1. CONHECENDO O BÁSICO
Discricionariedade é uma daquelas palavras que todo mundo usa, todo mundo conhece, mas que pouca gente se sente confortável para definir, ou mesmo justificar, diante de uma situação concreta. Pensando especificamente na “discricionariedade administrativa”, talvez seja bem mais fácil dizer que uma decisão administrativa é “por definição discricionária” do que discutir o que traz a “discricionariedade” para uma ou outra situação jurídica, e o que, afinal, significa que tal decisão seja “discricionária” enquanto outras simplesmente não são.
É por isso que, nesta aula, quero propor uma inversão. E se, em vez de tentarmos encontrar critérios gerais, por vezes metafísicos e espirituais, para resolver certa obsessão em resumir e categorizar a vida das administrações públicas em duas “caixinhas” – a da discricionariedade e a da vinculação – por que não questionamos a própria lógica dessa classificação, e a própria pertinência do conceito de discricionariedade para explicar as complexas interações contemporâneas entre as administrações públicas e a ordem jurídica?
Aqui, já começamos a ver duas coisas, que precisaremos guardar como premissas. A primeira: o tema da discricionariedade é, na verdade, parte do capítulo maior das decisões administrativas e de seus processos jurídicos de formação e de justificação. Para conectar com outras aulas desta biblioteca, estamos necessariamente falando de processo administrativo e dos ônus argumentativos da administração pública. Mas há também uma segunda premissa: a “discricionariedade administrativa” é apenas uma face da moeda de certa dualidade, de certa dicotomia maior que tem a pretensão de classificar a totalidade das decisões administrativas em dois tipos básicos. Haveria decisões discricionárias – quando as normas deixariam espaço para um “leque” de escolhas igualmente válidas para a administração pública – e decisões vinculadas – quando esse espaço não existiria, e caberia à administração pública a mera subsunção ao conteúdo das normas jurídicas.
Para quem gosta de filosofia do direito – eu gosto bastante – é importante saber que há uma longa discussão teórica, que já tem mais de um século, sobre se há mesmo uma esfera de discricionariedade externa ao direito. Uma parte significativa do famoso debate entre Hart e Dworkin está precisamente em determinar se o juiz, quando decide em um espaço aberto, onde não há norma jurídica imediatamente aplicável, precisa buscar sua fundamentação em algum lugar que externo ao próprio direito, onde não existe qualquer parâmetro jurídico a amparar a tomada de decisão. [1] O próprio Kelsen, antes de Hart, definiu o que é, até hoje, um dos principais paradigmas para a definição da discricionariedade. Ela seria resultado de um “ato de vontade”, uma escolha volitiva dentro de determinada moldura estabelecida pelo direito. [2]Não vou entrar, aqui, nessa discussão. Ainda assim, é importante ter em mente que o debate sobre a discricionariedade é maior do que o direito administrativo, e é um dos temas mais relevantes da teoria do direito contemporânea. [3]
Retornemos à dogmática do direito público. E vamos começar escolhendo três casos difíceis, que exemplificam muito didaticamente a preocupação desta aula. Primeiro, vamos entender a controvérsia no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a discricionariedade que as administrações públicas têm (ou não têm) de criar conselhos de participação para o controle social de certas políticas públicas. Depois, discutiremos uma decisão explicitamente fundada na compreensão doutrinária mais tradicional da discricionariedade relacionada ao retorno às aulas presenciais no contexto da pandemia (covid19, 2020-2021). Por último, vamos debater a discricionariedade no chamado direito administrativo do clima, [4] e como esse conceito pode ser (in)útil para discutir as obrigações públicas em matéria de mudanças climáticas e sustentabilidade socioambiental.
No caminho desses três casos, quero pendurar algumas definições e discussões doutrinárias, e com isso tentar costurar os elementos para a parte mais vívida desta aula – as questões de debate – nas quais tentaremos avançar sobre o significado (e a pertinência) do conceito de discricionariedade no direito administrativo contemporâneo.
[1] Ver HART, Herbert Lionel Adolphus. The concept of Law. Oxford: Clarendon, 1994
, especialmente sem seu pós-escrito; e DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1977, p. 31. Para uma síntese do debate entre Hart e Dworkin, especificamente no tema da discricionariedade, v. GALLIGAN, Denis. Discretionary powers: a legal study of official discretion. Oxford: Clarendon, 1986, p. 23.
[2] KELSEN, Hans. Dottrina pura del diritto. 2. ed. Trad. Mario Losano. Turim: Einaudi, 1991 [1934], especialmente p. 3-4, e, mais à frente, no tema específico da discricionariedade como propriedade necessária da aplicação do direito, p. 353-354. Para um comentário crítico deste ponto, v. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 8. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2019 [1991], p. 96-104.
[3] Um bom encaminhamento desse problema, na filosofia do direito contemporânea, pode ser encontrado em COLEMAN, Jules. The architecture of jurisprudence. Yale Law Journal, v. 121, 2011.
[4] Devo registrar que eu e Conrado Hubner Mendes concebemos despretensiosamente essa simpática expressão em um almoço vegetariano no centro da cidade de São Paulo, mais especificamente, na Rua da Quitanda, ainda na primavera de 2023.
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
Vamos começar com o primeiro caso. Publicado em 11 de abril de 2019, o Decreto Presidencial n. 9759, em sua redação original, tinha por objeto a extinção dos 55 conselhos e colegiados de participação da sociedade civil pertencentes à administração pública federal. A justificativa que a Presidência apresentou para o Decreto foi a da necessária “limpeza” do Executivo federal contra ideologias que, com a mudança de governo nas últimas eleições, já não poderiam integrar a pauta ou os processos decisórios da administração (no que foi apelidado, à época, de “despetização”). O Decreto foi levado a julgamento no Supremo Tribunal Federal, que se dividiu em dois posicionamentos. De um lado, houve quem defendesse que o Decreto era em si inconstitucional, pois a participação social nas decisões administrativas integra o compromisso da Constituição de 1988 com a representatividade democrática.[1] Por outro, a maioria do Pleno entendeu que o Presidente não se encontra juridicamente obrigado a manter canais de participação da sociedade civil com os quais não concorda, porém não pode utilizar-se de decretos (normas infralegais) para extinguir conselhos criados em leis.[2]
Vejamos alguns destaques na divergência entre os Ministros Marco Aurélio (relator) e Luís Roberto Barroso (posição vencida):
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6121
Relator Ministro Marco Aurélio, j. 12.06.2019
Trecho de voto do Relator, Ministro Marco Aurélio
Parece-me que não há dúvida de que a criação, alteração, estruturação e extinção desses outros conselhos, colegiados, equipes e mesas podem ser feitas por decreto. Se a sua criação foi por decreto, a extinção também poderá ser por decreto. Não se trata aqui de diminuição de participação popular, não se trata de vedação ao retrocesso. Os principais Conselhos, que são aqueles criados por lei, só por lei podem ser extintos.
Agora, cada Presidente da República eleito tem as suas prioridades e, ao ter suas prioridades, vai remanejar, no âmbito das suas funções, respeitando os conselhos legalmente criados, pode criar outros comitês e outras comissões. Não é razoável – por ferimento à alternância de Poder e por ferimento à própria soberania popular, que, de quatro em quatro anos, escolhe outro Chefe do Executivo ou, na reeleição, mantém o mesmo – obrigar o Chefe do Executivo a manter uma estrutura infralegal criada, por decreto ou regulamento, pelo outro Chefe do Executivo. É possível que ele extinga, que transforme e que altere. O que não é possível é que ele extinga o que foi criado por lei, porque quem pode extinguir, eventualmente, a pedido do chefe do Executivo é o Congresso Nacional. Agora, cada Presidente da República eleito tem as suas prioridades e, ao ter suas prioridades, vai remanejar, no âmbito das suas funções, respeitando os conselhos legalmente criados, pode criar outros comitês e outras comissões.
Não é razoável – por ferimento à alternância de Poder e por ferimento à própria soberania popular, que, de quatro em quatro anos, escolhe outro Chefe do Executivo ou, na reeleição, mantém o mesmo – obrigar o Chefe do Executivo a manter uma estrutura infralegal criada, por decreto ou regulamento, pelo outro Chefe do Executivo. É possível que ele extinga, que transforme e que altere. O que não é possível é que ele extinga o que foi criado por lei, porque quem pode extinguir, eventualmente, a pedido do chefe do Executivo é o Congresso Nacional.
