Roteiro de Aula

Como dispensar em razão do valor nas contratações públicas?

As regras da contratação direta na nova Lei de Licitações

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1. CONHECENDO O BÁSICO

Como é amplamente sabido, o Poder Público precisa realizar um procedimento administrativo de caráter competitivo para que possa firmar contratos de obras, serviços, aquisições e alienações. É a famosa licitação.

Mas seria ela sempre obrigatória?   

De fato, embora a regra seja a exigência de licitação, o próprio texto constitucional, em seu artigo 37, inciso XXI, permitiu que o legislador a afaste, criando e disciplinando hipóteses de contratação direta, isto é, sem a necessidade de um processo licitatório.

Os três grupos de contratação direta previstos pelo legislador na Lei nº 14.133, de 01º de abril de 2021 (a nova Lei de Licitações) são a licitação inexigível (art. 74), a licitação dispensável (art. 75) e a licitação dispensada (art. 76).

A licitação inexigível se refere às hipóteses em que há inviabilidade de competição, impossibilitando, por consequência, a realização do certame licitatório. Isso decorre seja da existência de um fornecedor exclusivo, seja em decorrência da impossibilidade de se avaliar com critérios minimamente objetivos qual seria a melhor proposta quando há uma variedade de fornecedores ou ainda quando o Poder Público pretende contratar todos os que cumpram os requisitos mínimos exigidos, como ocorre no credenciamento.

Já a licitação dispensável se caracteriza pela realização de uma filtragem fático-jurídica feita pelo legislador que, diante de determinadas situações, nas quais haveria a viabilidade jurídica de competição, a realização de um procedimento licitatório pode não atingir o interesse público da maneira devida, cabendo ao agente público avaliar se a contratação direta figura ou não como a melhor solução. Veja-se, portanto, que a licitação dispensável não vincula obrigatoriamente o agente público, o qual pode decidir por licitar, diante das circunstâncias do caso concreto, de forma devidamente motivada, demonstrando que ela pode melhor atender ao interesse público. Não há, pois, uma vedação ao trâmite licitatório, o qual se mostra fática e juridicamente possível (existe, em tese, a possibilidade de competição), mas somente uma permissão legal para que seja dispensado.

Por fim, na licitação dispensada, relacionada a situações de alienação de bens, concerne a casos em que o legislador não permite que haja a licitação, como, por exemplo, na doação de um bem para outra entidade da Administração Pública ou ainda na investidura.

Sobre a licitação dispensável, que aqui nos interessa, deve-se recordar que o seu rol é taxativo. São só esses casos. Já era assim à luz da legislação passada e, nos termos da novel legislação, que muito se assemelha à anterior, continua existindo um rol numerus clausus de hipóteses de dispensa.

Apesar disso, deve-se recordar que outras leis podem (e assim o fazem) trazer diferentes casos de dispensa de licitação. Tome-se como exemplo a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), que prevê em seu artigo 29 um rol de dispensa para as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.

A nova lei repete sua antecessora com um vasto rol de hipóteses que, na maior parte das vezes, estão dispostas de maneira casuística, sem um critério lógico-jurídico uniforme. Não é possível a alguém que não conheça pontualmente a legislação intuir ou analisar logicamente se o caso x ou y seria ou não uma hipótese de dispensa.

Dentre as hipóteses de licitação dispensável da Lei nº 14.133/2021, a que nos interessa para essa aula são aquelas constantes no artigo 75, incisos I e II, que prevem: “É dispensável a licitação:  I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras”.

Este primeiro caso de dispensa (inciso I) se assemelha à hipótese do artigo 24, inciso I, da Lei nº 8.666/93, havendo primeiramente uma alteração do seu valor. Uma vantagem em relação a sua antecessora é a sua redação direta com valor expresso no próprio inciso, ao passo que na lei anterior o valor era aferido com uma percentagem que remetia a outro artigo e inciso, não figurando como um texto claro e objetivo.

