1. CONHECENDO O BÁSICO
A Constituição Federal (artigos 1º e 3°) dispõe que a República federativa no Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal e juntos devem atuar em prol do desenvolvimento nacional, servindo à implementação de direitos fundamentais como saúde, acesso à educação, moradia, proteção do meio ambiente.
O caráter cooperativo pressupõe a coordenação de interesses entre o governo central e os entes federados, devendo todos mover-se, de forma autônoma, por meio de acordos, numa constante conjugação de esforços para o alcance de objetivos comuns. Essa cooperação resultaria como forma de solucionar os problemas sociais e econômicos, na efetivação de direitos fundamentais protegidos constitucionalmente.
E para isso é necessário que o ordenamento jurídico conceba instrumentos e ferramentas de maneira a facilitar as formas de cooperação federativa. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro admite diversas formas de parcerias da Administração Pública seja com a iniciativa privada, seja entre seus órgãos ou entidades públicas, como exemplo os contratos de gestão, os Termos de Parceria, os Termos de Fomento e de Colaboração, termos de compromisso cultural e os convênios administrativos. A lei tratou de disciplinar alguns desses ajustes, de modo a prevalecer o regramento mais específico que abarque a parceria pretendida.
No caso dos convênios, pela ausência de um regramento único que discipline a espécie, e em função da grande variedade de terminologias existentes, é relevante identificar suas características e buscar sua significação.
De acordo com a teoria administrativa tradicional, convênio administrativo é um instrumento oriundo de um acordo de vontades, entre entes estatais ou entre esses e entes privados, com o objetivo de realizarem interesse comum, em regime de mútua cooperação, visando a persecução dos interesses constitucionais.
Cabe à˜ Constituição definir competências e atribuir funções ao Estado, e cabe aos entes estatais concretizar os direitos e princípios estabelecidos pela ordem constitucional, transformando tais direitos em prestações efetivas. A lógica do federalismo cooperativo consiste em fortalecer os incentivos à parceria e a capacidade de negociação entre os estados-membros, baseado em uma divisão de competências entre os parceiros.
O convênio administrativo reflete esse arranjo entre parceiros no intuito do atingimento dos objetivos constitucionais. É um importante meio de atuação da Administração em prol de interesse públicos variados.
É comum o entendimento de que os convênios são instrumentos exclusivos para repasses de recursos financeiros entre os entes políticos, porém, essa afirmação não é verdadeira. Eles podem prever a transferência de recursos financeiros entre os signatários, mas são também utilizados para outros ajustes cooperativos que não implica em repasse de verbas, como cessão de imóveis, compartilhamento de dados e empréstimo de equipamentos. Inequívoco que caso se trate de convênio para repasse de recursos financeiros, é necessário que sejam observados os demais requisitos para sua implementação, como a demonstração dos interesses mútuos e, no que diz respeito às transferências voluntárias, indispensável que esteja adequado à Lei de Responsabilidade Fiscal.
A doutrina majoritária entende que convênio e contrato administrativo não se confundem, nos contratos administrativos os interesses são contrapostos, o que não ocorre nos convênios, onde os interesses são colaborativos e visam o mesmo interesse.
Compartilha desse entendimento Maria Sylvia Zanella Di Pietro que explica “o convênio não constitui modalidade de contrato, embora seja um dos instrumentos de que o Poder Público se utiliza para associar-se com outras entidades públicas ou com entidades privadas.”(in Direito Administrativo, 35ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2022, p. 848)
Ainda, a Lei Geral de Licitações (Lei nº 14.133/21) é expressa ao exigir que se aplica aos convênios “no que couber” o regime jurídico dos tradicionais contratos administrativos, ou seja, é dizer que as normas cabíveis aos convênios nem sempre são as mesmas aplicáveis aos contratos administrativos. Logo, o ordenamento jurídico estabeleceu regime distinto de tratamento para os ajustes conveniais.
Para Sílvio Luís Ferreira da Rocha, a diferença fundamental entre convênio e contrato administrativo estaria na inexistência de cláusulas exorbitantes nos convênios administrativos, porque os partícipes visam a concretização do mesmo interesse público fundamental, inexistindo uma hierarquia de valores (Terceiro setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 52-53).
Outra diferença fundamental é que o convênio não contempla interesses lucrativos para nenhum dos envolvidos, ao contrário dos contratos administrativos. O vínculo entre os partícipes nas relações conveniais está baseado na persecução dos interesses coletivos (que deve compreender um objetivo constitucional), inexistindo prerrogativas de um em relação a outro.
