento nos arts. 4º e 6º do Decreto 9.203/2017 (seção X do Voto);

(…)

9.4.4. adote providências voltadas a aferir as informações apresentadas pela concessionária acerca dos números de ociosidade da Malha Paulista, a fim de assegurar que terceiros interessados possam se utilizar da via e assim incrementar a competitividade no setor de transporte ferroviário;

(…)

9.6. determinar ao Ministério da Infraestrutura que, em conjunto com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com fulcro no art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, promova articulação com o Governo do Estado de São Paulo e, caso o referido ente federativo se manifeste no sentido de levar adiante tratativas sobre a viabilização da política pública de trens metropolitanos daquele Estado, defina, na medida do possível, as soluções e condições mínimas que devem ser previstas para compatibilizar o transporte de insumos e o de passageiros, em consonância com o art. 4º, inciso IV, do Decreto 9.203/2017 (seção IX do Voto);

(…)

9.8. recomendar à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com fulcro no art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que avalie a conveniência e oportunidade de adotar as seguintes medidas:

9.8.1 promover as seguintes correções nos estudos de demonstração da vantajosidade da prorrogação antecipada, incorporando-as também aos estudos que vierem a ser desenvolvidos em futuras prorrogações de contratos de concessão de ferrovias (seção II do Voto):

(…)

9.10. em consequência ao item precedente, recomendar ao Ministério da Infraestrutura, com fulcro no art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que avalie a conveniência e oportunidade de elaborar estudo técnico-econômico que contemple avaliações de alternativas possíveis (modelo vertical, horizontal ou misto) e análise custo-benefício para subsidiar a escolha da melhor modelagem para as concessões ferroviárias do país (seção IX do Voto);

(…)

O reflexo das recomendações do TCU pode ser observado no 2º Termo Aditivo ao Contrato da Malha Paulista:

2º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão

2. Objeto e prazo

2.1. O objeto do Contrato de Concessão é a outorga para a prestação do serviço público de transporte ferroviário de cargas associado à exploração da infraestrutura ferroviária na Malha Paulista, nos termos deste 2° Termo Aditivo e seus Anexos, e da Lei Federal nº 10.233, de 5 de junho de 2001, bem como pela legislação e regulamentação aplicável

2.1.1. O presente 2° Termo Aditivo regula a relação entre as Partes, substituindo integralmente os termos e condições previstos no Contrato de Concessão Original e respectivos Anexos.

2.1.2. A prestação do serviço de transporte ferroviário de cargas associado à exploração da infraestrutura da malha ferroviária tem caráter de exclusividade, bem como os serviços de abastecimento e licenciamento de veículos.

2.1.3. A prestação do serviço de transporte ferroviário não associado à exploração da infraestrutura não terá caráter de exclusividade.

2.2. O prazo da Concessão será prorrogado por 30 (trinta) anos, contados a partir do dia 01 de janeiro de 2029, ressalvado o disposto na subcláusula 46.4.

2.2.1. Fica vedada nova prorrogação de prazo de vigência da Concessão.

46.4. Condições para a Prorrogação Antecipada

46.4.1. A prorrogação do prazo da Concessão a que se refere a subcláusula 2.2 não será realizada, na ocorrência de pelo menos uma das seguintes condicionantes:

i. o não cumprimento de pelo menos 80% (oitenta por cento) dos Investimentos com Prazo Determinado, a ser aferido no 8º (oitavo) ano, impreterivelmente, contado a partir da data de vigência desse 2º Termo Aditivo, ainda que decorrente de fato alheio à vontade da Concessionária;

a) O percentual será calculado a partir da razão entre os valores integrais das intervenções que estejam concluídas e das previstas.

b) Os valores correspondem aos constantes do Caderno de Obrigações, ou ao autorizado pela ANTT.

ii. o não cumprimento do Plano de Recuperação de Trechos de que trata o Caderno de Obrigações, a ser verificado no 8º (oitavo) ano, impreterivelmente, contado a partir da data de vigência deste 2º Termo Aditivo, ainda que decorrente de fato alheio à vontade da Concessionária; e

iii. o não cumprimento, pela Concessionária, dos termos do Acordo constante no Anexo 12.

46.4.2. Na hipótese descrita na subcláusula 46.4.1:

i. a indenização devida à Concessionária deverá ser calculada nos termos da subcláusula 37.2; e

ii. os valores devidos pela Concessionária, a serem apurados nos termos do Acordo, serão abatidos de eventual indenização devida pelo Poder Concedente.