Essa hipótese de dispensa se justifica em razão do princípio da economicidade, cuja significação representa a minimização de custos. É dizer, ao se verificar que o custo do procedimento licitatório será superior ou próximo ao custo da obra, aquisição ou serviço a ser contratado, há uma desproporcionalidade da forma sobre o fim, o que justifica a dispensa da licitação. Há aqui uma verificação, feita a priori pelo legislador, da relação de custo e benefício em relação à realização de licitação para contratação pública.

Outra inovação do inciso foi a inclusão, ao lado das obras e serviços de engenharia, do serviço de manutenção dos veículos automotores, que são serviços frequentes, que requerem agilidade na contratação e que, por isso, necessitavam de um enquadramento específico de dispensa com um montante de contratação mais elevado.

Já o inciso II é hipótese residual, pois somente se aplica quando a contratação de serviços e compras não se enquadrar no inciso antecedente. Não abarca, portanto, nem compras e serviços no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ou superior, tampouco serve para a contratação de obras, independentemente do valor.

Os montantes ali estipulados têm por parâmetro o mesmo valor previsto para dispensa na Lei das Estatais (artigo 29, inciso I) e na Lei 14.065/2020, editada para contratações em decorrência da pandemia da COVID-19.

Sobre os valores indicados naqueles incisos, cabe ressaltar (ao que tudo indica, por um descuido do legislador) que eles apontam valores “inferiores” a R$ 50.000,00 e R$ 100.000,00. Logo, nos termos da Lei, contratações de R$ 50.000,00 e R$ 100.000,00 não estariam abarcadas pela dispensa, mas somente montantes abaixo disso.

Ainda sobre o valor, deve-se recordar que o artigo 182 da nova Lei de Licitações prevê uma atualização anual dos valores. Nesse sentido, já houve, por exemplo, a edição do Decreto 10.922/2021, do Decreto nº 11.317/2022 e do Decreto nº 11.871/2023, atualizando aqueles valores.

Vemos, pois, que a contratação sem licitação em razão do valor tem previsão expressa na Lei. Ela também possui diferentes patamares a depender do que se vai contratar. Mas será que essa forma de contratação é frequente? Há regras específicas de como usar essa forma de contratação? A nova Lei facilitou, dificultou ou manteve igual a forma de contratar sem licitação tendo por base o valor? Vamos ler e debater tudo isso nessa aula.

 

2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA

Um ponto importante no tocante à contratação direta em razão do valor (a bem da verdade, no que se refere às contratações diretas como um todo) é uma percepção, por vezes existente, de que essa forma de contratar ocorreria com pouca frequência, somente para contratações de menor importância ou ainda que seria um procedimento associado necessariamente a desvios e fraudes. A esse respeito, vamos analisar o trecho do artigo abaixo:

A contratação direta e o mito da exceção absoluta

Por Flávio Garcia Cabral
Controle em foco: Revista do MPCMG, 2024

Repete-se, com frequência, a afirmação de que a regra é a exigência de procedimento licitatório prévio para as contratações públicas. Isso decorre da previsão do artigo 37, inciso XXI, da Constituição, sendo que a contratação sem licitação seria a exceção, somente autorizada em situações específicas trazidas pelo legislador.

De fato, o procedimento licitatório representa instrumento que concretiza o princípio da impessoalidade administrativa, bem como fomenta a eficiência ao se instaurar um certame pautado na competição, no qual há a possibilidade de se conseguir contratações mais vantajosas para o Poder Público.

Não obstante, o texto constitucional permitiu que o legislador previsse hipóteses em que não seria preciso a licitação para que houvesse a contratação pública. Assim, já na Lei nº 8.666, de 1993, previu-se a figura da licitação dispensável (artigo 24), licitação inexigível (artigo 25) e licitação dispensada (artigo 17).

(…)

Na nova Lei nº 14.133, de 2021, o legislador manteve a mesma categorização de hipóteses de contratação direta, prevendo a inexigibilidade no artigo 74, a licitação dispensável no artigo 75 e a dispensada no artigo 76.