Como já vimos, a utilização do instrumento jurídico caracterizado como convênio administrativo deve ser voltado à concretização de uma política pública, não sendo sua escolha ato discricionário do gestor, mas um ato de identificação do negócio jurídico a ser celebrado, de maneira que sua utilização inadequada é considerada como dispensa indevida de licitação.
Em regra, a licitação é incompatível com a figura do convênio em razão do seu objeto e finalidade. No caso de parcerias firmadas entre entes públicos, parte-se da premissa de que há inviabilidade de competição, configurando inexigibilidade de licitação. Entretanto, no caso de convênios envolvendo entes privados, caberia análise do caso concreto para averiguar a configuração ou não da inviabilidade de competição.
Para Rafael Costa é possível inferir a inviabilidade de competição quando se tratar de convênios entre entidades públicas. Por outro lado, quando se trata de celebração de ajuste cooperativo com entidade privada, existindo vários partícipes interessados em firmá-lo, deve-se realizar procedimento objetivo para a escolha do parceiro (Convênios Administrativos, 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023, p.140 ).
Nessa linha de raciocínio, nos convênios público-privados que envolvam repasse de recursos públicos e pluralidade de sujeitos, deve ser realizado o chamamento público, possibilitando o respeito aos dispositivos constitucionais que preconizam a igualdade e impessoalidade.
A relação negocial convenial é composta por fases, desde as tratativas iniciais até sua execução e prestação de contas final. A execução do convênio se resume na busca pelo cumprimento do objeto proposto, adotando as diretrizes do programa e o plano de trabalho previsto e deverá ser acompanhada e fiscalizada por agente público do órgão concedente.
Na prestação de contas do convênio faz-se necessária a demonstração da boa e regular aplicação dos recursos e avaliação da política pública implementada. O acompanhamento deve ser constante e paulatino, e caso constatadas irregularidades na gestão dos recursos transferidos, incumbe ao órgão repassador a instauração de Tomada de Contas Especial.
Nos termos da CF, os convênios se submetem ao controle pelo Congresso Nacional, mediante controle externo (art. 70), com auxílio dos Tribunais de Contas (art. 71).
Os convênios não possuem uma legislação exauriente que os define de forma satisfativa, incidindo sobre eles os dispositivos da Lei Geral de Licitações, quando compatíveis com sua natureza, as regras estabelecidas em regulamentos próprios (aos quais cabe ao Poder Executivo o dever de regulamentar), e de forma supletiva as regras do direito privado por força do art. 89 da Lei nº 14.133/21.
A compreensão do instituto do convênio não nos isenta de dúvidas e discussões, entretanto, permite refletir acerca de sua relevância no ordenamento jurídico brasileiro como meio de concretização das políticas públicas. Para tanto, é crucial ter políticas públicas bem desenhadas e fundamentadas, debatidas de maneira democrática e devidamente veiculadas.
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
A Constituição contempla normas sobre o tema desenvolvido nesta aula. Veja abaixo:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(…)
VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
…
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
Como vimos também, ao convênio é aplicada a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, no que couber:
LEI 14.133/2021
Art. 184. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.
A transferência de recursos financeiros entre os entes deve obedecer ao disposto no art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que faz exigências específicas a serem observadas quando da celebração de convênios:
LEI n.º 101/2000
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
I – existência de dotação específica;
II – (VETADO)
III – observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;
IV – comprovação, por parte do beneficiário, de:
a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde;
c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;
d) previsão orçamentária de contrapartida.
§ 2o É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada.
§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.
Vamos agora conhecer uma regulamentação recente no âmbito federal (Decreto nº 11.531 de maio 2023) que concentra diversas normas regulamentadoras, apresenta definições de convênio, contrato de repasse, acordo de cooperação técnica e acordo de adesão, consolidando diretrizes relativas à matéria. Leia as definições trazidas pela norma:
DECRETO n.º 11.531/2023
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre:
I – convênios e contratos de repasse relativos às transferências de recursos da União; e
II – parcerias sem transferências de recursos, por meio da celebração de acordos de cooperação técnica ou de acordos de adesão.
Parágrafo único. Este Decreto não se aplica aos termos de colaboração, aos termos de fomento e aos acordos de cooperação de que tratam a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e o Decreto nº 8.726, de 27 de abril de 2016.