Trecho de voto divergente, do Ministro Luís Roberto Barroso (vencido)
E mesmo o motivo e o objeto, que são a parte discricionária dos atos administrativos, precisam passar pelo filtro da Constituição. Não por outra razão boa parte da doutrina contemporânea já até, muitas vezes, evita o emprego da palavra discricionariedade, para dizer que o que existem são diferentes níveis de vinculação, porque todo ato está subordinado à Constituição. Então, nunca há liberdade plena de escolha.
Do ponto de vista material, ou seja, do ponto de vista do objeto e do motivo, pedindo vênia às compreensões contrárias, eu também vislumbro problemas neste ato do Presidente da República. E em primeiro lugar, aqui invocando o princípio republicano, mas procurando densificá-lo para que não seja uma coisa extremamente vaga, entendo que a extinção indiscriminada de todos os conselhos, sem identificação nominal de qualquer um deles, quando tais conselhos têm naturezas diversas e funções completamente diversas, tem um nível de opacidade, de obscuridade, que impede o Congresso Nacional e a sociedade de saberem exatamente o que está sendo feito. (…)
Quanto à adequação deste ato que extingue todos os conselhos, a adequação significa a correlação entre meio e fim. Não é possível verificar a adequação deste ato, a meu ver, porque os conselhos não têm um fim homogêneo. Nós estamos falando de conselhos completamente distintos, que têm finalidades diversas. Logo, a adequação meio e fim, sem saber qual é o objeto, qual é o fim do Conselho que está sendo extinto, acredito que já é problemático.
Em segundo lugar, há uma questão na dimensão da necessidade, que, pelo princípio da proporcionalidade, significa vedação do excesso. O Presidente da República – eu penso – tem todo direito, desde que identifique e decline essas razões, de extinguir os conselhos por serem inoperantes, por serem ineficazes, por serem onerosos, por serem desnecessários. Dessa forma, é perfeitamente possível a extinção dos conselhos. Mas quando, por considerar alguns inoperantes e desnecessários, você extingue todos, acho que aqui há um problema de violação da proporcionalidade pelo excesso que se pratica na hipótese. (…)
E, por fim, e na sua terceira dimensão, no seu terceiro subprincípio, temos a proporcionalidade em sentido estrito. A proporcionalidade em sentido estrito, quando se afere uma medida do Poder Público, consiste em saber se aquilo que se está ganhando compensa aquilo que se está perdendo; é uma análise custo-benefício; é isso que, em última análise, significa a ponderação para determinar a proporcionalidade em sentido estrito. Pois bem, os interesses legítimos da Administração devem ser ponderados com a finalidade desempenhada por determinados conselhos. Mas como a extinção foi de cambulhada, sem que se possa fazer a ponderação em cada caso, não tem como se determinar se, do ponto de vista material, a decisão é ou não compatível com a Constituição e se passa no teste da proporcionalidade em sentido estrito. E, aí, em determinadas situações, não passará no teste da proporcionalidade no sentido estrito, inclusive porque em algumas delas incidirá o princípio da vedação do retrocesso, que significa, em síntese, impedir que em uma matéria que envolva direitos sociais, nas quais se tenha avançado, volte-se a uma situação anterior de menor proteção, sem um fundamento legítimo.
Assim, vamos verificar que a extinção ampla, geral e irrestrita atinge, por exemplo, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. O trabalho escravo – bem sabe a Ministra Rosa Weber, que conhece o tema profundamente – é um problema brasileiro que ainda existe; logo, é um retrocesso nós enfraquecermos esse combate. E nem creio, para ser sincero, que o Governo queira enfraquecer, mas é o subproduto deste decreto a extinção dessa comissão.
Também fica extinto o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção. Nós não estamos vivendo um momento que possamos prescindir desses controles. Extingue-se o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Quem quer que ande pelas ruas do Brasil, verá a tristeza e a tragédia de centenas, milhares, às vezes crianças, de moradores de rua ao total desamparo. Não é hora de se extinguir este conselho.
O Comitê Gestor da internet do Brasil, porque, neste momento, enfrentamos campanhas de desinformação, discursos de ódio e problemas que precisam ser equacionadas e, de preferência, sem censura, mas com o monitoramento tecnológico e outras providências.O Conselho Nacional dos Direitos de Pessoa com Deficiência, que tem prestado serviços imensos à sociedade brasileira, ao dar visibilidade à questão das pessoas com deficiência, uma luta ainda inacabada, aliás, incipiente pela acessibilidade no Brasil. Será que nós queremos mesmo extinguir o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência ou o Conselho Nacional de Combate à discriminação e Promoção dos Direitos LGBT, no País em que a violência homofóbica bate recordes mundiais? Nós queremos enfraquecer essa luta?
O Presidente, então, recebendo a decisão do Supremo Tribunal Federal, expediu o Decreto n. 9812/2019, revogando parcialmente o Decreto anterior. Ele precisou limitar-se a extinguir apenas 23 dos 55 conselhos e colegiados inicialmente sob a sua mira, obrigando-se a manter em funcionamento aqueles que possuíam fundamento jurídico em normas legais. O argumento vencedor é formal e hierárquico: no campo vinculado pela lei, a administração pública está limitada a obedecer ao comando legal. No campo não vinculado pela lei – o campo discricionário – decreto revoga decreto, porque a administração é livre para agir conforme as prioridades políticas momentâneas, o famoso crivo de “conveniência e oportunidade”.
Essa decisão permite discutirmos mais a fundo o próprio sentido de discricionariedade administrativa. Para muitos autores, incluindo Celso Antônio Bandeira de Mello, o manualista intelectualmente mais influente do século XX no Brasil, ela teria um sentido de criação da utilidade pública pela administração, sempre que ausente um comando normativo direta e explicitamente vinculante de sua atividade:
Elementos de Direito Administrativo
Por Celso Antônio Bandeira de Mello
1.ed. (1980) São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 15
“A exata compreensão do princípio da legalidade não significa – nem exclui – o fato de que à Administração incumbe criar concretamente – embora em nível sublegal – a utilidade pública, fato que postula necessariamente o princípio da discricionariedade.
Com efeito, discricionariedade e apreciação subjetiva caminham pari passu. A vinculação surge quando ocorre objetiva subsunção entre a hipótese prevista na lei e o caso concreto. Ora, sendo materialmente impossível a previsão exata de todos os casos e tendo-se em conta o caráter de generalidade próprio da lei, decorre que à Administração restarão, em inúmeras ocasiões, a faculdade e o dever de apreciar discricionariamente as situações vertentes, precisamente para implementar a finalidade legal a que está jungida pelo princípio da legalidade. (…)[citando Vitor Nunes Leal] O fim legal é, sem dúvida, um limite ao poder discricionário. Portanto, se a ação administrativa desatende a essa finalidade, deve-se concluir que extralimitou de sua zona livre, violando uma prescrição jurídica expressa ou implícita, o que transpõe, por definição, para a zona vinculada.”
Vista como um “princípio”, a discricionariedade significa, portanto, a proteção a uma esfera de escolha subjetiva da administração pública. No interior dessa esfera, cabe à administração criar, livremente, a utilidade pública. É por essa razão que, para a teoria tradicional do direito administrativo no Brasil, a discricionariedade se traduz em uma liberdade da administração pública, dentro dos limites franqueados pelas leis.
Note-se, também, a pretensão exaustiva da dicotomia discricionariedade / vinculação. Haveria, para as administrações públicas, a zona livre – pautada pela discricionariedade – e a zona vinculada – pautada pela lei. A discricionariedade é o par da legalidade. Uma é o reverso da outra, e ambas são princípios de ação, métodos do direito administrativo. A legalidade, para situações de subsunção objetiva. A discricionariedade, para situações de apreciação subjetiva.
Como veremos em nosso segundo caso difícil, esse traço terá implicações importantes ao controle judicial da atividade administrativa, trazendo certa “blindagem” ao “mérito” do ato administrativo discricionário.
Mas, por enquanto, vamos nos concentrar nessa relação entre discricionariedade e liberdade de ação. Pelo “princípio da discricionariedade”, a administração pública teria a “garantia” de uma liberdade para agir, que não se confundiria nem com delegação legislativa nem com exercício de poder regulamentar. Segundo esse entendimento tradicional, “em relação a certos assuntos, a administração teria um poder normativo autônomo, não concedido diretamente por uma lei (um desses assuntos seria a organização e o funcionamento da administração)”. [3] Por isso mesmo, no exercício tal poder discricionário e autônomo não se confundiria nem com a delegação de poder pela lei, nem com a regulamentação de lei pela administração pública. Note-se que essa é exatamente a razão de decidir que orientou o voto do Relator (e da maioria do Pleno) no julgamento da ADI n. 6121/2019: a administração pública federal pode livremente dispor de sua organização e funcionamento por motivos de conveniência e de oportunidade politicamente determinados.