(…)

Assim, tem-se que a exceção da contratação direta deve ser interpretada em termos. Mostra-se uma exceção porque somente pode ocorrer nas hipóteses expressamente previstas pelo legislador, ainda que decorrentes de cláusulas abertas como ocorre com a inexigibilidade, não cabendo ao gestor criar administrativamente novos casos de afastamento da licitação.

Além disso, para que haja a contratação direta é necessária a adequada subsunção dos aspectos fáticos à hipótese normativa que autoriza a “não-licitação”, não sendo possível uma interpretação ampliativa para que haja o encaixe, mesmo que forçado, em alguma das causas de dispensa ou de inexigibilidade.

No entanto, não se mostra necessariamente excepcional a sua ocorrência prática ou mesmo a quantidade de contratos ou volume de valores contratados sem licitação.

Ademais, estando diante das hipóteses em que o legislador fixou como sendo de contratação direta, não se faz necessário que o gestor justifique que essa forma de contratação é mais ou menos vantajosa que a realização de licitação. Veja que na inexigibilidade, a própria licitação se mostra incabível. Na dispensa, o legislador ordinário, com autorização constitucional, já realizou uma avaliação prévia de que seria juridicamente possível não realizar o certame licitatório diante de um rol taxativo de situações, levando-se em consideração o interesse público e os bens jurídicos tutelados.

Dessas constatações, verifica-se que não se deve, de per si, avaliar com desconfiança o uso de contratações sem licitação. Porém, para que essa premissa se mostre válida, é imperioso que a contratação direta se atenha rigorosamente a sua hipótese de incidência bem como atenda de maneira completa os seus requisitos preparatórios (…)

De fato, a contratação direta assume um papel de destaque no âmbito da Administração Pública, notadamente a federal. Em termos de volume de recursos, por exemplo, em anos anteriores, nota-se uma preponderância nas contratações diretas. No ano de 2021, e.g., as contratações por dispensa e inexigibilidade feitas pela Administração Pública Federal corresponderam a 56% de todas as contratações, no que tange ao valor dos contratos. Na mesma toada, no ano de 2023, apurou-se que as contratações diretas feitas pela União totalizaram o significativo montante de mais de 28 bilhões de reais. Sobre a matéria, vide o gráfico abaixo, construído pelo Portal da Transferência da CGU, consolidando dados de 2020 a 2024, para se ter uma ideia da comparação das licitações dispensáveis no que concerne ao volume de recursos:

Apesar dessas constatações, quais sejam, do uso frequente das contratações diretas e que não há nenhum vício ou mácula inerente quanto a isso, é certo que, por vezes, fruto de uma conduta pautada pela má-fé do gestor ou, ainda, pelo desconhecimento dos limites e regras acerca dessa forma de contratação, há abusos na invocação da dispensa em razão por valor. Vejamos, a propósito, matéria jornalística dando conta de uma contratação direta com base no valor que, aparentemente, não observou os ditames legais adequados:

Feira de Santana: prefeitura fecha contrato milionário sem licitação

Por William Falcão
A Tarde, 29/05/2024

A prefeitura de Feira de Santana contratou, sem licitação, a prestação de serviço da organização social Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação (IBFC) com o valor de R$ 2.116.500,00.

O acordo, assinado no último dia 22 de maio, seria para prestação de serviços de organização, planejamento e realização de concurso público. Apesar de ser realizada por dispensa de licitação, a justificativa para a contratação, fundamentada no artigo 75, inciso II, da Lei Federal 14.133/21, não está conforme a legislação atual.

O serviço contratado pela prefeitura de Feira de Santana não publicou a dispensa de licitação no Portal Nacional de Compras Públicas, nem no site oficial do órgão. Segundo especialistas, esse tipo de atitude é contrário ao princípio da transparência e publicidade que deve reger os atos da administração pública, especialmente em processos de contratação pública.Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e do Estado do Espírito Santo prejudicados.

            De modo a se evitar contratações diretas em razão do valor de forma indevida, deve-se ter em mente que o planejamento é fundamental para o sucesso e regularidade dessa forma de contrato. Afinal, a contratação direta não pode ser sinônimo de informalidade ou desleixo. A própria Lei nº 14.133, de 2021, fixou uma série de etapas preparatórias exigidas para a contratação direta em seu artigo 72:

Lei n° 14.133 de 2021

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;

III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;

IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;

V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;

VI – razão da escolha do contratado;

VII – justificativa de preço;

VIII – autorização da autoridade competente.

Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.

Sobre o assunto, observemos o texto abaixo:

A contratação direta e o mito da informalidade

Por Flávio Garcia Cabral
Controle em foco: Revista do MPC MG, 2024

A prática em licitações evidencia ao longo dos anos, ainda no bojo da Lei nº 8.666, de 1993, uma prática perniciosa, mas que, em alguma medida, foi tida como normal entre os mais variados gestores.

Criou-se uma indevida imagem de que o procedimento licitatório seria extremamente rigoroso e burocrático, ao passo que a contratação direta seria mais célere, uma vez que demandaria um rigor menos excessivo.

Essa compreensão levava a diversos processos de contratação direta sendo encaminhados às assessorias jurídicas com uma instrução bastante deficiente, faltando documentos, sem a apresentação das devidas justificativas, tendo sido elaborados às pressas e sem uma cautela ou planejamento mínimos.

(…)

Sem embargo, a referida ideia de que nas contratações diretas haveria uma informalidade ou, ainda, um rigor mitigado quando cotejado com a licitação, é totalmente enganosa.

A contratação direta se mostra mais célere quando comparada com o regular procedimento licitatório em razão da eliminação da chamada fase externa. Não há fase autônoma de propostas, julgamento e habilitação. No entanto, no tocante à fase interna, isto é, os procedimentos preparatórios necessários à contratação, o rigor exigido para a contratação direta e para as hipóteses em que há licitação são essencialmente os mesmos. O distintivo, repita-se, é que, após a finalização da fase interna da contratação direta, como regra, já ocorre a celebração do contrato e não a publicação de um edital que inaugura a fase externa.

Impende sublinhar ainda que, tendo em vista que a contratação direta somente pode ocorrer diante das situações trazidas pelo legislador (constituindo-se uma exceção, nesse sentido), é fundamental que haja uma fase instrutoria bem construída, capaz de indicar, sem margem de dúvida, que de fato se mostrava cabível a não realização da licitação. Eventuais associações de fraudes, improbidade ou desvio a contratações diretas, que de fato permitiriam, em tese, um maior direcionamento da contratação, ocorrem muitas das vezes justamente pela cultura de ausência de zelo na construção dessa forma de contratar, que acaba sendo erroneamente vinculada a uma ausência de controle

A Lei nº 14.133, de 2021, estipulou alguns limites para a contratação direta em razão do valor, de modo a evitar fracionamentos indevidos (dividir as contratações de um mesmo objeto em diversas contratações menores, de modo a enquadrar todas como não necessitando de licitação) e fomentar o planejamento sobre os gastos públicos. Esses limites encontram-se expressamente mencionados no artigo 75, §1º, da nova Lei de Licitações.

Quanto ao primeiro dos limites, a Advocacia-Geral da União, por meio do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgão Jurídicos (DECOR), bem como o Enunciado nº 50/2023 do Conselho da Justiça Federal, já fixaram algumas interpretações a seu respeito:

Lei n° 14.133/2021

Art. 75. (…)

§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:

I – o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora;

II – o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.

Enunciado CJF n°50/2023

Nas contratações de serviços e fornecimentos contínuos por dispensa de licitação em função do valor, de acordo com o art. 75, incisos I e II, da Lei n. 14.133/2021, o valor limite para fins de apuração de fracionamento da despesa deve ser considerado por exercício financeiro, de modo que uma contratação com prazo de vigência superior a 12 meses pode ter valor acima dos limites estabelecidos nos referidos incisos, desde que sejam respeitados os limites por exercício financeiro.

Nota n° 7/2024/DECOR/CGU/AGU

Portanto, diferentemente da Lei nº 8.666/93, que nada dizia a respeito da forma de apuração dos valores das dispensas nos casos em que a duração dos contratos ultrapassava um exercício financeiro, a Lei nº 14.133/2021 é taxativa e não pode ser afastada. (…).