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – convênio – instrumento que, na ausência de legislação específica, dispõe sobre a transferência de recursos financeiros provenientes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração;
II – contrato de repasse – instrumento de interesse recíproco, por meio do qual a transferência dos recursos financeiros é processada por intermédio de instituição ou de agente financeiro oficial federal que atue como mandatário da União;
III – convênio de receita – ajuste, sob regime de mútua cooperação, em que:
a) órgão ou entidade da administração pública federal recebe recursos para a execução de programa estadual, distrital ou municipal; ou
b) órgão ou entidade da administração pública federal integrante do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União recebe recursos para a execução de programa a cargo de entidade integrante do Orçamento de Investimento da União;
IV – concedente – órgão ou entidade da administração pública federal responsável pela transferência dos recursos financeiros destinados à execução do objeto de convênio ou de contrato de repasse;
V – convenente – órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, consórcio público, entidade privada sem fins lucrativos ou serviço social autônomo, com o qual a administração pública federal pactua a execução de programa, projeto, atividade, obra ou serviço de engenharia, por meio da celebração de convênio ou de contrato de repasse;
VI – interveniente – órgão ou entidade da administração pública de qualquer esfera de governo ou entidade privada que participe do instrumento para manifestar consentimento ou assumir obrigações em nome próprio;
VII – mandatária – instituição financeira oficial que celebra e operacionaliza contratos de repasse em nome da União;
VIII – bens remanescentes – materiais permanentes adquiridos, produzidos ou transformados com recursos do convênio ou do contrato de repasse, necessários à consecução do objeto, mas que não o incorporam;
IX – objeto – produto do instrumento pactuado;
X – meta – parcela quantificável do objeto descrita no plano de trabalho;
XI – etapa ou fase – divisão existente na execução de uma meta;
XII – termo aditivo – instrumento de modificação de convênio, contrato de repasse, acordo de cooperação técnica ou acordo de adesão celebrado;
XIII – acordo de cooperação técnica – instrumento de cooperação para a execução de ações de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração, a título gratuito, sem transferência de recursos ou doação de bens, no qual o objeto e as condições da cooperação são ajustados de comum acordo entre as partes; e
XIV – acordo de adesão – instrumento de cooperação para a execução de ações de interesse recíproco e em mútua colaboração, a título gratuito, sem transferência de recursos ou doação de bens, no qual o objeto e as condições da cooperação são previamente estabelecidos por órgão ou por entidade da administração pública federal.
Art. 3º Os órgãos e as entidades da administração pública federal poderão celebrar convênios ou contratos de repasse para transferências de recursos com órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital e municipal, consórcios públicos, entidades privadas sem fins lucrativos e serviços sociais autônomos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração. (Redação dada pelo Decreto nº 11.845, de 2023)
§ 1º Quando não dispuserem de capacidade técnica e operacional para a celebração e o acompanhamento dos convênios, os órgãos e as entidades da administração pública federal poderão contratar:
I – instituições financeiras oficiais federais, para atuarem como mandatárias, em nome da União, na operacionalização dos contratos de repasse; ou
II – prestadores de serviços específicos para realização de serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios, considerados atividades operacionais para apoio à decisão dos gestores responsáveis pelos convênios.
§ 2º Para cumprimento do disposto no inciso II do § 1º, os serviços contratados não poderão configurar a execução por meio de mandato e os órgãos e as entidades concedentes manterão a responsabilidade final pelas atividades de sua competência.
(…)
Art. 5º Fica vedada a celebração de convênios e de contratos de repasse:
I – com valores de repasse inferiores aos estabelecidos no art. 10;
II – com órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital e municipal cadastrados como filiais no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ;
III – entre órgãos e entidades da administração pública federal integrantes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União;
IV – cuja vigência se encerre no último trimestre do mandato do Chefe do Poder Executivo do ente federativo convenente ou no primeiro trimestre do mandato seguinte;
V – com entidades privadas sem fins lucrativos, exceto nas transferências do Ministério da Saúde destinadas a serviços de saúde integrantes do Sistema Único de Saúde, segundo critérios observados pelo Ministério da Saúde;
V – com entidades privadas sem fins lucrativos, exceto: (Redação dada pelo Decreto nº 11.845, de 2023)
a) os serviços sociais autônomos; e (Incluído pelo Decreto nº 11.845, de 2023)
b) nas transferências do Ministério da Saúde destinadas a serviços de saúde integrantes do Sistema Único de Saúde, segundo critérios observados pelo Ministério da Saúde; (Incluído pelo Decreto nº 11.845, de 2023)
VI – com entidades privadas sem fins lucrativos que:
a) tenham como dirigente:
1. agente político do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário ou do Ministério Público;
2. dirigente de órgão ou de entidade da administração pública de qualquer esfera de governo; ou
3. cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau, daqueles referidos nos itens 1 e 2;
b) não comprovem experiência prévia na execução do objeto do convênio ou do contrato de repasse ou de objeto de mesma natureza;
c) cujo corpo de dirigentes contenha pessoas que tiveram, nos últimos cinco anos, atos julgados irregulares por decisão definitiva do Tribunal de Contas da União, em decorrência das hipóteses previstas no inciso III do caput do art. 16 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992; ou
d) que tenham, em suas relações anteriores com a União, incorrido em, ao menos, uma das seguintes condutas:
1. omissão no dever de prestar contas;
2. descumprimento injustificado na execução do objeto dos instrumentos;
3. desvio de finalidade na aplicação dos recursos transferidos;
4. ocorrência de dano ao erário; ou
5. prática de outros atos ilícitos na execução dos instrumentos; e
VII – em outras hipóteses previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na legislação aplicável à matéria.