Com todo o respeito a essa posição, podemos – e devemos – questionar se faz sentido transpor ao direito público essa lógica de “liberdade de ação nos limites da lei” que é típica dos agentes privados. Em outras palavras, é possível – ou normativamente desejável – tratar as administrações públicas como se fossem agentes privados livres para fazer escolhas nos limites da lei? Carlos Ari Sundfeld sugere uma resposta a essa pergunta:
Discricionariedade e revogação do ato administrativo
Por Carlos Ari Sundfeld
Revista de Direito Público, n. 79, 1986
“Costuma-se entender a discricionariedade como uma liberdade que a Administração possui de escolher o momento, a forma, o motivo, o objeto, enfim, a conveniência e oportunidade de seus atos, naquelas hipóteses em que a lei não os estabeleça com exatidão. Parece, desta formulação, que a discricionariedade seria como que um persistente resquício do Estado Polícia. De fato, neste, a Administração era livre, no sentido de que não via seu comportamento condicionado, sequer limitado, pela lei. Mas não se pode confundir a “liberdade” que possa existir para a Administração Pública no Estado de Direito com aquela que desfrutava antes dele.
O Estado de Direito, com a adoção da tripartição de funções e do postulado da supremacia da lei, criou uma sujeição jurídica para o administrador: o princípio da legalidade, pelo qual ele só pode agir se houver lei autorizadora, e deve fazê-lo nos estreitos limites da autorização. Se acaso resulta, ainda, no Estado de Direito, alguma “liberdade” para a Administração, há de ser certamente algo bem diverso daquela existente no Estado Polícia. Antes, liberdade por falta de lei, agora “liberdade” por força da lei.
Ressalta-se devidamente que, se “liberdade” ainda há, não se trata de liberdade apesar da lei – em outros termos: resultante de um espaço não normado, no atingido pela lei – mas “liberdade” por força da lei, isto é, liberdade que a lei, por alguma razão, concede à Administração. E nem poderia ser diferente, eis que, se ao administrador só se reconhecem aqueles poderes expressamente outorgados por lei, a ausência dela não pode significar outorga de poderes, mas antes negação deles.
Contudo, não se há de falar em “liberdade” administrativa. Esta expressão é totalmente inconveniente para explicar a discricionariedade, isto é, para designar o poder que a Administração pode ter de, no caso concreto, apreciar subjetivamente se estão presentes os pressupostos fixados pela lei como autorizadores da emanação do ato. Liberdade é, mais propriamente, uma faculdade de agir limitada apenas negativamente, um poder de ação jurídica reconhecido aos sujeitos privados, que estes exercem no seu próprio interesse. A liberdade, juridicamente, pode ser entendida como um poder que resulta da ausência de proibições. É a ideia essencial do direito privado (…)
Daí inexistir liberdade para o administrador, mesmo que, por imprecisão da lei, lhe caiba determinar no caso concreto, no uso de critérios subjetivos próprios, qual seria a vontade da lei se ela tivesse defrontado com aquele específico caso. E não há liberdade porque a atuação da vontade do agente será meramente instrumental para a realização da vontade da lei. A vontade do agente não é um valor em si mesmo, como no direito privado, mas um necessário instrumento para a realização da vontade da lei.
A exigência de discricionariedade, em suma, não importa em liberdade, em poder de ação do agente limitado apenas negativamente, mas ainda em função, em dever-poder de ação condicionado positivamente por interesses públicos, exatamente como se passa na vinculação. Haja discricionariedade ou vinculação, a atividade do administrador será sempre uma ‘atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais’, nas preciosas palavras de Queiró. (…)
Se do confronto do fato com a norma, não decorrer a vinculação total, restando ainda alguma indeterminação (já menos acentuada, em concreto, do que quando apreciada apenas a norma abstratamente), aí sim, o agente fará aquilo que viemos chamando de apreciação subjetiva, para contrapô-la à apreciação objetiva. A apreciação objetiva, sem embargo de que feita por um sujeito, é um exercício lógico de estabelecimento de relações da norma com outras normas (interpretação) ou da norma com a situação fática, e que pode ser controlada por outras pessoas – pelo Judiciário, por exemplo –, justamente por se tratar de um relacionamento de objetos (normas, fatos) situados fora dos sujeitos, portanto, visíveis e valoráveis por todos os sujeitos.”
O que está em questão aqui é, portanto, a existência, ou não, de uma “zona livre”, um domínio de “discricionariedade pura” no campo de ação das administrações públicas. Esse espaço de poder – externo ao direito, um “espaço não normado”, para usarmos as palavras do texto acima – seria típico do direito privado, dos sujeitos privados que agem com base em interesses próprios. Administrações públicas só existem nos termos definidos por normas e outras instituições sociais heterônomas. São produtos da legalidade, e não realidades autônomas sujeitas à legalidade. Pautam-se não por interesses próprios, mas por interesses públicos. Qual interesse “próprio” poderia ter a administração pública que não pudesse ser controlado à luz de outras normas (interpretação), ou de fatos e situações jurídicas concretas (aplicação da lei)?
A premissa central, nesse raciocínio, é a diferença categorial entre público e privado. Quando, em um dilema que me é típico, escolho entre usar meu par de meias amarelas do Gato Félix ou meu par de meias em padrão listrado com flamingos, estou em um espaço de livre exercício de poder privado que me é garantido com base em meus interesses próprios – estéticos, culturais, pessoais – e exercido nos limites da ordem jurídica. Quando escolho gastar meu tempo e meu dinheiro, em um sábado chuvoso, indo a um concerto no Teatro Municipal ou ficando em casa e pedindo uma pizza, há certo valor intrínseco, reconhecido pela ordem jurídica, em se atribuir essa escolha para mim – e apenas para mim – em respeito à minha autonomia privada. Nos limites das restrições legais – não posso passar meu sábado colocando em ação um atentado paramilitar contra a as instituições democráticas brasileiras – minhas escolhas são pessoais, autônomas, livres de qualquer interferência externa arbitrária. Em uma palavra, elas são discricionárias.
Administrações públicas fazem escolhas desse tipo? Estão protegidas do controle externo por escolhas que fazem com base em “interesses próprios”? O segundo caso da nossa aula vai nos ajudar nessas respostas.
O ano é 2021 e estamos em janeiro, no momento mais letal da pandemia do coronavírus no Brasil. Entre janeiro e março de 2021, a média diária de mortes segue um crescente, que oscila entre impressionantes 1000 e 1500 óbitos/dia. As vacinas estão pelo menos seis meses atrasadas, por inércia da administração pública federal. Contra as orientações gerais da Organização Mundial da Saúde, [4] e contra as previsões estatísticas de diferentes institutos de pesquisa, nacionais e estrangeiros, [5] a administração pública do Estado de São Paulo decidiu pela retomada de aulas presenciais, nas escolas públicas e privadas, já a partir de janeiro de 2021 (Decreto n. 65384/2020, e Resolução SEDUC 95/2020). Essas normas administrativas foram contestadas, e sua eficácia foi liminarmente suspensa. Coube recurso à presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O que se esperaria de uma decisão como essa? Bem, se o regime administrativo é baseado nos “interesses públicos”, não parece razoável discutir o direito à vida. Submeter professoras e alunas – sem qualquer vacina ou proteção imunobiológica – ao convívio presencial em salas de aula, que já não dispõem de recursos adequados nem mesmo em condições de normalidade, não parece ter qualquer chance de se justificar diante das finalidades legais perseguidas pelo Estado brasileiro. A decisão monocrática do então Presidente do Tribunal, Des. Pinheiro Franco, chega, contudo, à solução oposta. E a justificativa – o princípio da discricionariedade como fundamento do regime administrativo:
TJSP, Suspensão de Liminar n.º 2013164-66
Decisão monocrática do Des. Presidente, j. 29.01.2021
Trecho de decisão monocrática do Des. Presidente
Conforme afirmei alhures, mormente em outras questões ligadas ao referido Plano São Paulo, que estão no campo da discricionariedade, e não dos atos vinculados, como regra geral uma decisão judicial não é capaz de substituir os específicos critérios da administração, esta a atuar, como presunção, em atenção à supremacia do interesse público. Ademais, o Poder Judiciário não dispõe de elementos técnicos suficientes para a tomada de decisão equilibrada e harmônica e desconhece o panorama geral de funcionamento das estruturas públicas de todo o Estado de São Paulo.