            Sobre a segunda das limitações (inciso II do §1º do artigo 75 da Lei nº 14.133, de 2021), o somatório das despesas de objeto de mesma natureza, deem uma olhada em interessante artigo sobre como deve ser feito o cálculo desses limites:

Como calcular os limites da contratação direta?

Por Carolina Zancaner Zockun e Flávio Garcia Cabral
CONJUR, 14/11/2023

Deste modo, os incisos I e II do parágrafo 1º deverão incidir conjuntamente para a aferição dos limites legais de dispensa, tanto no que tange ao marco temporal (exercício financeiro), quanto no tocante ao aspecto qualitativo (ramo de atividade).

Pois bem, a questão do que deve ser entendido como “ramo de atividade” foi esclarecida pela In Seges nº 67/2021, com as alterações promovidas pela IN Seges/MGI nº 8, de 23 de março de 2023, que, em seu artigo 4º, §2º, fixou:

“§Considera-se ramo de atividade a linha de fornecimento registrada pelo fornecedor quando do seu cadastramento no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), vinculada: (Redação dada pela IN Seges/MGI nº 8 de 2023).

I – à classe de materiais, utilizando o Padrão Descritivo de Materiais (PDM) do Sistema de Catalogação de Material do Governo federal; ou
II – à descrição dos serviços ou das obras, constante do Sistema de Catalogação de Serviços ou de Obras do Governo federal”.

Pela leitura do dispositivo, vê-se que, no tocante a materiais, a IN SEGES nº 67/2021 expressamente atrela o limite para a utilização da dispensa ao Padrão Descritivo de Materiais (PDM) constante do Catmat, ao passo que, em relação aos serviços, a vinculação se dá em relação à descrição contida no Catser.

Para espancar quaisquer dúvidas quanto à utilização do PDM e da descrição dos serviços, o MGI fez uma webinar, em 3 de abril de 2023que, entre os minutos 1h27m00s e 1h30m01s, destaca que para a aferição dos limites de dispensa devem ser utilizados os seguintes parâmetros: 1) o PDM do Catmat para materiais e 2) a descrição de serviços do Catser para serviços e obras.

Em suma, as diversas orientações da Administração Pública Federal, mesmo que não voltadas especificamente às contratações diretas, são no sentido de se evitar a utilização de códigos genéricos nos catálogos de compra, cabendo aplicar o código mais específico pertinente ao objeto a ser contratado.

Desta forma, cada PDM pode dar ensejo a uma dispensa diferente, desatrelada da classe em que estiver inserida, pois este foi o critério erigido para o cômputo do limite da dispensa.

Destaque-se que tal parâmetro está em consonância com o dispositivo legal e, segundo informações da Seges veiculadas na mesma Webinar, trata-se de critério cujo controle para fins de fracionamento é de fácil identificação e permite maior transparência para as dispensas eletrônicas.

(…)

Para fins de exemplificação, consideremos a hipótese de aquisição de canetas esferográficas e lápis preto, que pertencem a uma mesma CLASSE 7510 — Artigos para escritório, mas possuem códigos de Padrão Descritivo de Material diferentes (PDM 99 — caneta esferográfica/ PDM 12 — lápis preto). Nesta hipótese, para fins de cálculo do limite de despesa, os valores de dispêndio devem ser computados separadamente, já que possuem PDMs diferentes.

Neste mesmo sentido, considerado para o limite de despesa no caso de contratação de serviços, cite-se o exemplo hipotético de contratação de transporte de mudança local e transporte de mudança intermunicipal, que pertencem ao mesmo grupo 643 — serviço de transporte rodoviário, mas possuem códigos e descrição diferentes (código 3212 – mudança local e 22772 — mudança intermunicipal). Igualmente, consoante buscamos demonstrar, tais serviços são computados, para fins de dispêndio, isoladamente, cabendo, pois, duas dispensas no valor de R$ 57.208,33 para cada um dos serviços descritos.