Por fim, diversas notícias ilustram a relevância e a atualidade do tema, que segue em constante discussão.

Governo Federal publica novas diretrizes para prorrogação antecipada de concessões ferroviárias

Agência Nacional de Transportes Terrestres, 19 de junho de 2024.

O Governo Federal publicou, nesta quarta-feira (19/6), a Portaria nº 532, que estabelece novas diretrizes para a prorrogação antecipada das concessões de serviço público de transporte ferroviário. O documento está disponível na edição de hoje do Diário Oficial da União (DOU) e foi assinado pelo ministro dos Transportes.

Esta portaria define as normas a serem seguidas pelo Ministério dos Transportes e suas entidades vinculadas em relação à prorrogação dos contratos de concessão de ferrovias, abrangendo desde os estudos técnicos prévios até a gestão dos contratos prorrogados. A medida já está valendo e reforça o compromisso do estado com a regulação e a melhoria contínua do transporte ferroviário no Brasil.

De acordo com a normativa, o Custo Médio Ponderado de Capital (CMPC) a ser aplicado deve considerar os riscos inerentes a cada prorrogação, definidos pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A prorrogação será realizada sem a indenização antecipada de bens não amortizados ou depreciados, sendo qualquer saldo existente amortizado ano a ano até o final do prazo de prorrogação.

Além disso, a prorrogação incluirá investimentos para mitigação de conflitos urbanos, conforme previsto na Lei nº 13.448/2017. Nesse caso, a ANTT deverá garantir a compatibilidade entre os investimentos previstos no modelo econômico-financeiro e o contrato, incluindo a previsão de revisões quinquenais para verificação do cumprimento das obrigações.

O termo aditivo ao contrato de concessão deve ser assinado pela concessionária no prazo de até 30 dias, sob pena de atualização das condições propostas para a prorrogação. A ANTT, com o apoio de verificadores independentes contratados pela Infra S.A., será responsável pelo acompanhamento e fiscalização dos contratos prorrogados.

As diretrizes previstas se aplicam a todas as fases do processo, incluindo estudos, estruturação, celebração do termo aditivo e supervisão dos contratos de concessão prorrogados antecipadamente. Apesar dessa publicação, a Lei nº 13.448, de 5 de junho de 2017, continua sendo necessária.

O que diz a portaria

A portaria estabelece que a prorrogação antecipada das concessões ferroviárias deve assegurar a vantajosidade prevista na legislação. O estudo técnico prévio, que fundamenta essa vantagem, deve considerar a otimização da malha ferroviária, a avaliação de riscos específicos, a vedação à indenização antecipada de ativos não amortizados ou depreciados, investimentos para mitigação de conflitos urbanos e a resolução de processos judiciais, administrativos e arbitrais.

Em relação à devolução de trechos ferroviários, a prorrogação antecipada está condicionada à especificação dos trechos a serem devolvidos, ao valor estimado de indenização e à forma e prazo de pagamento. O valor devido será estimado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e as diretrizes para apuração do valor serão emitidas pelo Ministério dos Transportes. Eventuais discordâncias poderão ser submetidas a procedimentos de solução consensual de controvérsias no Tribunal de Contas da União (TCU) ou na Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal – CCAF, da Advocacia Geral da União (AGU).

A portaria também autoriza o Ministério dos Transportes a emitir diretrizes para adequação de normas regulatórias aplicáveis aos projetos de concessão ferroviária. Essas diretrizes podem abordar aspectos como disponibilidade, interoperabilidade, CMPC regulatório, revisão da tarifa máxima, reversibilidade de bens, ativos e passivos, estimativa de demanda e destinação de ativos ferroviários aos entes federativos.
Na ausência da assinatura do termo aditivo 360 dias antes do término do contrato, a ANTT deverá tomar providências para garantir a continuidade do serviço, sem prejuízo da continuidade do processo de prorrogação antecipada, caso ainda haja interesse das partes.

Empreendimentos ferroviários são qualificados no PPI para viabilizar prorrogação antecipada do contrato de concessão

Malha Nordeste, da concessionária Ferrovia Transnordestina Logística, e Malha Tereza Cristina, da concessionária Ferrovia Tereza Cristina, são os empreendimentos qualificados
Valor Econômico, 19 de agosto de 2024.

O Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) opinou favoravelmente pela qualificação de dois empreendimentos do setor ferroviário no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República para possibilitar prorrogação antecipada do contrato de concessão. A decisão consta de resoluções publicadas desta segunda-feira (19) no Diário Oficial da União (DOU).

Os empreendimentos são a Malha Nordeste, da concessionária Ferrovia Transnordestina Logística S.A (FTL), e Malha Tereza Cristina, da concessionária Ferrovia Tereza Cristina S.A, para fins de prorrogação antecipada do contrato de concessão. No caso da Malha Nordeste, a matéria será submetida à deliberação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“O poder concedente, observada a vantajosidade para a União e após a avaliação da conveniência e da oportunidade do projeto, poderá promover a prorrogação antecipada do contrato relativo ao projeto ferroviário”, apontam as resoluções.

ANTT dá aval para renovação de concessão da ferrovia centro-atlântica

Valor Econômico, 23 de agosto de 2024.

Essa é a 2ª tentativa da empresa para garantir a estrada de ferro por mais 30 anos. A 1ª vez foi em 2021, quando a agência reguladora abriu a proposta para receber sugestões da sociedade civil. O relatório final com as 283 contribuições ficou pendente de análise até agora. A partir de então, novas diretrizes foram publicadas pelo Ministério dos Transportes, o que motivou a reabertura. 

As novas sugestões poderão ser enviadas de 30 de agosto a 14 de outubro, por meio do sistema ParticipANTT. A agência promoverá 4 sessões públicas para discussão em diferentes capitais do país ao longo dos meses de setembro e outubro.

Com a renovação do contrato, novas propostas foram incluídas para a concessão, incluindo a redefinição do escopo dos investimentos e a gestão de riscos. 

PRINCIPAIS MUDANÇAS 

  • novos investimentos: obras no Posto de Aratu (BA) para um novo acesso ferroviário e estudos para novo serviço de trem de passageiros entre Valparaíso (GO) e Brasília (DF); e 
  • exclusão de investimentos: diretrizes ministeriais determinaram a cessão de obras anteriormente previstas no contrato, como trechos na FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste). 

A FCA é a principal via logística do país, especialmente no que se refere ao escoamento da produção agrícola e de insumos. São 7.856,8 km de linha ferroviária, que passa pela Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe e Distrito Federal. 

Segundo estimativas da ANTT, 67% dos fluxos de transporte são voltados para a exportação de soja, açúcar, milho, farelo de soja e celulose.

3. DEBATENDO

1. Para debate, é possível começarmos pelo seguinte caso gerador: Por ocasião da desestatização ocorrida no setor ferroviário na década de 90, um consórcio de empresas mineradoras celebrou um pacto concessionário com a União em 1998. Nesse pacto ficou ajustada a prestação do serviço público de transporte ferroviário de cargas, na malha concedida, pelo período de 30 anos, prorrogável mais uma vez. O contrato fixou metas de investimento e carga transportada que, por diversos fatores, imputáveis à concessionária e à economia, foram largamente superados. Chegamos ao ano de 2017. De lá para cá, as fronteiras agrícolas se expandiram e novos terminais portuários surgiram no país. Sem contar com ligações ferroviárias, tais projetos terão de recorrer a soluções logísticas mais caras, e que vão contra o Plano Nacional de Logística de Transportes pretendido pela União, inclusive como forma de reaquecer a economia. Não havendo a possibilidade de a União exigir novos investimentos do concessionário privado, devido à falta de recursos para custeá-los, é possível que o contrato seja prorrogado antecipadamente, em contrapartida à realização de novos investimentos? Como fica a questão diante do prazo pendente de fruição da concessão, do dever de licitar, do equilíbrio econômico-financeiro, do custo de não fazer e do aspecto intergeracional? Quais as vantagens e desvantagens desse mecanismo?

2. É possível regular todos os aspectos da relação contratual? Se sim, quais os custos associados à definição prévia de todas as obrigações necessárias à adequada prestação do serviço público? Se não, haveria algum problema, de ordem jurídica, a respeito da incompletude contratual?

3. Seria o prazo originalmente pactuado um obstáculo intransponível para a prorrogação contratual? A prorrogação antecipada respeita a regra prevista pelo art. 175, CRFB?