Em tal direção, preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei. Isto ocorre precisamente pelo fato de ser a discricionariedade um poder delimitado previamente pelo legislador; este, ao definir determinado ato, intencionalmente deixa um espaço para livre decisão da Administração Pública, legitimando previamente a sua opção; qualquer delas será legal. Daí por que não pode o Poder Judiciário invadir esse espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois, caso contrário, estaria substituindo, por seus próprios critérios de escolha, a opção legítima feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto.” (in Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 260 – grifos nossos).
Em cognição própria a este momento processual e no tocante ao controle judicial dos atos discricionários, nada indica desvio de poder, desrespeito diáfano a direito fundamental ou ainda motivos determinantes não observados, ou não verdadeiros, com relação ao Decreto Estadual nº 65.384/2020.
Claro está que a retomada das atividades presenciais nas unidades escolares envolve elementos ligados ao mérito do ato administrativo que não pode ser objeto de análise pelo Poder Judiciário, cujo foco deve estar ligado aos aspectos formais de validade. Se não pode invalidar, pelo mérito, o ato administrativo, é também vedado ao Poder Judiciário proferir decisão que substitua o mérito desse ato, pautado em critérios técnicos.Nesse sentido, e conforme já se depreende, a decisão questionada acarreta risco à ordem pública na acepção acima declinada, a dificultar e a impedir o adequado exercício das funções típicas da administração pelas autoridades legalmente constituídas, comprometida a condução coordenada das ações necessárias à mitigação dos danos provocados pela COVID-19.
Segundo a decisão, portanto, não seria possível controlar o “mérito” dos respectivos atos administrativos normativos, pois isso feriria o espaço de liberdade que o próprio regime administrativo garantiria à administração pública. Citando trecho doutrinário de Maria Sylvia Zanella di Pietro, a decisão afirma que, dentro de espaços discricionários, toda e qualquer decisão que a administração pública toma é igualmente legítima, e que, portanto, descaberia seu controle jurisdicional.
Haveria limites – que todavia não são traçados pela Constituição – ao controle da administração pública pelo Poder Judiciário. A jurisdição não poderia invadir o juízo de “conveniência e oportunidade” que a administração “melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto”. Um espaço que é tão “blindado” pela discricionariedade administrativa a ponto de suportar decisões que contrariam não apenas consensos científicos internacionais, mas também o próprio conjunto constitucional de obrigações públicas e direitos fundamentais. Mas que conveniência – e que oportunidade – poderiam existir nas cerca de 200 mil mortes (o “excesso de mortalidade”) que, de acordo com levantamentos comparativos, poderiam ter sido evitadas com uma condução mais adequada da pandemia no Brasil? [6]
O problema parece estar, mais uma vez, na definição da discricionariedade como zona livre de vinculação normativa, protegida de qualquer controle jurídico, e “trunfada” por uma espécie de “liberdade da administração pública” ou “capacidade da administração pública” para melhor decidir em situações concretas. No interior dessa “faixa de desvinculação da administração pública”, para usar a expressão de José Cretella, qualquer decisão da administração pública seria igualmente válida. [7] Veja-se, a esse propósito, que Maria Sylvia Zanella di Pietro, a doutrinadora citada pela decisão acima, define a discricionariedade exatamente nestes termos, em obra de referência sobre o tema:
Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988
Por Maria Sylvia Zanella di Pietro
São Paulo, Atlas, p. 67, 1991
“A discricionariedade corresponde à faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma entre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.”
Nessa definição fica clara a conexão entre a discricionariedade administrativa e a suposta “insindicabilidade” do mérito do ato administrativo. No interior de um espaço discricionário, a escolha da administração pública – o mérito do ato administrativo – seria imune a qualquer parâmetro de controle jurídico, o que afastaria a atividade jurisdicional. Trata-se da tese da livre eleição do interesse público no exercício de competências discricionárias pela administração pública.
De acordo com essa tese, quando inexiste vinculação legal direta, pode a administração pública, por meio de sua discricionariedade, “criar a utilidade pública” (Celso Antônio Bandeira de Mello), ficando o respectivo ato infenso a qualquer parâmetro de controle jurídico, pois este é um espaço “assegurado à Administração Pública pela lei”, dentro do qual toda e qualquer decisão será “opção legítima, feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir” (Di Pietro).
Note-se, para concluir nosso raciocínio até aqui, como a mesma abordagem metodológica que propõe a supremacia e a indisponibilidade do interesse público defende também a livre eleição do interesse público pela administração pública, sempre que ela se encontre no exercício de uma competência discricionária. [8]
Toda essa abordagem metodológica é seriamente desafiada pela atual noção de vinculação constitucional da administração pública. Ao subordiná-la a obrigações jurídicas cada vez mais ambiciosas e exigentes, a perspectiva metodológica que enfatiza a constitucionalidade do direito administrativo parece drenar qualquer espaço de “livre eleição do interesse público”, o que amplia, aliás, as oportunidades de controle jurisdicional do mérito das decisões administrativas. Esse é o tema dos próximos três casos que veremos nesta aula.
Comecemos pelo contraponto exemplar da decisão do TJSP. Nela, o STF entendeu não haver qualquerdiscricionariedade para a administração pública federal na condução da política nacional de mudança climática nos termos determinados pelo Acordo de Paris (2015):
STF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 708
Relator Min. Luís Roberto Barroso, j. 04.07.2022
DIREITO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. FUNDO CLIMA. NÃO DESTINAÇÃO DOS RECURSOS VOLTADOS À MITIGAÇÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO A COMPROMISSOS INTERNACIONAIS.
1. Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental por meio da qual se alega que a União manteve o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) inoperante durante os anos de 2019 e 2020, deixando de destinar vultosos recursos para o enfrentamento das mudanças climáticas. Pede-se: (i) a retomada do funcionamento do Fundo; (ii) a decretação do dever da União de alocação de tais recursos e a determinação de que se abstenha de novas omissões; (iii) a vedação ao contingenciamento de tais valores, com base no direito constitucional ao meio ambiente saudável.
2. Os documentos juntados aos autos comprovam a efetiva omissão da União, durante os anos de 2019 e 2020. Demonstram que a não alocação dos recursos constituiu uma decisão deliberada do Executivo, até que fosse possível alterar a constituição do Comitê Gestor do Fundo, de modo a controlar as informações e decisões pertinentes à alocação de seus recursos. A medida se insere em quadro mais amplo de sistêmica supressão ou enfraquecimento de colegiados da Administração Pública e/ou de redução da participação da sociedade civil em seu âmbito, com vistas à sua captura. Tais providências já foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em reiteradas decisões. Nesse sentido: ADI 6121, Rel. Min. Marco Aurélio (referente à extinção de múltiplos órgãos colegiados); ADPF 622, Rel. Min. Luís Roberto Barroso (sobre alteração do funcionamento do CONANDA); ADPF 623-MC, Relª. Minª. Rosa Weber (sobre a mesma problemática no CONAMA); ADPF 651, Relª. Minª. Cármen Lúcia (pertinente ao Conselho Deliberativo do FMNA).
3. O funcionamento do Fundo Clima foi retomado às pressas pelo Executivo, após a propositura da presente ação, liberando-se: (i) a integralidade dos recursos reembolsáveis para o BNDES; e (ii) parte dos recursos não reembolsáveis, para o Projeto Lixão Zero, do governo de Rondônia. Parcela remanescente dos recursos não reembolsáveis foi mantida retida, por contingenciamento alegadamente determinado pelo Ministério da Economia.
4. Dever constitucional, supralegal e legal da União e dos representantes eleitos, de proteger o meio ambiente e de combater as mudanças climáticas. A questão, portanto, tem natureza jurídica vinculante, não se tratando de livre escolha política. Determinação de que se abstenham de omissões na operacionalização do Fundo Clima e na destinação dos seus recursos. Inteligência dos arts. 225 e 5º, § 2º, da Constituição Federal (CF).