Parágrafo único. As vedações de que trata o inciso VI do caput serão extintas no momento que a entidade privada sem fins lucrativos comprovar o saneamento da pendência ou o cumprimento da sanção correspondente.
(…)
Art. 10. Serão celebrados convênios e contratos de repasse com os seguintes valores mínimos de repasse da União:
I – R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) para execução de obras; e
II – R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para demais objetos.
Lembremo-nos que essa diferenciação trazida pelo regramento deve ser observada no âmbito federal, nos casos dos estados e municípios e na ausência de legislação específica local, o que prevalece é o conteúdo do ajuste, a despeito das diversas nomenclaturas utilizadas. Confira o que Rafael Costa ensina sobre o assunto:
Nomenclatura: convênio e congêneres
Por Rafael Costa
Convênios Administrativos, 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023, p. 81/82
Conforme o art. 116 da Lei nº 8.666/93 e o art. 184 da Lei nº14.133/21, com exceção de distinções previstas em nível regulamentar outorga-se o mesmo tratamento jurídico aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. A lei não diferencia o que seria um convênio ou termo de cooperação, nem concede tratamento distinto para nenhuma das variações linguísticas retromencionadas.
(…)
O Decreto Federal nº 6.170/07 delimita diferentes categorias de ajustes, classificando essas variedades de ajustes pelo conteúdo do acordo a ser feito, elencando as regras especiais para cada um dos respectivos acordos de cooperação regulamentados. No âmbito federal, o ajuste que envolve repasse de recursos financeiros deveria ser chamado de “convênio”. Já o ajuste que envolve obras e serviços de engenharia, por meio de instituição financeira pública federal se denomina “contrato de repasse”. Noutra via, o “termo de execução descentralizada” se refere a instrumento que formaliza a descentralização de crédito entre órgãos e/ou entidades integrantes dos orçamentos fiscal e da seguridade social da União. Contudo, deve-se ressaltar que, via norma infralegal, não podem ser dispensados requisitos previstos em lei para firmação dos convênios, apesar da discriminação dessas subcategorias. O que os decretos regulamentares fazem, em regra, não é exatamente a criação de novas figuras jurídicas, com a inovação de requisitos dessemelhantes para a formalização de cada uma dessas categorias. O papel do regulamento, nesses casos, é compilar as exigências (até então espalhadas em leis esparsas) para situações específicas, com o objetivo de viabilizar o firmamento dos convênios e de facilitar o manuseio dessas exigências especiais, direcionar o usuário para nomenclaturas que classificam esses ajustes em subcategorias, destacando as peculiaridades relacionadas à exigência legal, para hipóteses específicas de parceria.
(…)
As nomenclaturas previstas no respectivo decreto só são cogentes no âmbito federal. No âmbito dos estados e municípios, é necessário observar as legislações regionais ou locais, e, caso não existam, juridicamente torna-se sem efeitos jurídicos qualquer diferenciação da terminologia concedida a esses ajustes, devendo o seu o regime jurídico ser analisado pelo conteúdo, independentemente da nomenclatura estampada no documento que o formaliza. Sintetizando, é adequada a utilização de convênio quando entes públicos, ou entes públicos e privados, estabelecem esforços para atingir objetivo comum, independentemente da nomenclatura concedida ao instrumento que formaliza o acordo cooperativo, ressalvada a hipótese de regramento próprio na respectiva entidade federativa, prevendo consequências jurídicas próprias para tipos específicos de acordos cooperativos.
Quanto à fiscalização dos convênios, o TCU já firmou o entendimento (abaixo você encontra trechos dos Acórdãos) de que a entidade concedente somente deve firmar convênios ou instrumentos congêneres se dispuser de condições técnicas, financeiras e operacionais de analisar as respectivas prestações de contas e de efetivamente fiscalizar a execução física dos ajustes:
TCU, Acórdão n.º 721/2019
Rel. Min. Substituto André Luís de Carvalho
Plenário, 27.03.2019
SUMÁRIO: AUDITORIA. ANCINE. METODOLOGIA ANCINE+SIMPLES. FALHAS DIVERSAS. PROPOSTA DE AUDIÊNCIAS. AUTUAÇÃO DE PROCESSOS ESPECÍFICOS DE TCE. DETERMINAÇÕES. RECOMENDAÇÕES.