4. Existem outras formas de prorrogar um contrato? Para que servem? 

5. Por que a Lei nº 13.448/2017 foi alvo de críticas?

6. Qual o posicionamento setorial e governamental acerca da prorrogação antecipada?

7. Quais os requisitos para a prorrogação antecipada das concessões? Para responder a essa pergunta, preste especial atenção na forma como o Ministro Gilmar Mendes lida com o tema?

8. Quais os prós e os contras na utilização da prorrogação antecipada? É possível avaliar a vantajosidade da prorrogação antecipada sem se atentar para os elementos do caso concreto?

9. Qual a discussão a respeito dos investimentos cruzados? Por que seriam exemplo de vantajosidade? Por que é possível questionar a sua constitucionalidade?

10. Qual a diferença da análise conduzida pelo STF se comparada à análise do TCU?   

11. Considerando as determinações do Acórdão 2876/2019, do TCU, foi possível identificá-las da análise do Termo Aditivo a Contrato de Concessão da Malha Paulista?

12. Em sua opinião, o que as notícias selecionadas representam para o futuro da utilização do instituto da prorrogação antecipada?

4. APROFUNDANDO

CAVALCANTI, Guilherme; CHAVES, Leonardo Cocchieri Leite. Prorrogação ordinária de contratos submetidos à regulação discricionária: implicações do modelo de regulação sobre a prorrogação contratual. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo: Parcerias Público-Privadas, Vol. III, São Paulo, nº 96, p. 129-176, 2022.

FIGUEIROA, Caio Cesar; CARVALHO, André Castro. Prorrogação dos contratos de parcerias no estado de São Paulo: reflexões acerca da constitucionalidade da lei estadual nº 16.933/2019 a partir dos parâmetros definidos na ADI 5991. In: TAFUR, Diego Jacome Valois; JURKSAITIS, Guilherme Jardim; ISSA, Rafael Hamze (coord.). Experiências práticas em concessões e PPP: estudos em homenagem aos 25 anos da lei de concessões. São Paulo: Quartier Latin, 2021.  v.  II: execução, controle e exercício de funções públicas por concessionário.  

FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho. O prazo como elemento da economia contratual das concessões: as espécies de “prorrogação”. Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, ano 16, nº 192, 2017. 

GARCIA, Flavio Amaral. As parcerias público-privadas: prazo e prorrogação. In: JUSTEN FILHO, Marçal; SCHWIND, Rafael Wallbach (Coord.). Parcerias público-privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 579-608.

GUIMARÃES, Bernardo Strobel; CAGGIANO, Heloísa Conrado. Prorrogação contratual e relicitação nº 13.448/17: Perguntas e respostas. In: MOREIRA, Egon Bockmann (coord.). Tratado do equilíbrio econômico-financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, taxa interna de retorno, prorrogação antecipada e relicitação. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

GUIMARÃES, Felipe Montenegro Viviani. Prorrogação por Interesse Público das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Quartier Latin, 2018.

JUSTEN FILHO, Marçal. A ampliação do prazo contratual em concessões de serviço público. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, São Paulo, v. 4, n. 23, p. 109-135, mar./abr. 2016.

JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a validade das condições previstas na Lei 13.448/2017 para prorrogação antecipada de concessões. Peça 107, ADI 5.991/STF, Brasília, 2018.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Prorrogações antecipadas – Caso ferrovias Malha Paulista. In. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; MOREIRA, Egon Bockmann; GUERRA, Sérgio. Dinâmica da Regulação. Estudo de casos da jurisprudência brasileira: a convivência dos tribunais e órgãos de controle com agências reguladoras, autoridade da concorrência e livre iniciativa. Belo Horizonte. Editora Fórum. 2019. 1ª edição.

MELLO, Rafael Munhoz de. Prorrogação de concessão de serviço público. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 12, n. 46, abr./jun. 2014, p. 213-217.

OLIVEIRA, Gesner; MARCATO, Fernando; CURI, André Zaitune; SOUSA, Mariana Orsini Machado; PENTEADO, Mauro Bardawil; VANZELLA, Rafael. Avaliação da Política de Prorrogação Antecipada das Concessões Ferroviárias. São Paulo: FGV, 2018.

PINHEIRO, Armando Castelar; RIBEIRO, Leonardo Coelho. Regulação das Ferrovias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2017.

SCHINZEL PEREIRA, V. O conceito de vantajosidade da prorrogação antecipada no setor ferroviário. Revista de Direito e Atualidades[S. l.], v. 1, n. 2, 2021