5. Vedação ao contingenciamento dos valores do Fundo Clima, em razão: (i) do grave contexto em que se encontra a situação ambiental brasileira, que guarda estrita relação de dependência com o núcleo essencial de múltiplos direitos fundamentais; (ii) de tais valores se vincularem a despesa objeto de deliberação do Legislativo, voltada ao cumprimento de obrigação constitucional e legal, com destinação específica. Inteligência do art. 2º, da CF e do art. 9º, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000 (LRF). Precedente: ADPF 347-MC, Rel. Min. Marco Aurélio.
6. Pedido julgado procedente para: (i) reconhecer a omissão da União, em razão da não alocação integral dos recursos do Fundo Clima referentes a 2019; (ii) determinar à União que se abstenha de se omitir em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos; (iii) vedar o contingenciamento das receitas que integram o Fundo.
7. Tese: O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, § 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º, c/c o art. 9º, § 2º, LRF).
Trecho do voto do Min. Edson Fachin:
Ao reconhecer o direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental das presentes e futuras gerações, o legislador constituinte conclamou os Poderes Públicos e a coletividade a cumprirem o dever de defendê-lo e preservá-lo. Esse dever de defesa e de proteção logicamente também se estende à necessária proteção em face das ações humanas que degradam o planeta.
Não existe possibilidade de interpretação do art. 225, CRFB, que autorize os Poderes Público – Legislativo, Executivo, Judiciário – a ignorarem este dever. Não se trata de argumentar que as escolhas políticas podem ser feitas nestas políticas públicas pelo Legislativo ou pelo Executivo e que seriam escolhas de discricionariedade técnica. Não há falar em separação de poderes quando políticas públicas são usadas para esvaziar a proteção ambiental, quando o legislador constituinte determinou aos Poderes Públicos, à coletividade – aos terrestres – a proteção ambiental.
Os registros de desmatamento ambiental, a ausência de proteção às terras indígenas e o esvaziamento da fiscalização ambiental evidenciam a relevância e a importância do papel do Poder Judiciário nesta questão.(…) O respeito aos deveres estatais de proteção climática é imperioso. Não há discricionariedade administrativa que permita políticas públicas ou programas de governo que ignorem tais deveres, os quais derivam diretamente do texto constitucional.
Nesta decisão, o STF trilhou o caminho oposto ao dos últimos dois casos que examinamos. Ao contrário do precedente sobre a extinção dos conselhos – agora citada pelo Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, que havia sido voto vencido na ADI 6121 – aqui se entendeu que o regime administrativo, articulado à política internacional de proteção contra as mudanças climáticas, eliminaria qualquer espaço de livre escolha discricionária da administração pública, permitindo o amplo controle jurisdicional da atividade – ou da inatividade – administrativa. O regime administrativo seria caracterizado por obrigações constitucionais abrangentes que, no caso da política climática, devem ser extraídas do Acordo de Paris, cuja natureza supralegal decorre do processo de incorporação de normas internacionais descrito no § 2º do art. 5º da Constituição de 1988.
Não importaram, para a decisão quase unânime da Corte, a “discricionariedade” da administração pública nas escolhas sobre sua organização ou seu funcionamento, ou mesmo sua “liberdade” no gerenciamento de seus recursos financeiros. Ficou vencido apenas o Ministro Nunes Marques, que argumentou, explicitamente, que o contingenciamento do Fundo Clima está entre as escolhas que “devem ser precipuamente feitas pelo Executivo, dentro de sua esfera de discricionariedade, sob os ângulos de conveniência e oportunidade”.
Os próximos dois casos difíceis, ambos oriundos da jurisdição constitucional, são mais ambíguos. Servem, assim, para exemplificar o estado atual da discricionariedade administrativa no Brasil. Se, por um lado, afirmam formalmente a existência de certa “esfera discricionária”, declinam obrigações constitucionais, de índole material ou formal, tão ambiciosas, exigente e abrangentes que, na prática, eliminariam qualquer espaço de efetiva escolha da administração pública. No primeiro caso, ainda sobre política ambiental, o STF entendeu que a política de combate à poluição atmosférica é discricionária, mas precisa obedecer às diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS):
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6148
Redator p/ Acórdão Min. André Mendonça, j. 05.05.2022
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. PADRÕES DE QUALIDADE DO AR. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (CONAMA): COMPETÊNCIA PARA EXERCER JUÍZO TÉCNICO DISCRICIONÁRIO DE NORMATIZAÇÃO DA MATÉRIA. PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. AUTOCONTENÇÃO JUDICIAL. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491, DE 2018: NORMA CONSTITUCIONAL EM VIAS DE SE TORNAR INCONSTITUCIONAL. CONCESSÃO DO PRAZO DE 24 (VINTE E QUATRO) MESES PARA EDIÇÃO DE NOVA RESOLUÇÃO: OBSERVÂNCIA DA ATUAL REALIDADE FÁTICA.
1. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é órgão colegiado criado pela Lei nº 6.938, de 1981, dotado de capacidade institucional e responsabilidade, para, a partir de estudos e debate colegiado, dispor sobre “normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”.
2. Diante das múltiplas vicissitudes e peculiaridades do caso, cabe, prioritariamente, ao CONAMA, como órgão regulador e no exercício da sua capacidade institucional, aquilatar, com devida atenção e aprofundado rigor técnico, qual o melhor conjunto de medidas apto a orientar a política de controle da qualidade do ar.
3. Impropriedade do Poder Judiciário em adentrar, ou mesmo substituir, o juízo técnico discricionário realizado na elaboração e no aprimoramento da política pública em foco.
4. Não se afigura salutar a conduta judicial de permanente e minudente escrutínio incidente sobre a condução das políticas públicas selecionadas pelo Administrador.
5. Em se tratando de tema de complexa e controvertida natureza técnico-científica, cabe ao Poder Judiciário atuar com ainda maior deferência em relação às decisões de natureza técnica tomadas pelos órgãos públicos com maior capacidade institucional para o tratamento e solução da questão.
6. Eventual atuação desta Suprema Corte no sentido de rever os critérios que redundaram na opção empreendida pelo CONAMA dependeria de manifesta falta de razoabilidade, de ausência de justificação ou de evidente abusividade na escolha empreendida pelo Administrador, não sendo este o caso dos autos.
7. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que as diretrizes por ela traçadas não devem ser aplicadas automática e indistintamente, devendo cada país levar em conta os riscos à saúde, sua viabilidade tecnológica, questões econômicas e fatores políticos e sociais peculiares, além do nível de desenvolvimento e da capacidade de cada ente competente para atuar na gestão da qualidade do ar.
8. Sob a ótica do desenvolvimento sustentável, é necessário que sejam consideradas, pelo órgão regulador, o estágio mais atual da realidade nacional, das peculiaridades locais, bem como as possibilidades momentâneas de melhor aplicação dos primados da livre iniciativa, do desenvolvimento social, da redução da pobreza e da promoção da saúde pública, como elementos de indispensável consideração para construção e progressiva evolução da norma, de forma a otimizar a proteção ambiental, dentro da lógica da maior medida possível.
9. Reconhecimento de que a Resolução CONAMA nº 491, de 2018, afigura-se “ainda constitucional”. Determinação ao CONAMA de edição de nova resolução sobre a matéria que considere (i) as atuais orientações da Organização Mundial de Saúde sobre os padrões adequados da qualidade do ar; (ii) a realidade nacional e as peculiaridades locais; e (iii) os primados da livre iniciativa, do desenvolvimento social, da redução da pobreza e da promoção da saúde pública.
10. Se decorrido o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, sem a edição de novo ato que represente avanço material na política pública relacionada à qualidade do ar, passarão a vigorar os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde enquanto perdurar a omissão administrativa na edição da nova Resolução.
11. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
Trecho do voto da Min. Carmen Lúcia, Relatora original (voto vencido):
Na forma estabelecida [pela Resolução CONAMA n. 491/2018], há proteção deficiente ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e inobservância do princípio constitucional da eficiência, até mesmo pela carência de prazos para que se complementem as medidas definidas.