Trata-se de auditoria realizada na Agência Nacional do Cinema (Ancine), durante o período de 1º a 25/8/2017, com o objetivo de verificar a conformidade da nova metodologia sob o título de Ancine+Simples empregada para a análise das prestações de contas dos recursos públicos destinados a projetos audiovisuais pelo aporte de incentivos fiscais previstos em lei (fomento indireto) ou de repasses provenientes da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA (fomento direto).
(…)
- A questão da celebração de convênios, contratos de repasse e congêneres em capacidade acima da que pode um órgão ou entidade pública efetivamente gerir já foi tratada de forma clara pelo Tribunal. Consideram-se irregulares tanto a celebração de avenças em capacidade superior à de análise das prestações de contas quanto à de realização de inspeções in loco para tempestivo acompanhamento da evolução dos objetos conveniados ou contratados. Não resta dúvida que atitude dessa natureza coloca em risco o bom e regular uso dos recursos públicos federais e que deve ser, portanto, coibida. Destacam-se, a respeito, os seguintes acórdãos:
‘Acórdão 9690/2011-TCU/2ª Câmara
É irregular a celebração de convênios com entidades sem qualificação técnica e administrativa, assim como a não fiscalização in loco da execução do objeto pelo concedente.
Acórdão 3642/2012-TCU/2ª Câmara
Os órgãos só podem firmar convênios se tiverem condições técnicas, financeiras, operacionais não só de analisar a prestação de contas, como também de fiscalizar in loco a execução física da avença, sob pena de responsabilidade.
Acórdão 1224/2014-TCU/1ª Câmara
O órgão concedente não deve firmar convênios em número superior à sua capacidade operacional, sendo sua responsabilidade a análise da qualificação técnica e da capacidade operacional e estatutária de entidades convenentes e a fiscalização e acompanhamento sobre a execução dos ajustes.’
(…)
- A posição do TCU acerca da inaceitabilidade de prestações de contas com caráter meramente declaratória é bastante consagrada. Os Acórdãos a seguir, transcritos em seus Enunciados ou parte de seus dispositivos, esclarecem a respeito.
‘Acórdão 1160/2011-TCU/2ª Câmara
A emissão de cheques nominais à própria entidade beneficiária de recursos de convênio dificulta a comprovação de nexo causal entre os recursos transferidos e o objeto apresentado, além de configurar prática vedada pelas normas que regulam a execução financeira de convênios e outras avenças similares.
Acórdão 2922/2013-TCU/Plenário
Não se impõe às entidades privadas que celebram convênios com o poder público a realização de licitação nos moldes da Lei 8.666/93, mas devem tais entidades adotar procedimentos análogos, que atendam aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, previstos na Constituição Federal.
Acórdão 542/2015-TCU/Plenário
Na prestação de contas de convênios, as declarações prestadas por terceiros, por si sós, não são meios de prova capazes de atestar a efetiva execução do objeto custeado com recursos públicos federais.
Acórdão 3235/2017-TCU/2ª Câmara
Na prestação de contas dos convênios com recursos do FNDCT, na modalidade não reembolsável pela Lei nº 11.540/2007, deve-se promover a análise de todos os documentos que irão compor a prestação final de contas, sendo vedada a adoção de procedimentos que retirem da análise parte do conteúdo e/ou prevejam a tomada de decisão por meio de declarações do próprio convenente, de modo a respeitar o art. 70, parágrafo único, da Constituição de 1988 e o art. 40 da IN-CD-FNDCT 1/2010.’
- A não ser no caso das contrapartidas, cuja execução pode ocorrer até mesmo com serviços in natura, e dos pagamentos feitos a pessoas naturais, que deverão apresentar o devido ajuste em suas declarações anuais do imposto de renda, o uso de documentação não-fiscal emitida por pessoas jurídicas para comprovação do uso de recursos públicos atenta frontalmente contra a Administração Pública, como um todo. Isso porque pode concorrer para com a evasão tributária, não somente na esfera federal como, também, na estadual e na municipal. Recibos não-fiscais emitidos por pessoas jurídicas não constituem documentos hábeis para comprovar a fidedignidade dos gastos realizados e dificultam sobremodo a ação dos fiscos estadual e municipal, facilitando a referida evasão.