De fato, a mens legis é no sentido de prestigiar a celeridade e a eficiência concomitantemente, admitindo-se o uso da dispensa eletrônica todas as vezes em que um órgão necessitar de um produto ou serviço, pelo período de um exercício financeiro (considerado de 01º de janeiro a 31 de dezembro do mesmo ano), desde que não se extrapole os limites legais, apurados conforme os parâmetros previstos pela In Seges nº 67/2021.

Uma das grandes novidades – que gera muito debate e polêmica – se refere à previsão do artigo 75, §3º, da Lei nº 14.133, de 2021, que trata de um sistema eletrônico para que se receba propostas para a contratação direta em razão do valor. Esse sistema, regulamentado no âmbito da União pela Instrução Normativa Seges/ME nº 67, de 8 de julho de 2021, e que acaba por instalar uma “mini competição” na dispensa (algo que não existia anteriormente sob o regime da legislação pretérita), tem sido jocosamente denominado de “Preguinho”, em comparação à modalidade licitatória do pregão. Trazendo um olhar crítico sobre essa forma de se realizar a contratação direta em razão do valor, verifiquem trechos do texto abaixo:

Contratação direta não admite burocracia em excesso

Por Guilherme Carvalho
CONJUR, 24/11/2023

Por assim ser, qualquer dificuldade que se imponha para além do arcabouço normativo previsto no art. 72 acima mencionado flerta com manifesta ilegalidade, meramente por ampliar – sem autorização do legislador ordinário – etapas não previstas em lei, incrementando, desavisadamente, o arquétipo burocrático do qual o agente administrativo deve, se permitido, desvencilhar-se.

Em abono aos argumentos aqui trazidos à consideração, uma exemplificação, merecedora das mais severas críticas, é traduzida na Instrução Normativa Seges/ME Nº 67, de 8 de julho de 2021, já atualizada em 29/03/2023, que “dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica, de que trata a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e institui o Sistema de Dispensa Eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”.

Para além da manifesta criação de uma nova modalidade de licitação, vedada pelo § 2º do artigo 28 da Lei nº 14.133/2021, denominada, no cotidiano da Administração Pública Federal, como “preguinho” – epíteto que confessa a existência de uma nova modalidade de licitação —, a referida Instrução Normativa, no intuito de perfilhar por um caminho de isonomia entre os licitantes que se submetem a um processo de contratação direta, acaba por desvirtuá-lo, inclusive com desconfigurada violação a direitos fundamentais conferidos na própria Lei nº 14.1133/2021, como o direito a recurso, deteriorando, por imediata contraposição, o direito ao devido processo legal.

Mais contundentes desaprovações servem à aludida norma infralegal. Porém, para o quanto interessa a esse artigo, impõem-se reduzi-la a um alegórico protótipo do que não pode e nem deve ser tolerado quanto à contratação direta, é dizer, atribuir-lhe empecilhos burocraciais que se desviem de sua mais cristalina finalidade.

(…)

Proceder à simplificação da contratação pública não significa, sob nenhum viés, negar o permissivo legal. Definitivamente, a norma serve ao administrado e não aos caprichos insubmissos de gestores que não se sentem seguros ao exercício da função administrativa.  

            Caso queiram entender um pouco mais sobre o funcionamento prático do “Preguinho”, a Secretaria de Gestão do Ministério da Economia realizou um live explicando algumas funcionalidades do sistema e questões relacionadas a sua idealização e funcionamento. Confiram o vídeo pelo QRCODE abaixo:

            A nova Lei de Licitações quis dar ainda mais detalhamentos em relação à dispensa em razão do valor, inclusive fixando regras sobre como deve ser o pagamento, exigindo-se o uso preferencial do cartão de pagamento (artigo 75, §4º). Sobre o assunto, observem o seguinte texto:

Cartão corporativo: forma preferencial de pagamento de contratações diretas por valor

Por José Anacleto Abduch Santos
ZÊNITE, 04/07/2022

Em resumo, pode-se concluir, então, que:

1. O uso do cartão de pagamento é preferencial a outras modalidades de pagamento no caso de contratações diretas em razão do valor;