Neste sentido é que a ausência dos elementos normativos e das obrigações necessárias para a observância dos princípios constitucionais se pode configurar afronta à Constituição da República, descumprindo-se o dever de proteção eficiente definido na Política Nacional do Meio Ambiente, contrariando-se, assim, o dever estatal, constitucionalmente estabelecido, de garantir-se o direito fundamental à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de maneira a prevenir comprometimento da condição de vida digna em matéria ambiental. (…)Pelo exposto, voto no sentido de conhecer da ação direta de inconstitucionalidade e julgar procedente o pedido para declarar a incompatibilidade das normas questionadas com os princípios constitucionais de segurança e proteção eficiente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem pronúncia de nulidade da Resolução CONAMA n. 491/2018, apenas para determinar ao Conselho Nacional do Meio Ambiente que, nos termos do pedido formulado, edite norma com suficiente capacidade protetiva do meio ambiente, especialmente no que se refere a prazos a serem atendidos e a providências de fiscalização e controle pelos entes competentes, no prazo máximo de doze meses.
Chegamos, enfim, ao último caso que iremos abordar nesta aula. Nele, o STF definiu as quatro condições de prorrogação de contratos de concessão sem necessidade de licitação. Chama a atenção, contudo, a convivência de dois critérios que parecem se contradizer. Por um lado, fala-se de “discricionariedade da administração pública”, o que virtualmente insere a decisão pela prorrogação (ou não) dos contratos de concessão na esfera da “conveniência” e da “oportunidade”, ou seja, em uma margem de apreciação subjetiva da administração pública. Por outro lado, é condição da prorrogação sem licitação a demonstração de vantagem objetiva à administração pública, o que se desdobra em duas obrigações – uma de índole material, consistente na aferição econômico-financeira, regulatória e socioambiental da vantagem da prorrogação, e outra formal, processual, consistente na motivação clara e explícita dos fundamentos aptos a demonstrar a referida vantagem:
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 7048
Redator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 22.08.2023
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA COMO ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. 2. DECRETO N. 65.574/2021 E DECRETO N. 65.575/2021 DO ESTADO DE SÃO PAULO. 3. PRORROGAÇÃO ANTECIPADA, PELO PRAZO DE 25 ANOS, DA CONCESSÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO INTERMUNICIPAL POR ÔNIBUS E TRÓLEBUS NO CORREDOR METROPOLITANO SÃO MATEUS – JABAQUARA COM A INCORPORAÇÃO, NA CONDIÇÃO DE NOVOS INVESTIMENTOS, DO SISTEMA BRT-ABC E DO SISTEMA REMANESCENTE. 4. POSSIBILIDADE. ESTUDO TÉCNICO QUE FUNDAMENTE VANTAGEM DA PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE PARCEIRA EM RELAÇÃO À REALIZAÇÃO DE NOVA LICITAÇÃO PARA O EMPREENDIMENTO. DEMONSTRAÇÃO DE VANTAJOSIDADE PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 5. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL JULGADA IMPROCEDENTE.
Trecho de voto do Relator do Acórdão, Min. Gilmar Mendes:
Em face dos parâmetros estabelecidos na doutrina e na jurisprudência desta Corte, é possível delimitar alguns pressupostos e requisitos necessários para a validade da prorrogação antecipada dos contratos de concessão. Em face dos parâmetros estabelecidos na doutrina e na jurisprudência desta Corte, é possível delimitar alguns pressupostos e requisitos necessários para a validade da prorrogação antecipada dos contratos de concessão.
a) Contrato de concessão ou permissão vigente e previamente licitado. Em primeiro lugar, resta claro que qualquer modalidade de prorrogação só pode ocorrer no âmbito de contratos administrativos de prestação de serviço público que estejam vigentes e que tenham sido originariamente licitados.
b) Previsão da prorrogação no edital de licitação e no contrato original. Em segundo lugar, só é admissível a prorrogação de contratos de concessão se o pacto original já contiver previsão nesse sentido, exigência esta que também se estende ao edital.
c) Discricionariedade da Administração Pública. Em terceiro lugar, a lei que prevê a prorrogação antecipada deve sempre submeter a possibilidade dessa prorrogação a uma decisão discricionária e motivada da Administração Pública, na figura do Poder Concedente. A lei superveniente, assim, não pode diretamente garantir o direito de prorrogação ao particular, sob pena de violação dos princípios constitucionais da eficiência, isonomia e publicidade. (…) Sobre esse ponto, vale ressaltar as considerações do EMINENTE MIN. DIAS TOFFOLI no julgamento do RMS 34.203, em que se discutia o direito de prorrogação de contrato de produção de concessão de usina hidrelétrica perante o regime da Lei 9.074/1995, quando se pontuou que: ‘é da essência da cláusula de prorrogação contratual a voluntariedade, delineada no âmbito da Administração Pública sob os parâmetros de atendimento ao interesse público, o que, evidentemente, se perfaz sob margem de discricionariedade administrativa’. (RMS 34.203, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21.11.2017, DJe 20.3.2018).
d) Vantajosidade (sic). O princípio da eficiência demanda que o Poder Concedente coteje as relações de custo-benefício entre a realização do alongamento contratual ou a realização de um novo procedimento licitatório. Desse modo, além de discricionária, a decisão da Administração Pública de realizar a prorrogação antecipada dos contratos deve sempre refletir o critério da vantajosidade (sic). Esse requisito decorre diretamente do texto constitucional, ainda que a lei específica setorial não o preveja expressamente. No caso específico da prorrogação antecipada, mesmo diante da autorização legislativa reputada como válida, o Poder Concedente terá sempre que examinar, em cada concessão in concreto, qual a conveniência e oportunidade da Administração Pública em realizar a prorrogação vis a vis a promoção de um novo procedimento licitatório. (…) Esse exame se dá principalmente a partir da elaboração de Análises de Impacto Regulatório (AIR) pelos órgãos da Administração Pública, projetando os possíveis cenários alternativos para atração de investimentos, com base em critérios como modicidade tarifária, eficiência, modernização da infraestrutura e qualidade e universalidade da prestação do serviço.
6. Eventual atuação desta Suprema Corte no sentido de rever os critérios que redundaram na opção empreendida pelo CONAMA dependeria de manifesta falta de razoabilidade, de ausência de justificação ou de evidente abusividade na escolha empreendida pelo Administrador, não sendo este o caso dos autos.
7. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que as diretrizes por ela traçadas não devem ser aplicadas automática e indistintamente, devendo cada país levar em conta os riscos à saúde, sua viabilidade tecnológica, questões econômicas e fatores políticos e sociais peculiares, além do nível de desenvolvimento e da capacidade de cada ente competente para atuar na gestão da qualidade do ar.
8. Sob a ótica do desenvolvimento sustentável, é necessário que sejam consideradas, pelo órgão regulador, o estágio mais atual da realidade nacional, das peculiaridades locais, bem como as possibilidades momentâneas de melhor aplicação dos primados da livre iniciativa, do desenvolvimento social, da redução da pobreza e da promoção da saúde pública, como elementos de indispensável consideração para construção e progressiva evolução da norma, de forma a otimizar a proteção ambiental, dentro da lógica da maior medida possível.
9. Reconhecimento de que a Resolução CONAMA nº 491, de 2018, afigura-se “ainda constitucional”. Determinação ao CONAMA de edição de nova resolução sobre a matéria que considere (i) as atuais orientações da Organização Mundial de Saúde sobre os padrões adequados da qualidade do ar; (ii) a realidade nacional e as peculiaridades locais; e (iii) os primados da livre iniciativa, do desenvolvimento social, da redução da pobreza e da promoção da saúde pública.
10. Se decorrido o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, sem a edição de novo ato que represente avanço material na política pública relacionada à qualidade do ar, passarão a vigorar os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde enquanto perdurar a omissão administrativa na edição da nova Resolução.
11. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
Trecho do voto da Min. Carmen Lúcia, Relatora original (voto vencido):
Na forma estabelecida [pela Resolução CONAMA n. 491/2018], há proteção deficiente ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e inobservância do princípio constitucional da eficiência, até mesmo pela carência de prazos para que se complementem as medidas definidas.
Neste sentido é que a ausência dos elementos normativos e das obrigações necessárias para a observância dos princípios constitucionais se pode configurar afronta à Constituição da República, descumprindo-se o dever de proteção eficiente definido na Política Nacional do Meio Ambiente, contrariando-se, assim, o dever estatal, constitucionalmente estabelecido, de garantir-se o direito fundamental à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de maneira a prevenir comprometimento da condição de vida digna em matéria ambiental. (…)Pelo exposto, voto no sentido de conhecer da ação direta de inconstitucionalidade e julgar procedente o pedido para declarar a incompatibilidade das normas questionadas com os princípios constitucionais de segurança e proteção eficiente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem pronúncia de nulidade da Resolução CONAMA n. 491/2018, apenas para determinar ao Conselho Nacional do Meio Ambiente que, nos termos do pedido formulado, edite norma com suficiente capacidade protetiva do meio ambiente, especialmente no que se refere a prazos a serem atendidos e a providências de fiscalização e controle pelos entes competentes, no prazo máximo de doze meses.