- Ressalta-se que nem mesmo as chamadas ‘doações’, previstas nos normativos da Ancine estão isentas de maior controle. A Lei 8313/1991, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), em seu artigo 29, estabelece que ‘os recursos provenientes de doações ou patrocínios deverão ser depositados e movimentados, em conta bancária específica, em nome do beneficiário, e a respectiva prestação de contas deverá ser feita nos termos do regulamento da presente Lei’.
TCU, Acórdão n.º 9690/2011 SEGUNDA CÂMARA, REL. MIN. JOSÉ JORGE, 11.10.2011
Rel. Min. José Jorge
Segunda Câmara, 11.10.2011
Sumário: RELATÓRIO DE AUDITORIA. FISCALIZAÇÃO EM CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE A FUNASA/AM E A FUNDAÇÃO POCETI. PROMOÇÃO E RECUPERAÇÃO DE SAÚDE À POPULAÇÃO INDÍGENA. IRREGULARIDADES. AUDIÊNCIA DOS RESPONSÁVEIS. ACOLHIMENTO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA APRESENTADAS POR UNS E REJEIÇÃO DAS DE OUTROS. MULTA. DETERMINAÇÕES. ARQUIVAMENTO.
Voto
Trata-se de auditoria de conformidade realizada pela Secex/AM na então Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde no Amazonas (Funasa/AM). O trabalho teve por objetivo verificar a regularidade da aplicação dos recursos repassados pela entidade à Fundação Poceti, por meio dos Convênios 1.250/2007, 1.251/2007 e 6.001/2008, com vistas a desenvolver ações de prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde das populações indígenas no âmbito do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Parintins, do DSEI Médio Solimões e Afluentes e do DSEI Manaus, respectivamente.
2. Destaco, preliminarmente, no que toca à metodologia adotada, que os trabalhos da equipe de auditoria limitaram-se à análise de documentos obtidos em visitas promovidas junto à então Coordenação Regional da Funasa/AM e à Fundação Poceti, não sendo inspecionada a efetividade das atividades fim desenvolvidas em cada um dos ajustes.
3. De posse dos papéis de trabalho, a equipe de auditoria identificou irregularidades tanto na celebração quanto na execução dos convênios, as quais deram ensejo à realização de audiência de diversos responsáveis, conforme indicado no Relatório que precede este Voto.
4. Após análise das razões de justificativa apresentadas, a Secex/AM considerou não elididas as seguintes irregularidades, propondo, em decorrência, a aplicação da multa prevista no art. 58, II, da Lei 8.443/92 àqueles que concorreram para que as mesmas se materializassem:
4.1. celebração de convênios com entidade que não dispõe de qualificação técnica e de condições materiais para consecução do objeto;
4.2. celebração do Convênio 6.001/2008 com data retroativa; e
4.3. ausência de fiscalização na execução dos objetos conveniados.
5. Com relação à ocorrência descrita no item 4.1, verifico que a constatação decorre do fato de a Secex/AM, em visita às instalações da Fundação Poceti, não ter identificado a existência de quadro técnico especializado que legitimasse o ajuste, bem como de não ter aquela ONG realizado qualquer trabalho na área de saúde indígena antes da celebração dos Convênios 1.250/2007 e 1.251/2007, muito embora tal atividade constasse de seu estatuto como uma das diversas finalidades da fundação. Alia-se a esses fatos a previsão, nos planos de contas que detalhavam os gastos a serem realizados nos convênios, de despesas referentes à manutenção da ONG, tais como contratação de pessoal para atuar na sua sede, vigilância de suas instalações, contas telefônicas e manutenção de computadores, evidenciando a ausência de condições técnicas e estruturais para a consecução dos planos de trabalho pactuados.
5. Com relação à ocorrência descrita no item 4.1, verifico que a constatação decorre do fato de a Secex/AM, em visita às instalações da Fundação Poceti, não ter identificado a existência de quadro técnico especializado que legitimasse o ajuste, bem como de não ter aquela ONG realizado qualquer trabalho na área de saúde indígena antes da celebração dos Convênios 1.250/2007 e 1.251/2007, muito embora tal atividade constasse de seu estatuto como uma das diversas finalidades da fundação. Alia-se a esses fatos a previsão, nos planos de contas que detalhavam os gastos a serem realizados nos convênios, de despesas referentes à manutenção da ONG, tais como contratação de pessoal para atuar na sua sede, vigilância de suas instalações, contas telefônicas e manutenção de computadores, evidenciando a ausência de condições técnicas e estruturais para a consecução dos planos de trabalho pactuados.