2. Esta norma não tem natureza de norma geral, ou seja, não é vinculante para Estados, Municípios e Distrito Federal e para os seus respectivos Poderes;

3. Não tem natureza de norma geral porque disciplina aspecto meramente procedimental relacionado à competência administrativa discricionária dos entes federados;

4. Estados, Municípios, Distrito Federal e seus respectivos Poderes têm a competência para disciplinar a forma de pagamento pela execução dos contratos celebrados;

5. A regulamentação da norma por parte de Estados, Municípios, Distrito Federal e seus respectivos Poderes pode ocorrer pela via de decreto, portaria, instrução normativa ou outra norma com caráter infralegal;

6. A norma regulamentar será adequada à concreta situação jurídica, material, orçamentária, financeira e administrativa do órgão ou entidade pública;

7. Os órgãos e entidades federais, sujeitos a esta norma, mediante justificativa técnica, poderão deixar de realizar o pagamento pela via do cartão;

8. Não se pode confundir forma de contratação com forma de pagamento, eis que se trata de institutos jurídicos distintos;

9. No caso das contratações diretas por licitação dispensável em razão do valor, o pagamento pela via do cartão será precedido do regular e adequado processo de contratação direta e da regular liquidação da despesa;

10. O valor máximo para pagamento pela via do cartão no caso das contratações diretas previstas nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021 é o limite para a licitação dispensável;

11. O cartão pode ser utilizado para pagamento de despesas realizadas pelo regime de adiantamento ou de suprimento de fundos, pelo limite previsto no art. 95, § 2º da Lei nº 14.133/2021;

12. Não é absolutamente livre a escolha entre contratar pelo regime de suprimento de fundos, ou contratar pelo regime de licitação dispensável, eis que se tratam de institutos diversos, com finalidade e função legalmente delimitadas.

3. DEBATENDO

1. A licitação seria sempre obrigatória para o Poder Público? Justifique.

2. Qual a diferença entre a licitação dispensável e a inexigível?

3. A contratação direta é regra ou exceção no direito brasileiro? Explique.

4. É legal a figura do “Preguinho” instituída pela IN Seges/ME nº 67/2021? Vocês concordam com as colocação do Prof. Guilherme Carvalho trazidas no texto?

5. O “Preguinho” seria uma nova modalidade de licitação? Explique.

6. A utilização do “Preguinho” é obrigatória ou facultativa pela Administração Pública Federal no caso de contratação direta em razão do valor? Justifique.

7. Se não houver nenhum interessado a apresentar propostas no procedimento do “Preguinho”, o que deve a Administração fazer?

8. Quais os limites existentes para a verificação do valor para fins de contratação direta?

9. Como devem ser calculados esses limites?

10. Por qual razão se associa, frequentemente, a contratação direta (em especial em razão do valor) com ilegalidades?

11. Como aferir o que são objetos de mesma natureza para fins de contratação direta? O critério fixado pela Administração Pública Federal deve ser seguido pelos outros entes federativos? Explique.

12. O que é o cartão de pagamento da Administração Pública? Ele é obrigatório nas contratações diretas em razão do valor? É discricionário? Explique.

4. APROFUNDANDO

Para melhor compreender as contratações diretas na nova Lei de Licitações e, em especial, a licitação dispensável em razão do valor, recomendamos, além dos textos já mencionados ao longo dessa aula, as seguintes obras abaixo relacionadas:

CABRAL, Flávio Garcia. Comentários ao artigo 75. In: SARAI, Leandro (Org.). Tratado da nova Lei de Licitações e Contratos administrativos: Lei 14.133/21 comentada por advogados públicos. 4.ed. São Paulo: Juspodium, 2024.

CABRAL, Flávio Garcia; SARAI, Leandro. Manual de direito administrativo. 3.ed. Leme: Mizuno, 2024.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas. 14. ed. São Paulo: Juspodium, 2023.

ZOCKUN, Carolina Zancaner; CABRAL, Flávio Garcia; ANTINARELLI, Mônica Ellen Pinto Bezerra (Coord.). Manual prático de contratações públicas: redigido por advogados públicos. Londrina: Thoth, 2023.