À luz desses três últimos casos, vamos concluir a parte analítica da aula, retornando à nossa questão central. Discricionariedade existe?
Mais importante do que buscar uma resposta definitiva à pergunta, acredito ser muito mais interessante pensar se a discricionariedade administrativa desempenha, na ordem jurídica contemporânea, qualquer papel relevante. A inevitável relativização da distinção entre discricionariedade e vinculação – entendida como dicotomia sagrada e absoluta pela doutrina mais tradicional – leva naturalmente a que se questione se o conceito ainda detém alguma pertinência teórica ou utilidade prática.
Pelo que discutimos nesta aula, fica cada vez mais difícil admitir, de um ponto de vista normativo, e visualizar, de um ponto de vista prático, o que seria a “esfera de liberdade da administração pública” – equivalente à autonomia dos sujeitos privados na persecução de seus interesses próprios. Como consequência, fica cada vez mais difícil não concordar com Gustavo Binenbojm, quando ele sugere que a discricionariedade administrativa, em sentido forte, tem dado lugar a diferentes graus de vinculação da administração pública à legalidade. Note-se, aliás, que essa é exatamente a construção teórica aludida por Luís Roberto Barroso – personagem fundamental no desenvolvimento da evolução jurisprudencial que reconstruímos nesta aula – em seu voto divergente no primeiro caso que analisamos, a ADI 6121/2019.
Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização
Por Gustavo Binenbojm
3.ed. (2014) Rio de Janeiro, Renovar, p. 220
“A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, em uma autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos.”
Se há diferentes graus de vinculação, então talvez tenha ficado desnecessário recorrer ao conceito de discricionariedade administrativa. Aqui, não sejamos ingênuos, nem elusivos. Para ficar com os dois últimos casos que analisamos – a ADI 6148/2022 e a ADI 7048/2023 – se a administração pública tem dois anos para editar uma resolução que incorpore, pelo menos, os standards protetivos da OMS, ou se precisa comprovar e explicitar a vantagem na prorrogação de uma concessão sem licitação, que discricionariedade ela tem, no sentido de “zona livre de desvinculação”, seja em sua política contra a poluição atmosférica, seja em sua política de serviços públicos delegados?
Se o que importa, no fim das contas, é que a administração pública satisfaça adequadamente suas obrigações formais e materiais, que leve a sério, portanto, a sua constitucionalidade (ou juridicidade), fica cada vez mais improvável conceber a existência da discricionariedade que não em usos retoricamente vazios.
Façamos então um teste, ou uma provocação final: haveria alguma perda, para a teoria ou para a prática do direito administrativo, se, em uma hipótese absurda, todos nós acordássemos, amanhã, sem o conceito de discricionariedade administrativa?
[1] Caso dos Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Celso de Mello.
[2] Seguiram o voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, os Ministros Gilmar Medes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.
[3] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 39.
[4] Ver ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). 2019 Novel Coronavirus (2019-nCov): Strategic Preparedness and Response Plan, 03 fev. 2020; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Critical preparedness, readiness and response actions for COVID-19, 07 mar. 2020; e ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). COVID-19 Strategy Update, 14 abr. 2020.
[5] Ver Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), Universiade de Washington. Projeções em tempo real. Disponíveis em: <https://covid19.healthdata.org/brazil>, acesso em agosto de 2020; e IMPERIAL COLLEGE LONDON, MRC Centre for Global Infectious Disease Analysis. Report 12: 26 March 2020. Disponível em <https://www.imperial.ac.uk/mrc-global-infectious-disease-analysis/covid-19/covid-19-reports/>, acesso em agosto de 2020. No Brasil, de maneira específica, um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo foi publicado à época, desaconselhando fortemente a flexibilização das medidas locais de isolamento, ao demonstrar que o Brasil era o único país que, no 50º dia contado do início da infecção, exibia ainda tendência de aceleração da curva de casos e óbitos – a maior curva ascendente do mundo (FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO, DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Divisão de Moléstias Infecciosas e Tropicais da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Relatório, 04 jun. 2020).
[6] Para essas inferências causais, v. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO E UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Relatório de Pesquisa: “Mortes evitáveis por covid-19”, 21 jul. 2021. No mesmo sentido, ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS), Technical Advisory Group on COVID-19 Mortality Assessment Report, 05 mai. 2022.
[7] CRETELLA JÚNIOR, José. Ato administrativo – a tridimensão da discricionariedade. Revista de Direito Administrativo, v. 119, 1975, p. 35
[8] Para quem tiver curiosidade sobre a ligação metodológica entre a teoria do regime administrativo – que, no Brasil, é tradicionalmente moldada sob os “axiomas” da supremacia e da indisponibilidade do interesse público – e a discricionariedade enquanto princípio de construção (semântica) do direito administrativo brasileiro, deixo referida a minha tese de doutorado, que trata especificamente desse tema: ALBERTO, Marco Antônio Moraes. Métodos do direito administrativo: entre discricionariedade e constitucionalidade. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2022.
3. DEBATENDO
- Em artigo clássico de 1962, Eduardo García de Enterría, um dos mais influentes administrativistas da tradição ibérica, valendo-se de uma figura proposta originalmente pelo suíço Hans Huber em 1953, compara a discricionariedade a um “cavalo de Tróia” (Trojanisches Pferd) no direito administrativo contemporâneo. [1] Procure explicar a metáfora, a partir das discussões propostas nesta aula.
- Como vimos nesta aula, normas administrativas – decretos, regulamentos, resoluções, dentre diversos outros instrumentos postos à disposição das administrações públicas – têm sido cada vez mais frequentes no direito administrativo mundo afora. Como observa Carlos Ari Sundfeld, “a administração também se tornou fonte de normas”. [2] Em sua perspectiva, esse fenômeno, tal como diagnosticado, fortalece ou enfraquece a discricionariedade administrativa? Procure fundamentos, nesta aula, capazes de sustentar a sua posição.
- De acordo com Odete Medauar, uma das principais doutrinadoras brasileiras em atividade, os conceitos jurídicos indeterminados – como “utilidade pública”, “relevante interesse coletivo” e “solução equânime” – são fórmulas amplas, que sempre foram utilizadas no direito, inclusive no direito privado, “sem que fossem necessariamente associadas a poder discricionário”. [3] Você concorda com essa afirmação? Ou, para você, conceitos jurídicos indeterminados podem ser considerados fontes de discricionariedade administrativa?
- Tem sido cada vez mais frequente o diagnóstico da “constitucionalização” do direito administrativo, o que levou Maria Sylvia Zanella Di Pietro a propor uma “reformulação” da sua definição de discricionariedade, nos seguintes termos: “em vez de afirmar-se que a discricionariedade é liberdade de ação limitada pela lei, melhor se dirá que a discricionariedade é liberdade de ação limitada pelo Direito”. [4] Em sua visão, o que está em jogo nessa “reformulação”? Ela é capaz de resolver adequadamente os problemas do conceito tradicional de discricionariedade, conforme discutimos nesta aula? Por quê?
- Mathias Kumm, um dos principais teóricos constitucionais contemporâneos, propôs recentemente o conceito de “Total Constitution”. [5] Segundo esse ideal de Estado constitucional, a constituição seria total em sua extensão – pois busca máxima abrangência – e é total em sua pretensão – pois busca máxima aderência à ordem jurídica. Não existiria atuação governamental que não fosse vinculada à constituição, e não existiria relação jurídica que não pudesse, em potencial, ser objeto de valoração à luz dos compromissos constitucionais. Nesse modelo, haveria espaço para a discricionariedade administrativa? Ou ela seria necessariamente substituída por outras figuras jurídicas?
- Maria Paula Dallari Bucci, referência no debate brasileiro em torno da relação entre direito administrativo e políticas públicas, afirma que “a questão [judicialização de políticas públicas], conforme o amadurecimento do debate sobre o tema indica, não é se pode ou não haver controle judicial, mas qual o seu conteúdo e quais os limites da decisão judicial”. [6] A partir do diagnóstico da autora, procure refletir: quais desafios a judicialização de políticas públicas impõe à tradicional construção do “mérito discricionário” dos atos administrativos?