6. Não obstante minha concordância frente à constatação apresentada, divirjo da Secex/AM no que tange à aplicação de sanção por tal ocorrência ao Sr. Francisco Danilo Bastos Fortes, então Presidente da Funasa, e aos Srs. Pedro Paulo de Siqueira Coutinho e Narciso Cardoso Barbosa, os quais desempenharam a função de Coordenador Regional da Funasa no Amazonas.
7. Consoante se pode extrair do Relatório de Fiscalização elaborado pela equipe de auditoria, a verificação das reais condições operacionais da Fundação Poceti só foi possível após visita à sua sede efetuada pelos auditores deste Tribunal, uma vez que tal ilação não pode ser obtida a partir da documentação encaminhada pela entidade para análise da Funasa previamente à celebração de cada um dos convênios. Dessa forma, no meu sentir, a responsabilidade por essa ocorrência deve recair somente sobre aqueles agentes que efetuaram visita in loco às instalações da pretensa conveniada e não se atentaram para tal realidade.
8. No âmbito da Funasa, de acordo com as informações constantes dos autos, aludida atribuição era conferida aos Chefes dos Distritos Sanitários envolvidos, conforme pode ser verificado do seguinte excerto da defesa apresentada pela Sra. Isaudina de Andrade Paula (fl. 275, anexo 5):
“A comissão composta pelos representantes relacionados no edital, avaliou mediante comprovação documental constante do processo de chamamento público, a capacidade técnica registrada nos objetivos estatuídos da entidade, em relatórios de atividades e no quadro mínimo de pessoal apresentado (contador, administrador e coordenador técnico) por meio de currículos e registros nos conselhos de classe, assim como, a capacidade administrativa, devidamente comprovada, com apresentação do contrato de locação da gerência administrativa (…), certificada in loco pelo Chefe do Distrito” (sic)
9. Foi no exercício dessa competência que os Srs. José Mario Trindade Carneiro (Chefe do DSEI Parintins), Francisco das Chagas de Oliveira Pinheiro (Chefe do DSEI Médio Solimões e Afluentes) e Pedro Gonzaga do Nascimento (Chefe do DSEI Manaus) emitiram pareceres técnicos favoráveis à celebração dos Convênios 1.250/2007, 1.251/2007 e 6.001/2008, respectivamente, devendo, portanto, responder por essa irregularidade.
10. Assim, por não haver evidências nos autos de que os Srs. Francisco Danilo Bastos Fortes, Pedro Paulo de Siqueira Coutinho e Narciso Cardoso Barbosa tinham condições objetivas de tomar ciência da realidade constatada pela Secex/AM, entendo que não devam ser responsabilizados por tal ocorrência.
[…]
14. Passando à irregularidade descrita no item 4.3, restou evidente dos autos, em diversos pareceres e despachos emitidos ao longo da execução dos convênios, a ausência de fiscalização in loco por parte da Funasa. A aprovação das contas da convenente era baseada exclusivamente em análise documental, das quais constavam relatórios de execução elaborados pela própria Fundação Poceti. Não é demais lembrar que os próprios termos de convênio, ao dispor acerca das obrigações da Funasa (cláusula terceira), atribuíam à concedente a seguinte atividade:
“acompanhar, supervisionar, orientar e fiscalizar as ações relativas à execução deste convênio, de forma a garantir a boa e regular aplicação dos recursos com vistas a atingir o cumprimento das metas estabelecidas;” (destaquei)
15. Efetuadas as audiências, dos chefes de DSEI arrolados como responsáveis, aos quais cabia acompanhar e avaliar todas as ações de saúde desenvolvidas no âmbito no respectivo distrito, somente o Sr. Francisco das Chagas de Oliveira Pinheiro, chefe do DSEI Médio Solimões e Afluentes, apresentou justificativas, as quais, entretanto, não foram suficientes para afastar sua responsabilidade.
16. Embora deva ser considerado que a extensa dimensão territorial do referido distrito (361.478,3 km2) dificulte a atividade de fiscalização, não se pode admitir que os relatórios aferindo a execução do ajuste sejam elaborados pela própria convenente, interessada direta na continuidade dos repasses. Consoante bem salientou a equipe de auditoria, “restringir a fiscalização do convênio à verificação somente de documentos comprobatórios de despesas pela conveniada, não acompanhando a sua efetiva execução in loco, eleva demasiadamente o risco de a promoção, proteção e recuperação da saúde indígena não serem realizadas a contento.”
17. Nesse sentido, ratifico a proposta da unidade técnica de se aplicar multa aos Srs. Francisco das Chagas de Oliveira Pinheiro e Lázaro Sales de Araújo, que atuaram como Chefe do DSEI Médio Solimões e Afluentes no período auditado, assim como aos Srs. Alexsandre Teixeira Amazonas e Salomão Marialva Batista, os quais exerceram a função de Chefe dos DSEI de Manaus e Parintins, respectivamente.
18. Ainda no que pertine a essa irregularidade, verifiquei, em consulta ao Siafi, que os Convênios 1.250/2007, 1.251/2007 e 6.001/2008 encontram-se vigentes, todos com data prevista para encerramento em 31 de outubro próximo. Consta, outrossim, que o prazo para prestação de contas de cada um desses ajustes expirar-se-á em 30/12/2011. Dessa forma, tendo em vista o teor dos fatos apurados nos presentes autos, assim como o expressivo volume de recursos repassados pela Funasa à Fundação Poceti no decorrer dos ajustes ora analisados (os quais, segundo informações contidas no Siafi, montam R$ 35.945.969,59), entendo pertinente determinar à Funasa que condicione a aprovação das contas a serem apresentadas pela Fundação Poceti à realização de prévia vistoria in loco nas comunidades em que os serviços foram prestados, com vistas a atestar a efetividade da atuação da convenente, podendo, para tanto, valer-se de amostragem, desde que representativa.
19. Por fim, deixo de acolher a proposta de glosa dos valores efetuada pela unidade técnica. Tendo em vista o fato de a matéria não ter dado ensejo à realização de audiência ou oitiva, entendo suficiente a expedição de determinação à Funasa para que se certifique quanto à efetiva prestação dos serviços de contabilidade pela empresa C C Barbosa Assessoria Empresarial à Fundação Poceti, pagos com recursos dos Convênios 1.250/2007 e 1.251/2007, adotando as medidas cabíveis com vistas a reaver os valores pagos indevidamente, caso sejam constatadas irregularidades.
Isso posto, acolhendo parcialmente o encaminhamento proposto pela Secex/AM, VOTO por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à apreciação deste Colegiado.
Ainda sobre a questão, o TCU entende que a atividade de fiscalização dos convênios é finalística da Administração, não sendo passível de terceirização:
TCU, Acórdão n.º 1.069/2011 – Plenário
As atribuições inerentes ao acompanhamento e à análise técnica e financeira das prestações de contas apresentadas em virtude de convênios, ajustes ou instrumentos congêneres, que tenham por fim a transferência voluntária de recursos da União para a execução de políticas públicas, constituem atividade precípua e finalística da Administração e, em consequência, não podem ser objeto de terceirização (art. 1º, §2º, do Decreto 2.271/1997 e art. 9º, incisos I, II e III, da Instrução Normativa SLTI/MP 2/2008). Já as atividades de apoio ao acompanhamento e à análise das referidas prestações de contas podem ser objeto de terceirização quando forem, nitidamente, acessórias ou instrumentais e não requererem qualquer juízo de valor acerca das contas, além de não estarem abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratarem de atribuições de cargo extinto, total ou parcialmente (art. 1º, caput e §2º, do Decreto 2.271/1997 e dos arts. 6º, 7º, §2º, 8º e 9º da Instrução Normativa SLTI/MP 2/2008).
Levando em consideração a natureza finalística da atividade fiscalizatória, entende-se que a Administração deve contratar necessariamente servidor público ou empregado público, não sendo possível o exercício da fiscalização convenial por comissionados.
Com o advento da Lei nº 14.133/21 (art. 7º, I), é reconhecida a importância de se designar agentes públicos para o desempenho das funções consideradas essenciais, devendo ser preferencialmente servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública.
Exercer a atribuição de fiscal do convênio continua sendo de fundamental importância para a Administração no que se refere à cobrança do adequado cumprimento do objeto estipulado.
A recente Lei de Licitações e Contratos Administrativos de forma ainda mais evidente do que a legislação anterior realça a importância da fiscalização e promove uma mudança de foco para prevenir casos de corrupção e desvios nas relações entre o setor público e privado.
3. DEBATENDO
- Qual o papel do convênio administrativo para a Administração Pública?
- É correto afirmar convênio é uma forma de repasse de recursos para, como por exemplo, a execução de um programa voltado para a educação ou a realização de obra para criação de um hospital?
- Podemos dizer que o propósito do convênio é o bem geral dos cidadãos e deve ter como objeto concretizar interesse coletivo fundamental?
- Quais as características peculiares dos convênios que os diferencia dos contratos administrativos em sentido restrito?
- Segundo o TCU a atividade de fiscalização dos convênios admite a terceirização?
- O regime das licitações públicas é aplicável ao convênio?
4. APROFUNDANDO
COSTA, Rafael. Convênios Administrativos, 1ª ed., Belo Horizonte, Fórum, 2023.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 35ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2022.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2015.