- O jargão do direito administrativo brasileiro tem trabalhado com o conceito de “regulação discricionária” para contrapor os serviços públicos prestados no âmbito de contratos de concessão (a “regulação contratual”) e aqueles que são prestados pela livre iniciativa sujeita à atividade reguladora (fiscalizadora, normatizadora, tarifária e adjudicatória) do Estado (a “regulação discricionária”). Em sua visão, o conceito de “regulação discricionária” é adequado? Por quê?
- Como se observa na ADI n. 6148/2022, que discutimos nesta aula, para parte dos administrativistas brasileiros, ao lado da “discricionariedade política”, haveria a “discricionariedade técnica”, ligada não tanto a razões de conveniência e oportunidade, mas, sim, a motivos de ordem técnico-científica. Mas, para você, faz sentido o conceito de “discricionariedade técnica”? Ou haveria maneiras mais precisas de descrever a atitude que se espera da esfera controladora diante de consensos técnico-científicos?
- Você considera possível, ou pertinente, aproximar a autonomia contratual da administração pública – quando ela decide contratar uma obra no mercado, ou quando ela assume a posição de poder concedente na gestão de contratos de concessão – ao que seria uma espécie de discricionariedade administrativa forte, decorrente de uma suposta “liberdade de agir” da administração enquanto parte de um negócio jurídico?
- Analisando, agora, a ADI n. 7048/2023, que também foi discutida nesta aula, reflita se, na sua visão, poderia a administração pública de determinado estado decidir pela realização de nova licitação, sem prorrogação do contrato de concessão vigente, mesmo se estudos técnicos, desenvolvidos em âmbito de análise de impacto regulatório, tivessem demonstrado objetivamente que a prorrogação antecipada do contrato, com novas condicionantes, quando comparada com o cenário da nova licitação, representaria economia significativa de recursos públicos, e atendimento mais rápido e mais seguro das metas socioambientais relacionadas ao serviço concedido.
- Considerando os “graus de vinculação” da atividade administrativa, discutidos em vários momentos desta aula, desenhe uma escala que vai do extremo “muito vinculada” ao extremo “muito pouco vinculada”. Depois, experimente distribuir as seguintes atividades ao longo dessa escala: (a) edição de nota técnica pelo Departamento Econômico do Banco Central do Brasil; (b)nomeação da Secretária de Segurança Pública pela Governadora; (c) edição de norma de referência pela Agência Nacional de Águas; (d) decisão de um processo administrativo disciplinar contra servidora pública pela Controladoria Geral do Município; (e) apreensão de mercadorias vencidas em um supermercado, pelo órgão municipal encarregado da vigilância sanitária; (f) julgamento final do recurso administrativo de uma concessionária pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica.
- A partir do exercício proposto na questão anterior, tente explicar o que é efetivamente vinculado em cada uma das seis atividades administrativas mencionadas. Depois, analise o que o Poder Judiciário poderia controlar em cada uma dessas atividades. Por fim, procure descrever cada uma dessas situações, e sua interação com o controle jurisdicional, sem recorrer à palavra “discricionariedade”.
- Tente responder à pergunta final com que encerramos a nossa aula: haveria alguma perda, para a teoria ou para a prática do direito administrativo, se, em uma hipótese absurda, todos nós acordássemos, amanhã, sem o conceito de discricionariedade administrativa?
[1] Para as referências: HUBER, Hans. Niedergang des Rechts und Krise des Rechtsstaats. Zurique: Polygraphischer, 1953. A difusão da metáfora, no contexto ibero-americano, deve-se a GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lucha contra las inmunidades del poder em el derecho administrativo (poderes discrecionales, poderes de gobierno, poderes normativos). Revista de Administración Pública, v. 38, 1962.
[2] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 244.
[3] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 109.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 156.
[5] KUMM, Mattias. Who is afraid of the Total Constitution? German Law Journal, v. 7(4), 2006.
[6] DALLARI BUCCI, Maria Paula. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 210.
4. APROFUNDANDO
ALBERTO, Marco Antônio Moraes. Métodos do direito administrativo: entre discricionariedade e constitucionalidade. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2022.
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Atos administrativos normativos: algumas questões. In: MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Os caminhos do ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
AUBY, Jean-Bernard; FREEDLAND, Mark. The public law / private law divide: une entente assez cordiale? La distinction du droit public et du droit privé: regards français et britanniques. Oxford: Hart, 2005.
BANDEIRA DE MELLO, C. A. Discricionariedade e controle judicial. São Paulo: Malheiros, 1993.
BANDEIRA DE MELLO, C. A. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do direito e suas repercussões no âmbito administrativo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (coord.). Direito Administrativos e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
BENVENUTI, Luigi. La discrezionalità amministrativa. Pádua: Cedam, 1986.
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
BINGHAM, Thomas. The Rule of Law and the sovereignty of Parliament. King’s Law Journal, v. 19, 2008.
CANE, Peter. Controlling administrative power: a historical comparison. Cambridge University, 2016.
CHEVALLIER, Jacques. L’obligation en droit public. Archives de philosophie du droit, n. 44, 2000.
COLEMAN, Jules. The architecture of jurisprudence. Yale Law Journal, v. 121, 2011.
COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar. São Paulo: Unesp, 2013.
CRETELLA JÚNIOR, José. Ato administrativo: a tridimensão da discricionariedade. Revista de Direito Administrativo, v. 119, 1975.
DALLARI BUCCI, Maria Paula. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2012.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1977.
FIORAVANTI, Maurizio. Il cerchio e l’elisse: i fondamenti dello Stato costituzionale. Bari: Laterza, 2020.
GALLIGAN, Denis. Discretionary powers: a legal study of official discretion. Oxford: Clarendon, 1986.
GARCÍA DE ENTERRÍA, E. La lucha contra las inmunidades del poder em el derecho administrativo (poderes discrecionales, poderes de gobierno, poderes normativos). Revista de administración pública, v. 38, 1962.
GIANNINI, Massimo Severo. Discrezionalità amministrativa e pluralismo. Quaderni del pluralismo, n. 2, 1984.
GINSBURG, Tom. Written constitutions and the administrative State: on the constitutional character of administrative law. In: ROSE-ACKERMAN, Susan; LINDSETH, Peter; EMERSON, Blake. Comparative Administrative Law. 2. ed. Cheltenham: Edward Elgar, 2017.
HART, Herbert Lionel Adolphus. The concept of Law. Oxford: Clarendon, 1994.
HAURIOU, Maurice. La fin de la catégorie des actes discrétionnaires: note sur l’arrêt Grazietti. CONSEIL D’ÉTAT, 31 de janeiro de 1902.
JAMIN, Christophe; MELLERAY, Fabrice. Droit civil et droit administratif: dialogues sur un modèle doctrinal. Paris: Dalloz, 2018.
KELSEN, Hans. Dottrina pura del diritto. 2. ed. Trad. Mario Losano. Turim: Einaudi, 1991 [1934].
KUMM, Mattias. Who is afraid of the Total Constitution? German Law Journal, v. 7(4), 2006.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 8. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2019 [1991].
LOUGHLIN, Martin. Political jurisprudence. Oxford: Oxford University, 2017.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A superação do ato administrativo autista. In: MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Os caminhos do ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MEDAUAR, Odete. Parâmetros do controle da discricionariedade. In: GARCIA, Emerson (coord.). Discricionariedade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
MORTATI, Costantino. Norme giuridiche e merito amministrativo. Stato e diritto, v. 2, 1941.
NUNES LEAL, Victor. Problemas de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1960.
POLICE, Aristide. Sindacato di merito e ‘sostituzione’ della pubblica amministrazione. In: MANGANARO, Francesco; TASSONE, Antonio; SAITTA, Fabio (orgs.). Sindacato giurisdizionale e sostituzione della pubblica amministrazione. Milão: Giuffrè, 2013.
SCHIRATO, Vitor Rhein. Algumas considerações atuais sobre o sentido da legalidade na administração pública. In: ARAGÃO, A. Santos de (org.). Poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
SORDI, Bernardo. Diritto pubblico e diritto privato: una genealogia storica. Bolonha: Il mulino, 2021.
STOLLEIS, Michael. Judicial review, administrative review, and constitutional review in the Weimar Republic. Ratio Juris, v. 16(2), 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
SUNDFELD, Carlos Ari. Discricionariedade e revogação do ato administrativo. Revista de Direito Público, v. 79, 1986.